Que careta é essa aí? Ah, seu rosto é assim mesmo?
De qualquer modo, alegre-se, leitor,
faça uma carinha bonitinha e disfarce esse estranhamento com a expressão “cinema
trash nacional”, pois você há de se encontrar com ela muitas vezes mais
enquanto continuar amigo do Café com Tripas. Talvez,
daqui a um tempo comece até a achá-la bonitinha e queira trocar umas carícias
com ela num lugar privado. Aí é contigo e não me diz respeito. Porém, este blog
sujo, feio e malvado está aqui justamente para tornar essa baranga um pouco
mais atrativa, ressaltando suas qualidades, mostrando que sua feiura é só aparente e você até pode gostar dela. Portanto, vamos realizar hoje
uma apologia do cinema trash nacional abordando um pouco os problemas ligados a
esse tipo de arte, explicando porque ela é odiada e porque não deveria ser. Sendo
assim, escove seus dentes e vista sua roupa melhorzinha, pois vamos te introduzir
a alguém muito especial.
O polêmico "Blerghhh" |
Você, leitor espertinho, do alto do seu conforto olhando aí a tela
brilhante do PC, pode se questionar sobre a pertinência de se abordar o cinema
brasileiro como faremos agora. Até certo ponto, concordo que isso é um tanto
inesperado e até dispensável. Os filmes brasileiros não precisam de nenhum tipo
de tratamento especial na sua análise. Contudo, percebo (e você deve ter
percebido também) que muitas pessoas têm reservas com o cinema nacional e é,
sobretudo, pensando nelas que estou escrevendo isso aqui.
Essa é uma reformulação do texto “A capital dos mortos, uma introdução ao filme” só que com alguns retoques para que se tornasse
mais geral, mais relativo ao cinema trash e menos àquele filme específico.
Caninos? Nós?
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
(Perfeição, Legião urbana)
Como é bem conhecido, o Nelson Rodrigues - aquele
escritor cheio de sarcasmo e erotismo - cunhou o conceito de “complexo de
vira-lata” para explicar nossa tendência enquanto brasileiros de nos
representarmos como um povo inferior aos outros. Na presença (ou até ausência)
desses povos tenderíamos a exaltá-los como se fossem superiores e nos rebaixar
como se, por nascimento, já fossemos inferiores. E quais são esses outros
povos? Da Uganda? Argentina? Vietnã? Não, não, a resposta é muito mais curiosa
e bizarra: são aqueles das mesmas civilizações que roubaram nossa riqueza para
construir a sua própria, como os EUA, a Inglaterra, a França e europeus
desenvolvidos que lucraram horrores na colonização e neocolonização.
Melhor dizendo, vemos superioridade naqueles que construíram sua força
roubando a nossa e nos fazendo duvidar de nosso próprio valor.
Conveniente para eles, não?
É óbvio que não quero demonizar tais países e sugerir que, caso
estivéssemos no lugar dele, não fossemos explorar os outros também. A maldade
não está só no DNA dos europeus ou dos EUA, mas da humanidade. Porém, é preciso
reconhecer que nós tupiniquins somos vítimas de um processo histórico muito
maior que nossa pobre capacidade de apreendê-lo. Somos afetados por essa coisa.
Temos muitas marcas da colonização e o complexo de vira-lata é uma delas.
"Mangue negro" |
E por qual razão estou abordando isso? Simples: porque esse problema
produz ecos em todos os campos da vida brasileira - desde a crença boba de que
os políticos são justos lá, mas corruptos cá, até aquela que diz que, por
princípio, nosso cinema não presta. E é aí que chegamos, enfim, ao nosso tema,
o cinema trash. Um prato cheio para os colonizados de
plantão.
Trash brasileiro? Ai meu deus...
“Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer...”
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer...”
(Brasil, Cazuza)
Como bem sabemos, filmes trash não são exatamente apreciados pela
crítica ou tidos como obras dignas de entrar para a história do cinema. Isso
não se deve somente à miopia dos críticos cinematográficos a tudo o que cheire
à subversão dos modos consagrados de se fazer cinema, mas também à própria
estética suja, à aproximação do amadorismo e aos montantes de defeitos que o
cinema trash carrega. Convenhamos: não é para todo o mundo, certo?
"O monstro legume do espaço" |
Por isso, se duvidamos da qualidade de um filme
nacional de zumbis, por exemplo, não é porque somos nacionalistas e cremos que
não faz sentido que tais mitos estrangeiros criem raízes aqui, mas porque somos
tão pios em nossa inferioridade que temos certeza que nem para acabar num
apocalipse o Brasil presta.
Postas essas coisas, podemos notar que, nos dias de hoje, um filme que
assuma ou receba alguma dessas tipologias (trash ou brasileiro) estará necessariamente
se condenando aos guetos do cinema. Nada de Oscar, Urso de ouro, entrevista com
o diretor pagando de cult no Jô Soares ou elogios intelectualizados no caderno
de cultura de um jornalão. Jamais.
Note desde já, leitor: ao tratar do que estamos tratando, cinema trash
nacional, não estaremos no âmbito da convenção, do socialmente aceito, do
mainstream, mas à margem da história da arte que irá ilustrar os livros que
nossos filhos estudarão um dia. Ao ver um filme como “A capital dos mortos”, “Mangue
negro”, “À meia noite levarei sua alma” e tantos outros, estaremos acompanhando
a arte que não vencerá; aquela que o futuro não irá se lembrar, que não lhe
trará prestígio e jamais será sinônimo de bom gosto. E é precisamente aí que
residem os melhores motivos para se acompanhar a cena trash: a possibilidade se
ver aquilo que não se verá em nenhum outro lugar, de um cinema que pode se
apropriar de qualquer idéia, bonita, feia, imunda, imoral, belíssima, o que for
e fazer uso dela de um jeito que o cinema comercial e até o cinema de arte
nunca farão. Obviamente, isso não implica de
nenhuma maneira que estejamos prestes a ver algo destituído de valor, que
foi abandonado justamente porque não presta, sendo o cinema trash um cinema de
sobras. Bem do oposto. Esse é um mito criado por quem defende com discursos,
porretes e livros a ordem estabelecida, abominando tudo o que a conteste.
Ignore-os. Aproveite a chance para descobrir o que existe além desse mundo
prontinho e tedioso que nos empurram dia-a-dia nos jornais, nos livros, na TV.
Essa é uma das raras chances que teremos de acompanhar, dentro de nossa própria
época, uma manifestação genuína de algo que nunca será valorizado pelo que é.
Veja sem preconceitos bobocas. Veja, nem que seja para dizer que foi até bom
que a história enterrou isso tudo.
É bem isso mesmo.
ResponderExcluirÉ triste mas muito normal ver comentários como "Filme nacional? Tô fora, não sou nacionalista."
Aproveito pra dizer que tenho acompanhado o blog e gostado dos textos
Oh, Allan, valeu pela visita. Estou contigo: é muito triste ver os brasileiros pisando na própria cultura.
ResponderExcluirValeu por estar acompanhado o blog, ficamos gratos!