segunda-feira, 23 de julho de 2018

Série: Aggretsuko



               O início da vida adulta é um momento complicado pra muitas pessoas, e provavelmente é, foi, ou será pra você também. É aquele momento em que diversas incertezas e cobranças começam a aparecer, você se pergunta se escolheu bem o curso da faculdade, passa a perceber o real valor das coisas quando precisa pagar por elas, os boletos se acumulam e, mesmo trabalhando não tem perspectiva de uma independência financeira, os amigos estão casando e você acha que vai morrer sozinho/a, a idade avança e você continua sem saber o que fazer da vida, busca empregos temporários que acaba durando mais do que deveria, etc. Enfim, cada um vai ter suas próprias crises e incertezas, mas podemos deixar tudo isso um pouco mais leve, seja cantando death metal em um karaokê ou assistindo Aggretsuko pra compartilharmos nossas frustrações com a pandinha vermelha mais humana que você vai encontrar.



Nome: Aggretsuko
Gênero: Animação
Emissora: Netflix
Ano de estreia: 2016
            Retsuko é uma panda vermelha, solteira de vinte e poucos anos que trabalha no departamento de contabilidade de uma empresa japonesa. Lidando diariamente com as frustrações da vida adulta e com os abusos de seus superiores, apesar da infelicidade, a jovem se vê sem muitas opções de mudança diante da situação em que se encontra. O único lugar onde ela encontra um pouco de conforto é no karaokê de sua cidade, onde ela canta death metal para extravasar toda a negatividade do seu dia a dia.
  
A antropomorfização

               Se não me engano essa vai ser a primeira vez que falamos de uma série aqui no blog, apesar de nós dois assistirmos muitas coisas, séries sempre foram um tipo de obra um pouco mais difícil de resenhar por diversos motivos, mas, principalmente por terem diversas temporadas e, geralmente, lidar com diversas histórias em paralelo. Particularmente, acho estranho resenhar uma obra que ainda está incompleta e que só irá ter continuação daqui a um ou dois anos. Mas, ao assistir Aggretsuko, eu pensei que a obra merecia de alguma forma aparecer aqui na página. Então, essa  e as futuras séries que aparecerem aqui não vão ser exatamente resenhadas, mas sim indicadas pra quem não conhece ou quer saber um pouco sobre nossa perspectiva em relação a obra.
               Aggretsuko é um desenho baseado em uma personagem criada pela mesma empresa da Hello Kitty. Mas bem diferente da gata sem boca, Retsuko é uma personagem bem mais complexa, que dialoga muito mais com os jovens adultos do que com as crianças (talvez seja uma forma da empresa manter aquele publico que conquistou nos anos 90 com a sua mascote mais famosa. Mas enfim, apenas conspirando). A história acompanha essa panda vermelha antropomórfica que esta infeliz com seu trabalho no escritório, tanto pela constante repetição e monotonia da função quanto pelo ambiente de trabalho: os chefes são abusivos, existe um clima predatório entre os colegas e não há perspectiva de crescimento. Esse descontentamento com o emprego se estende para sua vida pessoal, pois Retsuko não tem muito tempo pra si e os abusos sofridos no trabalho repercutem em suas outras atividades. Ela acaba tendo dificuldade de conhecer novas pessoas, vive em uma contante pressão, afinal ela já tem 25 anos e ainda não está rica e nem casada, os amigos estão sempre felizes e plenos nas redes sociais, etc. Ou seja, Retusko é um escarro fofinho de nossa geração.
               O que mais gosto na série é justamente como ela trata de assuntos tão sérios de uma forma  leve e sutil. Ao mesmo tempo em que você tá encantado pelos personagens fofinhos de desenho infantil, dando uma risadinha ou outra devido a uma piada ou situação, no fundo, você vai sentir  um constante desconforto, porque apesar de ser ficção e ter uma estética fofa, toda a narrativa é muito concreta. É como se você pegasse a vida de alguém e transformasse em desenho. Aggretsuko é de certa forma uma deturpação dos desenhos infantis, ele não quer te levar pra um mundo mágico ou dar uma moral pra história, mas sim usar esses personagens animados pra que as pessoas possam rir, chorar e refletir a própria situação e a sociedade em que vivem.
               No mundo do desenho não existem humanos, todos os personagens são animais antropomórficos e cada um desses animais acabam representando, de certa forma, um tipo de personalidade, como se a figura dos animais fossem alegorias para o comportamento de cada indivíduo (algumas obvias, outras nem tanto). Por exemplo, o chefe de Retsuko é um porco que explora os empregados e só quer saber de si próprio, assim como a outra superior que é uma cobra e vive sobrecarregando os funcionários. Por outro lado, as mulheres que ela admira dentro da empresa são representadas por uma gorila e uma pássaro, como se fossem exemplos de força e beleza. As vezes parece que estamos vendo o desenho pelos olhos de Retsuko, e os animais são como a panda, inocente, solitária e sonhadora, acaba enxergando os outros de acordo com a personalidade de cada um.


