sexta-feira, 14 de junho de 2019

Resenha: Capitão América: O filme (Captain America)


               O Café é uma espécie de super ideia que deveria ter surgido na mente de pessoas mais competentes e motivadas, mas acabou tendo azar e nascendo onde nasceu. É que por mais esse espaço fique abandonado por seus criadores, acumulando poeira por um longo tempo, ou que demoremos meses até lançar algum texto, ele continua prosperando diariamente. Todo o dia algum maluco sabe-se lá de onde ou por qual motivo dá um like em nossa fanpage, ou alguma doida escreve um comentário sobre uma resenha sanguinolenta que tocou seu coração e coisas desse tipo. Isso sem falar nas cartas de ódio, nos e-mails reclamando, ameaças de morte, nudes bizarros e ilícitos, mensagens privadas selvagens, etc. O Café renderia uma boa grana nas mãos desses empreendedores modernos e, de fato, merecia mesmo render. Mas nem todos têm os pais que merecem. Paciência.
               Apesar disso, os donos atuais deste espaço não pretendem deixá-lo morrer e, com nossa aleatoriedade costumeira, pretendemos continuar o atualizando com os conteúdos estrambóticos de sempre.

        
     Titulo original: Captain America
     Lançamento: 1990
     Duração: 97 minutos
     Direção: Albert Pyun

               Pelo que me lembro, o filme de hoje deve ser o primeiro de super herói que já passou por este blogue. De super heróis convencionais, claro, pois já resenhamos aqui obras primas como O vingador tóxico, por exemplo, que tem heroísmo à sua maneira. Essa versão do capitão é na verdade a segunda adaptação do personagem para o cinema. Ela faz parte daquelas antigas adaptações de heróis que ocorreram antes da computação gráfica dominar essa arte, sendo que tudo era feito na base da maquiagem e da atuação. Como não lembrar de um clássico como o Hulk bombadão pintado em tinta verde? Capitão América: o filme faz parte desse mesmo grupo de filmes, um excelente motivo para passar aqui pelo blogue.

O filme é ruim?

               Algo que é fácil de se pensar atualmente, observando o filme em retrospectiva, é que ele seria ruim porque necessitaria de recursos que só foram inventados muito mais tarde. Dizendo de outro modo, podemos pensar que, independentemente do orçamento que possa ter tido, Capitão América o filme seria ruim porque histórias de super heróis necessitam de muito recursos tecnológicos e esses recursos só ficaram legais nas últimas décadas.
               Bem, depois de ver o filme devo dizer que esse preconceito não é muito correto. Na verdade, Capitão América o filme já era um filme horrível em seu próprio tempo, mesmo que a computação gráfica não importasse. Penso que recurso nenhum o teria salvado de ser a porcaria que é.
               No geral, acho que  filme não é um desastre, ele é apenas tosco e fraco, tendo um roteiro bobinho, algumas escolhas estranhas sobre a origem e caracterização do personagem, atuações nada convincentes e, no meio disso, algumas boas ideias aqui e ali. Vamos falar um pouco de cada coisa.

