Como todos
sabemos, a criminalidade é um problema social não só do Brasil mas do mundo
como um todo. Alguns acreditam que a culpa são dos pobres (pra variar), outros
dos ricos, uma parte diz que o problema é a falta de leis mais rígidas e que
até crianças de 14 anos devem ser julgadas, e uma minoria como nós acredita que
os zumbis deveriam tomar o mundo e acabar com essa racinha de merda. Mas se
você não é como nós você deve sonhar com mundo sem violência e com mais amor (e
unicórnios cor-de-rosa).
Sendo
assim, o filme que o Café escolheu pra abordar hoje
oferece uma proposta para acabar com essa violência diária que tanto nos
assusta. Entretanto, o mundo não é lindo nem cor-de-rosa. Tudo vem com um
preço, talvez você esteja disposto a pagar, mas será que todos estão?
Liberte
toda sua raiva, toda sua insatisfação e venha participar do expurgo...
The Purge
Sem luxo sem vida
Título original: The purge
Lançamento:
2013 (EUA)
Duração:
85 minutos
Direção:
James DeMonaco
Violência contra a violência
Como forma
de combater a criminalidade, o governo sancionou um período de 12h a cada ano
no qual todo tipo de violência é aceita e estimulada. Durante essas 12 horas a
polícia e os hospitais suspendem ajuda, transformando o país numa zona de
guerra: cada um por si e todos contra todos.
O filme
acompanha a história de James, diretor comercial de uma empresa de segurança, e
sua família. Como tradição, todos os anos no dia do “the purge” a família se
tranca em casa com o melhor sistema de segurança do mercado e espera todo o
caos passar para voltar para a rotina.
Entretanto,
seu filho mais novo, que não compreende muito esse “feriado” bizarro e cheio de
mortes, acaba refugiando um morador de rua dentro de casa nesse dia,
despertando a fúria de algumas pessoas que o estavam caçando e transformando o
que seria uma noite calma numa noite de terror.
Expurgando
Uma
pequena observação antes de começarmos a resenha: The Purge não é um
filme trash (apesar de ser possível fazer um bem interessante com o mesmo conceito),
entretanto, ele tem uma ideia bem interessante e se enquadra na proposta do
blog. E antes que nos venham chamar de vendidos, estamos ganhando porra nenhuma
(mas bem que queríamos) por falar de um filme um pouco mais pop. Sendo assim,
senta essa bunda gorda na cadeira e leia essa merda. maravilhosa
resenha.
*
America. 2022.
A taxa de desemprego é de 1%
A criminalidade é a menor de todos os
tempos
A violência quase não existe, com uma
exceção...
Com
essas palavras atrativas o filme se inicia. Num primeiro momento queremos logo
saber qual é essa mágica, afinal, o filme pode ter a solução pros problemas do
mundo e nós não sabemos. Acabar com a criminalidade e com o desemprego é um
sonho para alguns países (para outros nem tanto, como muitos de nós já
sabemos).
Bom, mas
como nem tudo é perfeito. Após esse breve momento de esperança já somos
expostos a diversas cenas de violência gravadas por câmeras de segurança. Ai
nos perguntamos: essa porra ai não era pra acabar com a violência?
A trama de
fato começa com nosso protagonista James voltando pra casa e comemorando o
sucesso de vendas, afinal, ele trabalha em uma empresa de segurança que oferece
os melhores equipamentos para as pessoas se protegerem durante o expurgo. Até
este momento não temos noção clara do
que é esse evento, porém é interessante notar que as pessoas o tratam como se
ele fosse um mero feriado: na rádio expõem-se as opiniões das pessoas,
pergunta-se o que elas farão durante, etc. Os vizinhos desejam uma boa noite um
pro outro, as pessoas colocam flores azuis na porta de casa para mostrar que
apoiam, alguns fazem festas, etc.