Crescer é traumático

               Uma coisa bem curiosa é que ao assistir o desenho vamos percebendo que, embora ele seja muito baseado na cultura japonesa, nem por isso se torna menos relevante para nossa cultura ocidental. É claro que em alguns pontos podem não fazer muito sentido pra nosso estilo de vida, mas como um todo os dramas dos jovens adultos acabam sendo bem semelhantes tanto no Japão quanto aqui.
               Toda a trama gira em torno de Retsuko e seus constantes conflitos com a vida adulta. No início, vamos conhecer um pouco da sua rotina, da sua vida no trabalho e da importância do karaokê como amenizador de suas pressões. Conforme a trama avança vamos vendo pequenas atitudes da protagonista para buscar uma mudança, porém, é interessante perceber o cuidado do roteiro em mostrar as coisas de uma perspectiva bem pé no chão e não forçar situações felizes só pra que tudo dê certo, afinal todas as ações acabam tendo reações, e nem sempre são positivas. Assim, muito de Aggretsuko está baseado em expectativas, porque apesar estarmos sempre torcendo pela personagem, nós sabemos que o sistema é foda e as coisas nunca são simples. Nós torcemos pra que ela tome uma atitude em relação a uma questão ao mesmo tempo em que sabemos que aquela ação pode tornar as coisas piores, apesar de ser necessária. E assim por diante. Por trás do desenho fofinhos e um humor peculiar, existe um conteúdo bem interessante, que consegue ser melhor do que muitas outras produções que tratam do mesmo tema de uma maneira “mais séria”.
               Apesar de diversos assuntos permearem a história do início ao fim, vamos perceber que a cada capítulo a série enfoca um tema diferente. Dentre os tópicos trabalhados, vamos ver alguns como abuso dos superiores no ambiente de trabalho, machismo, o diferente tratamento que mulheres e homens recebem, a falta de cooperação entre colegas de trabalho e a constante guerra em que um tenta se dar melhor que o outro, a dificuldade em reportar abusos e as consequências disso, etc. Fora do ambiente corporativo também existirão questões envolvendo relacionamento, como a pressão para casar (principalmente no que diz respeito a mulher), a falsa realidade das redes sociais onde todo mundo é feliz, dando a constante sensação de que você está atrás dos seus amigos no quesito felicidade, padrões de beleza e a constante busca pelo corpo ideal (afinal ninguém vai te querer se você não for igual as pessoas da revista/internet). Além desses, outros temas vão surgir pra mostrar pro expectador que as coisas não estão fáceis nem pros animais.
               Enfim, apesar de Aggretusko tratar de temas densos e complexos, ele passa tudo de uma maneira bem leve, divertida e sem precisar ser muito autoexplicativo, entretanto mesmo sendo um bom entretenimento, ele ainda te deixa com aquele gostinho amargo na boca. Você se diverte assistindo, mas nem por isso fica indiferente com aquilo que a série quer passar.


E ai, bora pro karaokê?

            Aggretsuko foi uma dessas produções que acabei encontrando sem querer enquanto passeava pelo Netflix. Eu não tinha noção nenhuma do desenho quando comecei a ver, a única coisa que eu sabia era que se tratava de um bichinho fofinho que cantava death metal, uma descrição suficiente pra me chamar atenção. Quando comecei a assistir, porém, logo percebi que era mais interessante que isso, afinal o death metal é apenas um detalhe divertido no meio de tantas discussões importantes.
               Uma coisa bastante curiosa na série é que, apesar de ser um desenho pro publico adulto, em nenhum momento ele esconde as influências “infantis” dele, algo muito diferente dos desenhos feitos especificamente pro público mais velho, que acabam apelando pra violência, sexo e narrativas mais pesadas. Eu acredito que seja um desenho que possa ser visto por todas as idades, apesar de dialogar muito melhor com um público específico. Acho que pessoas mais novas (e mais velhas) também conseguem extrair algo sem parecer direcionado exclusivamente para um único publico.
               Enfim, assistam Aggretsuko e depois venham conversar com a gente sobre esse desenho que  discute nossa miséria de um jeito fofo.

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