Se você está nesse blog, e não caiu
aqui sem querer, é porque você é uma pessoa tão perturbada quanto nós e,
provavelmente, já se deparou com a maldade em seus mais diversos aspectos. Mas
eu pergunto pra você, caro leitor do Café, de onde vem a maldade?
Sim, eu sei que é uma pergunta difícil,
mas ela é necessária. Você pode pensar que é uma conseqüência social ou até
mesmo acreditar que algumas pessoas já nascem com predisposição a maldade, mas
guarde seus argumentos e logo logo discutimos, vamos conversas sobre essa linda
garotinha de 8 anos primeiro.
“A diretora ficou em silêncio
alguns momentos e então falou que em vários aspectos o psiquiatra considerava
Rhoda a criança mais precoce que já vira; seu jeito calculista, astuto e maduro
era, de fato, notável; ela não tinha nenhuma das culpas e dos medos comuns na
infância; e, era claro, não tinha qualquer capacidade de afeto, preocupando-se
somente consigo mesma. Mas talvez o traço mais notável nela fosse a sua
inesgotável cobiça. Ela era uma fascinante espécie de animalzinho que não
aceitava ser domado, que não aceitava se ajustar aos padrões convencionais...”
Titulo original: Bad
Seed
Autor: William
March
Ano: 1954
Editora: DarkSide Books
Paginas: 272
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Christine Penmark é uma
dona de casa que se mudou há pouco tempo para um apartamento em Baltimore com
seu marido e sua filha. Apesar da ausência do marido durante certos períodos,
devido a viagens de trabalho, ela tem uma vida feliz. Sua filha Rhoda, mesmo
sendo diferente de todas as outras crianças, por sua maturidade, organização e
disciplina, é uma menina doce que arranca elogios de todos que a conhecem - uma
menina perfeita, alguns diriam. Mesmo não tendo parentes na cidade, ela faz
grande amizade com os vizinhos, principalmente Monica Breedlove, uma senhora
com grande influência na cidade, que a ajuda sempre que necessário.
Após uma excursão do colégio acabar
em tragédia, Christine começa a suspeitar que a própria filha é a responsável
pelo incidente. A indiferença e o comportamento evasivo de Rhoda a deixa cada
vez mais intrigada, fazendo com que ela inicie uma investigação não apenas
para esclarecer os acontecimentos do
passeio, mas também para tentar entender a estranha personalidade da filha.
Mas ela
não é uma garotinha adorável?
O livro de William March, mesmo
escrito em terceira pessoa, conta a história a partir do ponto de vista da mãe
(em sua maioria). Isso, na minha opinião, é a coisa mais interessante do livro,
pois ele deixa de ser apenas um livro sobre uma psicopata mirim, em que o foco
do livro é esfregar mortes na cara do leitor assim como um filme slasher,
e passa a ser um angustiante suspense psicológico em que mostra o crescente
conflito interno pelo qual Christine está passando.
Nas primeiras páginas da trama, se
não conhecêssemos a sinopse e nem o título do livro, pensaríamos em Rhoda como
a filha dos sonhos, afinal, com 8 anos, além da sua aparência encantadora, ela
já se mostra muito mais responsável, organizada e determinada do que as outras
crianças. Mas logo vamos percebendo que ela não é tão inocente quanto aparenta,
na verdade, ela é bem observadora e faz comentários bem ácidos sobre os outros,
sendo talvez a ganância sua característica mais evidente.
Uma crítica evidente no livro é a
crítica à reação dos adultos, principalmente dos pais e conhecidos, diante as
atitudes da criança. Enquanto nós, como leitores, logo percebemos que há algo
errado com Rhoda, seja pela maneira que ela fala em alguns momentos ou pela sua
cobiça, os adultos próximos a ela minimizam suas ações e tratam como se fosse
algo inofensivo e bonitinho. Isso reflete bem as atitudes de alguns familiares
que nunca vêem defeitos em seus filhos, e quando os pequenos fazem algo errado
eles dão risada ou tentam justificar transformando aquela atitude errada em uma
qualidade. Assim como a cobiça de Rhoda é tida como determinação e suas falas,
por mais maldosas que sejam, são fofas e
inocentes.
Christine sempre viu Rhoda como uma
criança diferente das outras, mas isso era tido como algo positivo, ainda que
outras pessoas alertassem sobre ter algo de errado com sua filha. Assim, quando
ocorre determinado evento trágico, o imaginário que a mãe tem da filha começa a
ser desconstruído. Aquela criança que ela jurava conhecer tão bem talvez não
fosse tão inocente quanto pensava.
A trama vai tratar do desespero
dessa mãe que começa a desconfiar que a própria filha é uma assassina, e
passa a prestar mais atenção em seus
atos e a relembrar eventos passados que na época não deu a devida importância.
O livro vai ganhando complexidade na medida em que a mãe vai lidando com
diversos dilemas durante a narrativa e questione até mesmo o seu papel de mãe.
O interessante nesse sentido é que
sua posição impede que ela tome algumas atitudes, já que ao mesmo tempo que ela
quer tomar alguma decisão, o seu lado materno não quer prejudicar a filha.
A
origem do mal
Uma questão que vai acompanhar a
protagonista durante boa parte da historia é a origem do mal. Será que a
maldade é interna ou externa ao indivíduo?