Apesar da
aparência de família americana feliz, percebemos alguns conflitos internos na
realidade de James: sua filha namora um cara mais velho que ele não aceita, seu
filho mais novo não compreende (nem aceita) muito bem esse “feriado”, sentimos
sua esposa não se sente bem com “o expurgo”, contudo acaba se convencendo de
que aquilo é bom. Além disso, ele mesmo se mostra cego a todo o problema do
expurgo.
Chegada a
hora do expurgo a família se reúne, aciona os sistemas de segurança e se
prepara pra uma noite tranquila dentro de casa enquanto o mundo explode do lado
de fora. Tudo prossegue como o esperado, até que, o filho, confuso com toda a
situação, ao ver um sem teto pedindo ajuda pela câmera de segurança, decide
abrir as portas e refugiá-lo.
Bem-vindos à nova América
“Abençoados sejam os novos fundadores por
deixarem expurgar e purificar nossas almas.
Abençoada seja a América, uma nação
renascida”
Vamos
refletir um pouco sobre o The Purge. Como forma de diminuir a violência,
o Estado decreta 12h anuais nas quais todo o tipo de crime é permitido, ou
seja, um período em que a sociedade pode se expurgar, liberar sua raiva contra
quem quer que seja: matar o chefe, o marido, a vaca que copiou seu corte de
cabelo, esses jovens subversivos que escrevem um blog sobre filmes ruins,
enfim, quem você quiser. Durante esse período tanto a polícia quanto os
hospitais suspendem serviço; cada um por si e todos contra todos. E, por
incrível que pareça, essa atitude louca “dá certo”: a violência diminuiu, a
taxa de desemprego caiu, as pessoas se sentem mais seguras, etc. Mais ainda,
ela nos mostra que o homem é um ser violento por natureza, ou seja, por mais
“civilizado” que você se mostre, no estado de natureza, você não passa de um
animal. E assim como no mundo animal, nossa presa é sempre o mais fraco.
Em algum
momento você deve ter pensado, mas qual o problema? O país ta indo bem assim e
se não quiser participar do feriado é só se trancar em casa ou viajar pra outro
lugar que você estará seguro. Não, não é bem assim. No filme acompanhamos uma
família rica que tem tudo a disposição, agora pensemos em quem não tem
condições pra pagar um sistema de segurança, ou quem não tem nem mesmo uma
casa, você acha que a queda da criminalidade foi só porque as pessoas ficaram
mais aliviadas depois de extravasar a raiva? Porque você acha que também houve
uma queda no desemprego?
O “the
purge” é sonho dos reaças mais fervorosos, pois o evento não passa de uma
limpeza social. O fim da violência e do desemprego está diretamente ligado a
isso: ao matar a parcela mais pobre da população, elimina-se boa parte dos
problemas causados pela incompetência do governo. Porque investir em educação,
emprego e condições sociais pra melhorar a qualidade de vida e dar dignidade
pros mais pobres se podemos simplesmente exterminá-los?
Essa é a
maior critica do filme, e muitas vezes ele nos faz pensar se nós já não estamos
caminhando nessa direção. Mais e mais gastamos com segurança e nos refugiamos
em nossos lares enquanto jovens colocam fogo em moradores de rua, acontecem
incêndios misteriosos em favelas, algumas pessoas entram no carro da polícia e
somem misteriosamente...
Por isso,
“o expurgo” é um feriado para ricos, no qual resumem em 12h legitimadas toda a
violência que algumas pessoas sofrem diariamente, é uma forma de eliminar o
problema de uma vez e não aos poucos. Inclusive, boa parte da população se
mostra indiferente, aceitando todas as justificativas sobre o quão bem aquilo
faz para a sociedade, mas sempre ignorando (ou não tendo acesso) a opinião dos
que mais sofrem com isso.
A sensibilidade que perdemos
A pessoa
mais sensata no filme é um garoto com cerca de 15 anos: ele não consegue se
mostrar indiferente ao que está acontecendo do lado de fora, diferentemente do
seu pai que está olhando o barco que vai comprar enquanto alguém grita por
ajuda do lado de fora.
