sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Resenha: Escuridão mortal (Against the dark)


Então você acha que já viu filmes realmente ruins? Sério?
Quando falo “ruim” não quero dizer ruim como aquelas franquias caça-níqueis; as duzentas e cinquenta continuações de “O retorno dos mortos vivos”, por exemplo. Não. Também não estou me referindo a filmes simplesmente mal dirigidos ou executados, como “Filhos da escuridão”. Não, não. Enfim, igualmente não estou pensando em filmes que se tornaram “trash” involuntariamente - como “Cinderela baiana” - e povoam sua imaginação enquanto referência de mau gosto. Não, não, não. O fim do poço é ainda mais profundo. E hoje vamos bem baixo.
O que quero saber, caro leitor do Café, é se você já viu um filme realmente, sumamente, extremamente, obscenamente ruim... Que misture coisas como um apocalipse mutante-vampiro-zumbi, artes marciais, uma trilha sonora deprimente, muitos clichês e... Steven Seagal armado com uma katana?
Entendeu agora? Pense bem e leia a resenha enquanto eu recoloco a questão para você: então você acha que já viu um filme realmente ruim?





Título original: Against the dark
Lançamento: 2009 (EUA)
Duração: 94 minutos
Direção: Richard Crudo





Against the dark
Escuridão mortal
Obscuridades, indefinições e perdição

Não que “Escuridão” seja assim um arauto do fim do mundo. Na verdade, trata-se de mais uma obra feita no automático; repetindo velhas fórmulas e com pouca coerência. É fato que ele tem seus bons momentos aqui e ali, mas, no geral, consegue entreter mais por ser ridículo e mal feito que por ter algum mérito intencional.
Enfim, é o filme perfeito para o Café com Tripas: tosco, exagerado e, consequentemente, incrível.
Um prato fino para as pessoas de bom gosto que somos.

Monstros, vítimas e caçadores


            Após um apocalipse mutante-vampiro-zumbi, um grupo de pessoas tenta sobreviver aos monstros se refugiando num hospital. Nesse meio tempo, caçadores comandados por Tao - também conhecido como Steven Seagal - matam várias criaturas e tentam resgatar sobreviventes antes que o exército decida varrer a área com ataques aéreos.

Mutante-vampiro-zumbi?

            “Escuridão mortal” padece de um defeito grave: é um filme feito apenas para angariar fundos, em outras palavras, ele só existe para encher os bolsos de quem o fez e, por isso, não tem nenhuma proposta relevante que o suscite. Não que haja qualquer problema com filmes comerciais, afinal, eles estão aí para ficar e vamos nos alimentar deles enquanto existirem. “The avengers”, “Shrek”, são filmes claramente comerciais e divertidos. Tiramos algo deles, nem que seja somente entretenimento. Contudo, “Escuridão mortal” não pertence a esse grupo. Ele não é ruim por ser comercial, mas por ser exclusivamente comercial, ou seja, por nada ter de original, nada ter de relevante e interessante que podemos retirar - é apenas uma montagem qualquer de clichês e recursos cinematográficos agrupados sem muita coerência. Como um discurso feito num gerador de lero-lero.
Bom, quer dizer que é tão ruim assim?
Mais ou menos. Não é que seja uma catástrofe cinematográfica, há muitos filmes piores por aí, no entanto, “Escuridão” tem defeitos muito emblemáticos expostos que outros filmes costumam possuir, mas disfarçam melhor.
Seu grande mal, a meu ver, é a falta de uma proposta bem definida para a história, algo derivado de sua natureza puramente comercial. “Escuridão” tenta construir uma narrativa acerca de um grupo de sobreviventes do apocalipse, mas possui protagonistas indefinidos e sem motivação; além da presença de um grupo de caçadores que não acrescenta nada a história além de golpes e tiros (e claro, a cara do Steven Seagal para garantir bilheteria); e, por fim, um pano de fundo idiota com um militar decidindo se o hospital deve ser bombardeado ou não pelo exército. Ao término da história, essas três frentes - protagonistas, caçadores e militares - se encontram de um modo pouco harmônico e coerente. Não sabemos qual o significado dos acontecimentos, se alguém cresceu com eles ou por que eles estão na história. Enfim, de que importou tudo o que vimos?
Obviamente, a indefinição de uma proposta é um problema que qualquer diretor amador, qualquer canastrão com uma câmera e o desejo de enriquecer se apoiando em efeitos especiais e figurões, tem; não sendo, portanto, uma característica exclusiva desse filme. Contudo, “Escuridão” torna esse problema ainda mais complicado que um mero caso de puro amadorismo.