O mal já nasce com a pessoa ou é uma conseqüência social? Será que a
maldade é hereditária? Será que minha filha é assim por minha culpa?
Através da atitude dos personagens,
o autor, vai trabalhar esse tema mesmo nos momentos mais simples e que parecem
não promover nenhuma discussão. Ao longo da historia vamos ver manifestações de
maldade partindo de pessoas diferentes, sejam daquelas que sempre pareceram boas
ou aquelas que desde o início se mostraram hostis.
O livro aborda essa dualidade entre
hereditário e social de uma maneira bem singular. Ao mesmo tempo em que as
discussões entre os personagens fortaleçam uma teoria, os acontecimentos do
livro vão levar o leitor a acreditar na outra, mostrando que a maldade é
relativa e que não é possível chegar a uma resposta concreta. Apesar de
acreditarmos que a maldade de uma pessoa é consequência do meio, não podemos
afirmar com base apenas no que conhecemos dela – teríamos que fazer uma analise
da sua vida como uma todo, como é o caso do zelador que aparece no livro,
Leroy.
Pelo contato que temos com ele,
sabemos que ele é uma pessoa amargurada e cheia de raiva, e tudo nos leva a
crer que isso é consequência de sua posição social, entretanto não podemos
afirmar isso com certeza. Assim como a própria vizinha, que é uma senhora
amável, mas que em certo ponto da história toma algumas atitudes não muito
corretas.
Independentemente da resposta, se a
maldade é social ou hereditária, notamos que ela se manifesta de diversas
maneiras e por diversos motivos, e que, às vezes, a diferença entra a maldade
de uma pessoa e a de outra se diferencia apenas pela coragem de agir. Assim
como o fato de que algumas atitudes, apesar de não serem corretas, são
aceitáveis dependendo do seu nível e posição social.
Tara
maldita
Menina má tem uma adaptação cinematográfica feita em 1956. Apesar do nome duvidoso que recebeu no Brasil, Bad
seed é um bom filme de suspense que recebeu algumas indicações ao Oscar e
ao Globo de Ouro, sobretudo pelas atuações. Quanto à historia, o filme tem
algumas mudanças em relação ao livro, principalmente quanto aos personagens
(alguns não existem, outros tem uma maior participação, etc.), mas em linhas
gerais a trama é bem fiel ao original.
Apesar disso, como é normal
acontecer em adaptações cinematográficas, mesmo com todas as cenas acontecendo
de maneira bem semelhante, muito da questão psicológica da protagonista se
perde. Apesar de ser visível a preocupação da mãe, ela não tem a profundidade
que o livro carrega, o desespero é muito menos trabalhado.
No livro, o constante
desenvolvimento da angustia da mãe justifica as suas ações e tudo fica mais
claro pro leitor, bem como o seu comportamento que muda bastante ao longo do
livro. Já no filme, o desespero da mãe é algo aparente mas superficial, tanto
que algumas das ações importantes na trama, como as cartas que ela escreve, são
deixadas de fora.
Uma coisa que não posso deixar de
citar é que ambas as produções tem um final bem parecido, porém, a versão
cinematográfica, tem 10 minutos além desse desfecho. E esse final depois do
final é algo totalmente bizarro e sem sentido. Mesmo pra quem não leu o livro
fica claro que esses minutos a mais foram totalmente desnecessários, deixando a
sensação de que aquilo foi algum tipo de pressão externa para que fosse algo
mais fácil de o publico aceitar.
Resumindo: o filme é uma produção
bem bacana de suspense, mas ele acaba sendo uma versão resumida, que conta a
mesma história mas sem os detalhes que dão todo o brilho pra obra. Ele vale a
pena mas não a ponto de substituir a obra original, porque o melhor de “menina
má” não é a história de fato, mas sim o desenvolvimento, algo menos aproveitado
no filme.
O mal
em todos nós
Menina má é um livro indicado
pra qualquer um que queira uma boa história de suspense. Com uma premissa
simples o autor consegue desenvolver não apenas uma trama instigante como
também um belo estudo psicológico de personagem, em que nos interessamos mais
pela mãe da personagem do que pela própria criança.
A edição da Darkside books, que foi cedida ao Café em parceria com a editora, é
muito bonita e consegue transmitir muito bem o
conteúdo do texto. Tanto a capa quanto a arte interna apostam em um
aspecto visual que transmite inocência e “fofura”, assim como Rhoda se mostra
pras outras pessoas, entretanto, mesmo com esse impacto visual, que remete a
infância de uma garota (boneca, roupa de bolinhas, cor rosa, etc.), contudo,
sempre há algum elemento que representa uma quebra, mostrando que há algo por
trás dessa aparência. A formatação e a diagramação são boas também e seguem a
qualidade já conhecida da editora. Além disso, o livro contém também um
prefácio escrito por uma crítica literária, ele não contem ilustrações ao longo
do texto mas tem um detalhe em toda troca de capítulos. É uma edição que
entrega a mesma qualidade do texto.
Caramba Victor, que resenha fodida! Parabéns!
ResponderExcluirMeu blog
Desafio de leitura #12mesesdepoe
Livro incrível, adorei os detalhes da resenha, parabéns :))
ResponderExcluirBjs!
Valeu, Raquel!
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