A sociedade
como um todo perdeu a compaixão pelo próximo. A única morte que nos afeta são
aquelas de pessoas próximas, de resto, tratamos apenas como números a menos, e
dependendo caso, nem vemos como perdas, mas sim como ganhos. Ou vai falar que
nunca viu gente comemorando quando acontece algum massacre em presídios ou algo
do tipo? Esse é exatamente o mesmo tipo de pessoa que iria pras ruas no dia do
expurgo matar aqueles que “estão abaixo da cadeia alimentar” e logo depois
diria que é para o bem social.
O filme
joga em nossa cara o tanto que banalizamos a violência. Um detalhe que achei
bem interessante é que os próprios telejornais do filme exibem cenas de pessoas
mortas, sendo espancadas, etc. Pode parecer estranho, porém não é algo
impossível. Estamos sendo bombardeados com notícias sobre assassinatos 24h por
dia, e apresentadores como Datena se popularizam cada vez mais. Quando paramos
pra pensar pode ser estranho, mas nós geralmente almoçamos/jantamos escutando
notícias cada vez piores, como se estivéssemos vendo um filme qualquer, melhor
dizendo, a violência é um mercado em expansão e nós demandamos. O filme não é
tão absurdo assim...
Não sabe brincar, não desce pro play
Voltando
à história.
No mesmo
momento que o morador de rua entra na casa, o namorado da filha aparece para
acertar as contas com James por não aceitar o namoro de ambos. Não bastando um
pobre dentro de casa também teriam que lidar com um adolescente apaixonado e
destrutivo de 18 anos.
Mas como dizem por aí, a noite é uma
criança, e ela está apenas começando. Um grupo de mascarados aparece na porta
exigindo que a família entregue o morador de rua, pois eles o estavam caçando.
Sabe criança mimada que não aceita perder? Então. Caso a família não entregue o
grupo ira entrar na casa e matar todos. O discurso do jovem serve para
exemplificar o que discuti logo acima, pois além de ser branco, loiro e magro,
ele se mostra educado e político, e diz que são apenas jovens exercendo o
direito e dever, afinal estão limpando o país, e que o homem que eles perseguem
é apenas um porco, o lixo da sociedade, que matou um dos seus amigos. E que é
melhor devolvê-lo, vivo, por que eles querem apenas o indigente, e não machucar
a família, pois são iguais. Ou seja, para muita gente, a questão das mortes
estão diretamente ligadas a questão de classes sociais.
É importante notar as contradições,
típicas de nossa sociedade, expostas em alguns diálogos. O líder dos mascarados
se mostra inconformado com a audácia de um morador de rua ao matar um de seus
companheiros enquanto eles o caçavam. Sim, nós do Café também achamos. Que
absurdo é esse? É obvio que o morador de rua tem que deixar esses jovens
lindos, bondosos e bem-criados matá-lo. Onde já se viu pobre ter direitos?
O filme brinca com isso e em diversos
momentos vemos a questão do direito ser problematizada. Todavia, se observarmos
bem esse direito só é aplicado a alguns, até parece um certo lugar que eu
conheço. Todos aceitam o direito quando lhes é conveniente, posso estreitar
minhas armas novas contra essa gente diferenciada, mas a partir do momento em que
eles começam a nos agredir a história muda. Como diz o próprio James: “Coisas
assim não deveriam acontecer no nosso bairro”. Aquela mesma coisa da morte de
um jovem nos Jardins e um massacre em alguma favela: lá pode, aqui não.
A partir desse momento temos tanto uma
inversão de papeis, conforme a família que tem o melhor sistema de segurança
começa a se sentir insegura, quanto o despertar de um senso critico e moral:
preciso entregar o homem pra eles mas se entregar vou sujar minhas mãos de
sangue – o que fazer?
Assim como na vida, ninguém se importa
com o outro, mas ninguém quer sujar as mãos.