O exemplo mais claro disso, creio, está nos monstros que aterrorizam os sobreviventes. No princípio da história - e por vezes no seu decorrer - somos informados que essas criaturas são algo como vampiros, criados por uma infecção. Tais seres se alimentariam do sangue humano, agindo de modo irracional para obtê-lo; matando e contaminando outros no processo. Entretanto, conforme o filme avança, vemos que os ditos vampiros, na verdade, comem também a carne humana ao invés de apenas beber sangue, como se fossem zumbis. São zumbis então? É o que o filme parece indicar. Ok. São zumbis então. As pessoas devem pensar que são vampiros por conta da carne ensanguentada que comem. Zumbis, ok. Zumbis. Porém, para nossa surpresa e indignação, eis que um dos personagens explica que, na verdade, os monstros não são vampiros ou zumbis, mas um tipo de mutantes, melhor dizendo, de forma alterada da humanidade. São mutantes-zumbis-vampiros então? Tá. É complicado, mas podemos entender. Mutantes-zumbis-vampiros. Ok. Entendi. Todavia, logo que nos acostumamos a isso, alguns dos monstros sanguinários começam a falar. Sim, falar! Com inteligência, sarcasmo e tudo mais, como se fossem seres conscientes. Aí, é claro, você há de me perguntar: “que porcaria é essa?”. Bom, eu não sei. Sinceramente, não sei. No entanto, quando os créditos sobem e vejo que os monstros são marcados como zumbis, tenho a impressão de que os criadores do filme também não sabem.
Nós telespectadores, os personagens e os roteiristas ficamos igualmente zonzos e perdidos nos corredores daquele hospital, sem saber direito o que fazemos ali e para onde iremos.
Essa indefinição dos monstros exemplifica claramente a mesma indefinição que atrapalha todos os outros aspectos do filme. Não sabemos bem a história dos personagens, suas personalidades, motivações; não sabemos nada sobre os caçadores, sobre os planos dos militares ou o que diabos o Steven Seagal está fazendo no filme. Apenas passamos um tempo vendo pessoas correndo e lutando contra monstros. Algumas vivem, outras morrem, mas sem que nos sejam dados motivos para nos afeiçoar aos personagens e a história, que diferença isso faz?

Quando a coisa aperta...


Ainda que não possua um tema, é possível olhar a história de “Escuridão mortal” sob um prisma bastante específico: aquele da reação das pessoas em situações extremas. Como assim? Ó: todos nós temos nossos comportamentos regulares, o modo como nos vestimos, o lado da mandíbula no qual gostamos de mastigar certos alimentos, nossos valores alegados, nossos valores praticados e, enfim, tudo o mais que nos compõe. Entretanto, todos esses comportamentos e estados - que agrupamos de um modo mais ou menos arbitrário no conceito de “eu” - estão condicionados ao tipo de experiência que temos regularmente, posto que, caso ela variasse, nós variaríamos também. Em outras palavras, o nosso “eu”, o que julgamos que somos, depende das experiências, hábitos culturais e vivências que temos tido até então - ou você acha que não comeria de palitinhos se nascesse no Japão?
Se o “eu” depende de nossa circunstância, logo, basta que ela mude para que sejamos outros. Você é contra o aborto? Mas e se sua namorada engravidar? Vai continuar pensando assim? Você acha insetos repulsivos? O que vai sentir se ficar uns bons dias sem comida?
Claro, provavelmente nem eu, nem vocês, leitores do Café, viverão uma situação extrema que mudará radicalmente suas formas de ser, ao menos, não como esses exemplos que usei aqui (eu espero, pelo menos). Contudo, todos vocês - e eu também - viverão muitas coisas diferentes do que vivemos até então; quando chegarem aos cinquenta, quarenta, sabe-se lá, nem reconhecerão as pessoas que são agora. É como a experiência de encontrar um amigo que não se vê há muito e notar que, não apenas ele mudou, mas que ele procura em ti e você nele a imagem de pessoas que vocês foram e que não existe mais senão como uma lembrança.