Capitão simbólico

               Uma questão que qualquer obra sobre o Capitão América precisa abordar é o fato do personagem ser uma espécie de “super estadunidense”. Em algum grau, ele representa a autoimagem desse povo, veste a camisa (ou bandeira) do time, traz consigo os valores que eles projetam em si e tal há várias questões postas aí. Ao mesmo tempo em que o personagem carrega esses valores, sendo uma espécie de símbolo de quem são os estadunidenses, ele é também um soldado, parte da máquina de guerra do país. A guerra não é um evento qualquer; é um acontecimento que é diariamente televisionado, narrado nas rádios, publicado nos jornais, fabulado nos livros, pois carrega consigo muito da dignidade de um povo. A guerra é também propaganda e entretenimento, o que faz com que o capitão também possa ser usado para induzir os estadunidenses a certas formas de pensar e para diverti-los.
               Ao longo das obras sobre o capitão, essas coisas receberam diversos tratamentos, sendo tanto o atrativo desse herói quanto aquilo que faz as pessoas não gostarem dele. Na maior parte do tempo, elas surgem ao longo desse filme em específico por meio de uma exaltação brega do personagem, contudo, há bons momentos também em que a inteligência oxigena a banalidade do roteiro. Por exemplo: em determinada cena, algum tempo depois de ser descongelado, o capitão começa a reparar em logomarcas estrangeiras contidas em adesivos colados num carro. É como se o personagem estivesse notando que foi congelado num Estados Unidos e acordou noutro. Esse novo EUA é governado não apenas por seu próprio povo mas também por grupos estrangeiros. A soberania nacional está em jogo em mais de um campo de batalha. Quem o capitão está defendendo agora?
               Algo que achei curioso nesse sentido foi o fato de, no filme, o capitão fumar, ou melhor, o fato dele poder fumar. Numa produção atual, esse hábito seria considerado uma falha no caráter do personagem a qual ele não poderia ter, pois o tabagismo não é um bom hábito a ser estimulado naqueles que se inspiram no personagem. No filme antigo, porém, o personagem fuma qual seria o significado do cigarro naquele contexto? Confesso que não sei. Talvez nos anos noventa o conhecimento acerca dos riscos do cigarro não fosse tão disseminado quanto hoje, ou talvez ainda existisse aquela coisa do “charme do fumante”, ou o pessoal era mais de boa há vinte anos e o grande herói da nação podia fumar, tomar uma birita e pegar a mulher do vizinho sem muitos problemas. Sei lá. O fato é que hoje a presença do cigarro significaria alguma coisa negativa quando posta na tela, um costume ruim que não poderia ser praticado por um herói, nem poderia ser incentivado pelo cinema nesse tipo de filme.
               Noutra cena, inclusive, depois de pegar uma carona com um sujeito bem gente boa, o capitão não só desconfia do cara, pensando se tratar de um aliado do caveira vermelha, como também rouba o carro do sujeito e o deixa sozinho no meio do nada. Vocês imaginam o capitão roubando? Conseguem imaginar as mães aconselhando: “Filhinho, não dê caronas para estranhos, principalmente se for o Capitão América”. Particularmente, fiquei surpreso. Suspeito que as mesmas considerações sobre o hábito de fumar valham aqui: na década de noventa as coisas provavelmente eram diferentes de hoje. Bem diferentes.