O verdadeiro perigo
A partir dessa premissa o filme se
desenrola com algum suspense, alguns tiros, alguns mascarados fazendo pressão,
etc. A resenha já está longa e não tem o porque eu me estender nisso,
entretanto, precisarei dar alguns spoilers para refletir sobre alguns assuntos
tratados. Então se pretende ver o filme e não curte spoilers, pule para o
próximo tópico.
Depois de todo o desenrolar, quando
finalmente os mascarados entram na casa um grupo de pessoas aparecem para
salvar a família, tudo parece bem até que... descobrimos que esse grupo não
está ali para salvá-los, pelo contrário. Sim, a família feliz americana não
está tão protegida assim, e adivinha quem é o grupo? Isso mesmo, seus vizinhos.
Tanto isso quanto a questão das mascaras
mostram que estamos em um mundo onde ninguém conhece ninguém e não sabemos em
quem confiar. Os próprios vizinhos que te levam cookies ou que vão janta na sua
casa podem estar querendo te matar sem você nem mesmo imaginar. Do mesmo modo
os jovens de mascaras, eles podem ser qualquer um, podem ser um amigo de
colégio de alguns dos filhos, entretanto no fundo, no momento em que as pessoas
ganham liberdades, todos esses sentimentos reprimidos acabam se extravasando.
Os vizinhos querem matar a família
simplesmente por inveja (ou recalque, como preferir), pois James vendeu
sistemas de segurança pra todo o bairro e com esse dinheiro reformou a casa,
sendo interpretado como exibicionismo pelos outros. Já os jovens mascarados
decidem matar a família por mimo, não quer me dar então te mato (sabe quando
você ta no shopping e a criança deita no chão e começa espernear falando que se
não comprarem o brinquedo que ela quer ela vai se matar? Então, tipo isso).
Resumindo, as pessoas querem te foder sem
nem dar um beijinho antes.
Sabe o mais irônico de tudo? Que a
família, desde o inicio teme os pobres, os baderneiros, entre outros, contudo,
quem causa problemas são as pessoas do mesmo grupo social, e, assim como na
vida, no fim, quem salva a bunda dos branquelos é justamente aquele que foi
injustiçado, discriminado e agredido pelos mesmos, o pobre.
Quando for presidente,
posso criar uma lei que permita matar todo mundo?
Como
vimos no decorrer da resenha, não amiguinhos, todos sabemos que o crime não
compensa e que o expurgo só vai foder ainda mais quem já ta fodido, e quem
merece ser fodido, bem....
Quanto a ver o filme, sim. Juro que não
entendi muito bem em que se fundamentam às milhares de criticas negativas sobre
ele. Compreendo que poderia ser melhor, porém ele é muito competente no que se
propõe.
Já disse isso por aqui mas sinto que as
pessoas, quando assistem filmes de terror, desligam o cérebro e não refletem
sobre o que estão assistindo, acabando por julgar negativamente só porque não
tem mortes legais ou um assassino carismático. The purge, assim como
Smiley, é o tipo de filme de terror que transmitem um outro tipo de terror.
Aquilo que está na tela é facilmente superado por milhares de outros filmes,
entretanto aquilo que está implícito, o que ele não mostra assusta muito mais
porque ele se utiliza de assassinos cinematográficos para explorar o real.
Não temos mortes sensacionais e nem mesmo
peitinhos, mas o filme entrega atuações convincentes (principalmente a do líder
dos jovens mascarados). A direção não trás nada espetacular mas não decepciona.
Se não fosse pelo roteiro e pelo tema abordado não passaria de um filme
mediano, no entanto ele acaba trabalhando muito bem a ideia oferecida.
Então caso não tenha visto ainda, pegue
sua mascara, suas armas e venha expurgar sua alma.
Trailer
Excelente resenha. 👏
ResponderExcluirTem alguma página do Instagram para acompanharmos as resenhas?