*

Admitidas essas coisas, há uma série de inferências que podem ser feitas dependendo do tipo de filosofia que se adota. Certos filósofos, como Hume e Nietzsche, por exemplo, aproveitam-se desse problema para negar a existência do “eu”, afirmando que se não podemos fixar uma unidade que corresponda à pessoa, não há “eu”, pois ele está em constante transformação; já outros, como Descartes e Hussell, o aceitam, retirando filosofias inteiras do interior desse conceitozinho tão intuitivo (lembram-se do “penso logo existo?” cartesiano, isto é, todo pensamento requer um sujeito, um eu pensante? É isso).
Tá. E o que isso tem que ver com o filme?
É simples: se nosso “eu” depende de certa regularidade, de certos hábitos, uma situação adversa, ou muito adversa - como um apocalipse mutante-zumbi-vampiro - pode suscitar mudanças ou reações bem fortes em você. No filme, de um modo ou de outro, todos os personagens estão sujeitos a essa condição adversa, ficando presos num local perigoso e fugindo de monstros. Por isso, eles tentam sobreviver mostrando reações bem diferentes uns dos outros e, talvez, até daquelas que vinham mantendo até então. Enquanto um personagem se agarra a fé que dedica a um deus, outro reage com sarcasmo e ceticismo, se fixando somente ao aqui e agora. Pelo que discutimos aqui vemos que existe a possibilidade de que, caso estivessem numa situação não extrema, as reações desses personagens fossem exatamente contrárias entre si, ou seja, o cético se faria crente o e crente cético. “Escuridão mortal”, infelizmente, não nos dá nenhum histórico dos personagens para que possamos saber se isso é verdade ou não, porém, não é impossível.

Devo apagar as luzes e ficar no escurinho?


         Não, a não ser que você tenha bastante tempo disponível, isto é, caso você seja um ocioso completo, um vagal, um libertino, um sem assunto - tendeu?
Não veja, não veja!
           “Escuridão mortal” pode divertir se assistido com plena consciência de que se trata de um filme horrível, de que não tem nada de interessante ou original. Se visto assim, talvez ele possa te entreter. Talvez. Esqueci uma coisa, fora isso, há ainda outra possibilidade: caso você seja um fã incondicional do Steven Seagal e estiver lendo o blog aí do hospício, é possível que goste também, mas em qualquer outro caso ficará bem decepcionado.

Trailer:

2 comentários:

  1. Genial, sou fã de cinema ruim (eu e minha mulher não perdemos a chance de ver uma das "comédias" do SyFy original movies, por exemplo). Adorei a resenha e agora terei que assistir esse filme.

    Em contrapartida, gostaria de deixar uma dica e fazer um pedido: se querem assistir algo realmente aberrante (de tão ruim), que faria os filmes de Ed Wood parecerem dirigidos por Jean luc Goddard, procurem um terror chamado Luther The Geek (no Brasil, acho que foi lançado como Luther, o Monstro).

    Na tentativa de "inovar" criando um novo tipo de assassino psicótico, os realizadores do filme fazem um roteiro no qual conseguem libertar de um hospício (por bom comportamento, diga-se de passagem) um doente com dentes serrados, que não fala, não se comunica e, sim, CACAREJA porque pensa que é uma galinha matadora.

    É tão sem sentido que nem filme ruins podem ser comparados a ele.

    Assistam que é diversão garantida. O link do IMDB está abaixo...

    http://www.imdb.com/title/tt0100079/

    ...e é fácil achá-lo nas quebradas da internet.

    Abraço a todos, depois me digam se gostaram.

    Aposto que nunca mais verão a galinha pintadinha com os mesmo olhos. 8)

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  2. Cara, eu acho que já tinha visto alguma referência a esse filme. Se não me engano é esse aqui, ó:

    http://www.youtube.com/watch?v=IpOzinV0rbg&feature=BFa&list=PL370EDA2ABD1E81DF

    Se for bão que nem você está dizendo, vou usá-lo para fazer a resenha da outra semana. Verei!

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