Capitão e seus amiguinhos

               Capitão América: o filme tem duas partes. Em tese, a primeira seria dedicada a apresentar os personagens e o conflito entre o capitão e o caveira vermelha, ao passo que a segunda apresentaria o desenrolar desse conflito vários anos depois, quando o protagonista é descongelado décadas mais tarde depois de perder um conflito contra seu rival (vocês conhecem a história, não?). Em tese, claro. Na prática a estrutura é um tanto torta, sendo que na segunda parte surgem personagens novos que terão grande importância e relações que precisariam ser estabelecidas com mais cuidado na parte anterior continuam frouxas. Um exemplo: na segunda parte, o Caveira Vermelha tenta tomar o controle dos Estados Unidos controlando o presidente do país, cabendo ao capitão resolver isso. Como o capitão acabou de acordar de um coma de décadas, porém, ele não possuiria qualquer relação com o presidente atual do país, sequer sabendo quem ele seria, contudo, o filme tenta criar uma relação entre ambos ainda na primeira parte. Qual seria? Dos vários filmes que já assisti nessa vida, acho Capitão América: o filme usa um dos recursos de roteiro mais bizarros que já vi no cinema. Perto do fim da primeira parte, o capitão é amarrado a um míssil e lançado contra a Casa Branca. No último momento, todavia, ele conseguirá desviar o projétil (na base da bicuda!) para uma região inóspita, onde ficará congelado pelas décadas seguintes. Ok, mas onde entra o presidente aí? Bem, o presidente era uma criança que estava acordada até mais tarde, olhando o céu, e que por puro acaso observou o herói amarrado ao míssil desviar o projétil. Ele foi a única testemunha do ato heroico do capitão. Está criada assim a relação entre eles. Absurdo, claro.
               Embora a estrutura do filme seja mesmo frouxa, acho que existe uma razão para tanto. A direção do filme não prioriza o desenvolvimento dos personagens, mas o desenrolar de suas ações. Em outras palavras, o que interessa são socos, porradas, perseguições, tiroteios, beijos, e tal. Por isso, há poucas cenas que trabalhem as relações e entre personagens ou mesmo que apresentem seus conflitos internos (eles não tem nenhum). Para falar a verdade, acho que o capitão nem mesmo tem uma personalidade, pelo que me lembro. A maioria dos personagens são definidos por um ou duas características, como o vilão mau, a mocinha destemida, entre outros. Já que existe essa priorização da ação, quando fôssemos apresentados a uma personagem como a filha do caveira vermelha (?), na segunda parte do filme, o que deveríamos pensar é “que legal, mais uma vilã para combater”, contudo, como a coisa é mal feita, o que pensamos é “filha do caveira? Que porcaria é essa? E quem é a mãe dela?”. Mesmo uma obra voltada para a ação precisa lidar, ainda que minimamente, com as motivações de seus personagens para fazer com que suas ações tenham sentido. A motivação explica porque a galinha atravessou a rua e faz com que queiramos que ela chegue ao outro lado sã e salva. Um filme de pura porrada não teria graça nenhuma, cumpre que a porrada signifique algo, nem que seja “o personagem provou seu ponto de vista por meio da violência física”. Capitão América: o filme, porém, não consegue construir nem minimamente as relações entre os personagens e suas motivações, o que acaba fazendo com que as cenas de ação percam significado, bem como a própria presença dos personagens como realizadores dessas ações.
               Em função disso, mesmo a ação do filme fica bastante prejudicada. As informações são simplesmente jogadas no espectador, sem muito significado. Quando o Esteve Rogers passa pelo processo que o torna o Capitão, ele simplesmente levanta da mesa de cirurgia e está pronto; não e preciso testar seus poderes ou se acostumar com seu novo corpo. Quando ele se descongela, por sua vez, ele simplesmente quebra o gelo e sai andando, sem fome, sem perguntar onde está, sem pedir um hambúrguer, sem perguntar quanto tempo dormiu, ele simplesmente sabe que precisa partir para cumprir seu dever. Tais coisas surgem da necessidade de jogar logo o personagem na ação. Não funciona, lógico.


Deus abençoe a América?

               Capitão América: o filme é uma obra terrível, como você já deve ter percebido, afinal, se não fosse ruim o suficiente, sequer estaria aqui no Café. Apesar disso, acho que ele funciona muito bem como um “filme para ver com a galera e dar risada”. Há muitas licenças poéticas bizarras (Caveira Vermelha italiano!), cenas em que o filme se desmente (como quando o capitão se camufla longamente para se infiltrar na base inimiga e... tenta entrar pela porta da frente, sendo obviamente percebido pelos inimigos), entre outras coisas bem divertidas. As cenas de ação são meio ridículas, tendo envelhecido bastante, mas há algumas coisas genuinamente legais como a maquiagem do Caveira Vermelha, por exemplo, que curti mais que a maquiagem dos filmes recentes, e o fato de vários personagens e não só o protagonista fazerem a história avançar. O filme não se salva, evidentemente, mas caso você esteja no humor certo, pode assisti-lo com alguém e se divertir.


Trailer

5 comentários:

  1. Sempre achei o visual do cap meio bizarro e anti natural, então qualquer transformação dele em live action antes dessa remodelagem mais recente que a Marvel propôs vai ser esquisita. E maquiagem de efeitos especiais é uma das coisas mais maneiras da indústria cinematográfica, descobri isso depois do reality do syfy.

    ResponderExcluir
  2. Para os fãs de filmes B/trash,esse Capitão América é altamente recomendável.Resta saber se o filme saiu dessa maneira por incompetência da produção e de quem fez o roteiro,ou foi feito PROPOSITADAMENTE assim.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Acho que ele não era para ser tosco, exatamente, acho que era para parecer "heroico para crianças", algo que, com o tempo, ficou tosco. Mas o filme tem umas boas sacadas que nem os novos possuem, o que é o melhor dele, eu acho.

      Excluir
  3. Acho que tem mais relação com a época mesmo, com a maneira como o personagem era visto, ou como queriam que ele fosse visto. A tosquice, a meu ver, é involuntária.

    ResponderExcluir