Então
você acha que já viu filmes realmente ruins? Sério?
Quando
falo “ruim” não quero dizer ruim como aquelas franquias caça-níqueis; as
duzentas e cinquenta continuações de “O retorno dos mortos vivos”, por exemplo. Não. Também não estou me referindo
a filmes simplesmente mal dirigidos ou executados, como “Filhos da escuridão”. Não, não. Enfim, igualmente não estou pensando em
filmes que se tornaram “trash” involuntariamente - como “Cinderela baiana” - e povoam sua imaginação enquanto referência de
mau gosto. Não, não, não. O fim do poço é ainda mais profundo. E hoje vamos
bem baixo.
O
que quero saber, caro leitor do Café, é se você já viu um filme realmente, sumamente, extremamente, obscenamente ruim... Que misture coisas
como um apocalipse mutante-vampiro-zumbi, artes marciais, uma trilha sonora
deprimente, muitos clichês e... Steven Seagal armado com uma katana?
Entendeu
agora? Pense bem e leia a resenha enquanto eu recoloco a questão para você: então
você acha que já viu um filme realmente ruim?
Título
original: Against the dark
Lançamento: 2009 (EUA)
Duração: 94 minutos
Direção: Richard Crudo
Lançamento: 2009 (EUA)
Duração: 94 minutos
Direção: Richard Crudo
Against the dark
Escuridão mortal
Obscuridades, indefinições e perdição
Obscuridades, indefinições e perdição
Não
que “Escuridão” seja assim um arauto do fim do mundo. Na verdade, trata-se de mais uma
obra feita no automático; repetindo velhas fórmulas e com pouca coerência. É
fato que ele tem seus bons momentos aqui e ali, mas, no geral, consegue
entreter mais por ser ridículo e mal feito que por ter algum mérito intencional.
Enfim,
é o filme perfeito para o Café com Tripas: tosco, exagerado
e, consequentemente, incrível.
Um
prato fino para as pessoas de bom gosto que somos.
Monstros, vítimas e caçadores
Após um apocalipse mutante-vampiro-zumbi, um grupo de
pessoas tenta sobreviver aos monstros se refugiando num hospital. Nesse meio
tempo, caçadores comandados por Tao - também conhecido como Steven Seagal -
matam várias criaturas e tentam resgatar sobreviventes antes que o exército
decida varrer a área com ataques aéreos.
Mutante-vampiro-zumbi?
“Escuridão mortal” padece de um defeito grave: é um filme
feito apenas para angariar fundos, em outras palavras, ele só existe para
encher os bolsos de quem o fez e, por isso, não tem nenhuma proposta relevante
que o suscite. Não que haja qualquer problema com filmes comerciais, afinal, eles
estão aí para ficar e vamos nos alimentar deles enquanto existirem. “The avengers”,
“Shrek”, são filmes claramente comerciais e divertidos. Tiramos algo deles, nem
que seja somente entretenimento. Contudo, “Escuridão mortal” não pertence a esse
grupo. Ele não é ruim por ser comercial, mas por ser exclusivamente comercial,
ou seja, por nada ter de original, nada ter de relevante e interessante que podemos
retirar - é apenas uma montagem qualquer de clichês e recursos cinematográficos
agrupados sem muita coerência. Como um discurso feito num gerador de lero-lero.
Bom,
quer dizer que é tão ruim assim?
Mais
ou menos. Não é que seja uma catástrofe cinematográfica, há muitos filmes
piores por aí, no entanto, “Escuridão” tem defeitos muito emblemáticos expostos
que outros filmes costumam possuir, mas disfarçam melhor.
Seu
grande mal, a meu ver, é a falta de uma proposta bem definida para a história,
algo derivado de sua natureza puramente comercial. “Escuridão” tenta construir
uma narrativa acerca de um grupo de sobreviventes do apocalipse, mas possui
protagonistas indefinidos e sem motivação; além da presença de um grupo de
caçadores que não acrescenta nada a história além de golpes e tiros (e claro, a
cara do Steven Seagal para garantir bilheteria); e, por fim, um pano de fundo
idiota com um militar decidindo se o hospital deve ser bombardeado ou não pelo
exército. Ao término da história, essas três frentes - protagonistas, caçadores
e militares - se encontram de um modo pouco harmônico e coerente. Não sabemos
qual o significado dos acontecimentos, se alguém cresceu com eles ou por que
eles estão na história. Enfim, de que importou tudo o que vimos?
Obviamente,
a indefinição de uma proposta é um problema que qualquer diretor amador,
qualquer canastrão com uma câmera e o desejo de enriquecer se apoiando em
efeitos especiais e figurões, tem; não sendo, portanto, uma característica
exclusiva desse filme. Contudo, “Escuridão” torna esse problema ainda
mais complicado que um mero caso de puro amadorismo.
Nós
telespectadores, os personagens e os roteiristas ficamos igualmente zonzos e
perdidos nos corredores daquele hospital, sem saber direito o que fazemos ali e
para onde iremos.
Essa
indefinição dos monstros exemplifica claramente a mesma indefinição que
atrapalha todos os outros aspectos do filme. Não sabemos bem a história dos
personagens, suas personalidades, motivações; não sabemos nada sobre os
caçadores, sobre os planos dos militares ou o que diabos o Steven Seagal está
fazendo no filme. Apenas passamos um tempo vendo pessoas correndo e lutando
contra monstros. Algumas vivem, outras morrem, mas sem que nos sejam dados
motivos para nos afeiçoar aos personagens e a história, que diferença isso faz?
Quando a coisa aperta...
Ainda
que não possua um tema, é possível olhar a história de “Escuridão mortal” sob
um prisma bastante específico: aquele da reação das pessoas em situações
extremas. Como assim? Ó: todos nós temos nossos comportamentos
regulares, o modo como nos vestimos, o lado da mandíbula no qual gostamos de
mastigar certos alimentos, nossos valores alegados, nossos valores praticados
e, enfim, tudo o mais que nos compõe. Entretanto, todos esses comportamentos e
estados - que agrupamos de um modo mais ou menos arbitrário no conceito de “eu”
- estão condicionados ao tipo de experiência que temos regularmente, posto que,
caso ela variasse, nós variaríamos também. Em outras palavras, o nosso “eu”, o
que julgamos que somos, depende das experiências, hábitos culturais e vivências
que temos tido até então - ou você acha que não comeria de palitinhos se
nascesse no Japão?
Se
o “eu” depende de nossa circunstância, logo, basta que ela mude para que
sejamos outros. Você é contra o aborto? Mas e se sua namorada engravidar? Vai
continuar pensando assim? Você acha insetos repulsivos? O que vai sentir se
ficar uns bons dias sem comida?
Claro,
provavelmente nem eu, nem vocês, leitores do Café, viverão uma
situação extrema que mudará radicalmente suas formas de ser, ao menos, não como
esses exemplos que usei aqui (eu espero, pelo menos). Contudo, todos vocês - e eu também -
viverão muitas coisas diferentes do que vivemos até então; quando chegarem aos
cinquenta, quarenta, sabe-se lá, nem reconhecerão as pessoas que são agora. É
como a experiência de encontrar um amigo que não se vê há muito e notar que,
não apenas ele mudou, mas que ele procura em ti e você nele a imagem de pessoas
que vocês foram e que não existe mais senão como uma lembrança.
*
Admitidas
essas coisas, há uma série de inferências que podem ser feitas dependendo do
tipo de filosofia que se adota. Certos filósofos, como Hume e Nietzsche, por
exemplo, aproveitam-se desse problema para negar a existência do “eu”,
afirmando que se não podemos fixar uma unidade que corresponda à pessoa, não há
“eu”, pois ele está em constante transformação; já outros, como Descartes e
Hussell, o aceitam, retirando filosofias inteiras do interior desse
conceitozinho tão intuitivo (lembram-se do “penso logo
existo?” cartesiano, isto é, todo pensamento requer um sujeito, um eu pensante?
É isso).
Tá.
E o que isso tem que ver com o filme?
É
simples: se nosso “eu” depende de certa regularidade, de certos hábitos, uma
situação adversa, ou muito adversa - como um apocalipse mutante-zumbi-vampiro -
pode suscitar mudanças ou reações bem fortes em você. No filme, de um modo ou
de outro, todos os personagens estão sujeitos a essa condição adversa, ficando
presos num local perigoso e fugindo de monstros. Por isso, eles tentam
sobreviver mostrando reações bem diferentes uns dos outros e, talvez, até
daquelas que vinham mantendo até então. Enquanto um personagem se agarra a fé
que dedica a um deus, outro reage com sarcasmo e ceticismo, se fixando somente
ao aqui e agora. Pelo que discutimos aqui vemos que existe a possibilidade de que, caso estivessem
numa situação não extrema, as reações desses personagens fossem exatamente
contrárias entre si, ou seja, o cético se faria crente o e crente cético. “Escuridão
mortal”, infelizmente, não nos dá nenhum histórico dos personagens para que
possamos saber se isso é verdade ou não, porém, não é impossível.
Devo apagar as luzes e ficar no escurinho?
Não, a não ser que você tenha bastante tempo disponível,
isto é, caso você seja um ocioso completo, um vagal, um libertino, um sem
assunto - tendeu?
Não
veja, não veja!
“Escuridão mortal” pode divertir se assistido com plena
consciência de que se trata de um filme horrível, de que não tem nada de
interessante ou original. Se visto assim, talvez ele possa te entreter. Talvez.
Esqueci uma coisa, fora isso, há ainda outra possibilidade: caso você seja um
fã incondicional do Steven Seagal e estiver lendo o blog aí do hospício, é
possível que goste também, mas em qualquer outro caso ficará bem
decepcionado.
Trailer:
Genial, sou fã de cinema ruim (eu e minha mulher não perdemos a chance de ver uma das "comédias" do SyFy original movies, por exemplo). Adorei a resenha e agora terei que assistir esse filme.
ResponderExcluirEm contrapartida, gostaria de deixar uma dica e fazer um pedido: se querem assistir algo realmente aberrante (de tão ruim), que faria os filmes de Ed Wood parecerem dirigidos por Jean luc Goddard, procurem um terror chamado Luther The Geek (no Brasil, acho que foi lançado como Luther, o Monstro).
Na tentativa de "inovar" criando um novo tipo de assassino psicótico, os realizadores do filme fazem um roteiro no qual conseguem libertar de um hospício (por bom comportamento, diga-se de passagem) um doente com dentes serrados, que não fala, não se comunica e, sim, CACAREJA porque pensa que é uma galinha matadora.
É tão sem sentido que nem filme ruins podem ser comparados a ele.
Assistam que é diversão garantida. O link do IMDB está abaixo...
http://www.imdb.com/title/tt0100079/
...e é fácil achá-lo nas quebradas da internet.
Abraço a todos, depois me digam se gostaram.
Aposto que nunca mais verão a galinha pintadinha com os mesmo olhos. 8)
Cara, eu acho que já tinha visto alguma referência a esse filme. Se não me engano é esse aqui, ó:
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=IpOzinV0rbg&feature=BFa&list=PL370EDA2ABD1E81DF
Se for bão que nem você está dizendo, vou usá-lo para fazer a resenha da outra semana. Verei!