Depois de filmes
sobre cobras perniciosas, ovelhas assassinas, lobisomens, vampiros, uvas
malignas, zumbis que comem carne, zumbis que lutam kung fu e diversos outros
tipos de monstros inusitados, um grupo de formigas gigantes não parece ser
assustador para os leitores do Café com Tripas. De fato, vocês tem razão e exceto pelos efeitos especiais não
há nada na obra que seja ofensivo aos seus olhos, no entanto, os méritos de O império das formigas não estão nos aspectos que normalmente
consideramos ao analisar filmes trash, como a violência gráfica e outros
elementos; mas justamente onde menos esperaríamos, como a caracterização de
personagens e o clima, por exemplo.
Com isso, embora
esse filme seja um grande mais do mesmo dos anos oitenta (só que com formigas),
certos aspectos o tornam uma obra singular e até interessante. Claro que estou
forçando um pouco a barra para você ler o texto até o final, o filme é tão ruim
quanto vocês estão desconfiando, mas agora que já chegamos até aqui, vamos
adiante!
Lançamento: 1977 (EUA)
Duração: 89 minutos
Direção: Bert I. Gordon
O império das
formigas
A pequenez da
vida
Sendo uma obra de
baixo orçamento e pouco talento O
império das formigas tem
efeitos especiais sofríveis, péssimo roteiro, e uma trilha sonora extremamente
óbvia: nos momentos em que é preciso sentir medo soam fortes e rasgados os
violinos; nos momentos de sutileza, um jazz ambiente acompanha; na tensão um
piano grave martela as cordas e o espectador nunca tem dúvida sobre o que deve
sentir em cada cena. Não há muito espaço para pensar ou ter dúvidas, de modo
que ninguém sai do filme enganado quanto a sua qualidade. Nesse sentido ele é
um filme sincero (sinceramente ruim), no entanto, no meio disso tudo – ou seja,
no meio de atuações sofríveis, diálogos medonhos, formigas atacando maquetes –
ele oferece aos espectadores algumas coisas estranhas, digamos assim: certos
diálogos quase dão a impressão de que o filme tem um tema e o modo como os
personagens se desencontram até sugere que exista algum tipo de nexo colando as
várias cenas sem sentido. Pessoalmente, acho que se essa cola existe mesmo,
então ela não está lá muito segura e pode ser que o filme seja mesmo tão sem
nexo quanto parece; contudo, minha intenção nessa resenha será apontar para
esse tema aparente que liga o filme e os personagens e transforma O império das formigas num trash de qualidade razoável.
Sim, ainda estou forçando a barra...
Um grupo de
pessoas vai a uma ilha isolada participar de um pequeno coquetel oferecido por
uma empresa que vende lotes de terrenos, no entanto, quando chegam lá são
atacados por centenas de formigas gigantes que teriam se alimentado de
materiais radioativos.
Como vocês podem
ver, o roteiro começa com um grande clichê: uma criatura qualquer se alimenta
de radiação e, em vez de morrer de maneira lenta e agonizante, ganha
superpoderes. Já vimos isso em mais ou menos todas as histórias da DC e da
Marvel e num número considerável de filmes que pipocariam nos anos oitenta. A
explicação decepcionante pela qual as formigas crescem, porém, é irrelevante
para o roteiro e importa somente o poder dos insetos matar e aterrorizar a
humanidade.
Os personagens
conversam, deslocam-se em diferentes direções para fugir dos monstros e
confrontam as criaturas de vez em quando. Assistimos cenas risíveis em que ao
fugir os personagens tropeçam pateticamente, enquanto a câmera filma as
criaturas se aproximando de suas vítimas com olhares desesperados; noutra
sequência uma mulher prende a roupa num galho e implora pela ajuda do marido
para se libertar (porque rasgar algodão ou desabotoar uma camisa é algo de que
só um homem é capaz, pelo visto) e assim por diante, sendo que a obra como um
todo é uma grande sequencia desses acontecimentos arranjados de maneiras
diferentes.
Apesar disso,
certo clima estranho ronda as ações banais dos personagens e parece sugerir que
eles, ao agirem como agem, representariam alguma coisa, talvez a própria condição
humana. Vamos abordar isso.
A condição humana
Como tinha dito,
não sei até que ponto esse clima transmitido pela obra é intencional ou não
mas ele transparece diversas vezes na circunstância dos personagens.
A começar, o
filme não tem protagonistas propriamente, embora certos personagens ganhem mais
atenção com o tempo. No fundo, parece que aquilo que é importante na obra é
mostrar como as pessoas reagem diante de certos acontecimentos, mesmo que seja
um grupo aleatório de pessoas, cujos nomes nem nos preocupamos em aprender.
Mais ainda, todos os personagens estão num ambiente estranho (nenhum deles mora
na ilha) lidando com pessoas igualmente estranhas, cujos interesses reais eles
desconhecem. Todos estão perdidos de algum jeito, sem saber que rumo suas vidas
tomarão na vida dali por diante e tem uma perspectiva singular sobre o que é a
ilha e o que vieram fazer ali. Quando a morte, quer dizer, quando as formigas
chegarem, a confusão mental deles sobre o significado de estarem ali e do modo
como viveram até então ficará ainda maior.
Se você leu bem
esse parágrafo anterior, vai perceber que essa descrição cabe muito bem para
que descrevamos a humanidade como um todo: perdida e confusa quanto ao seu
futuro e o caminho que trilhou até aqui. O
império das formigas tem essa
aura existencial sutil, como se perguntasse: “Hei, o que diabos estamos fazendo
aqui nessa vida?” e nunca recebesse uma frase reconfortante como resposta. De
fato, a vida não é fácil e nunca responde do jeito que queremos ouvir, mas nunca
deixa de responder: no filme ela o faz fechando os personagens numa situação
cada vez mais complicada e mortal, sendo que somente com um grande esforço é
que eles conseguem escapar temporariamente disso. Nunca definitivamente. Aliás,
mesmo o final não permite que os personagens escapem de sua condição; ele não
alivia, nem elimina inteiramente o problema das formigas.
Conforme correm,
fogem, confrontam outras pessoas, formigas e situações adversas de todos os
tipos, os personagens se dão conta de que não importa o quanto corram ou se
esforcem, sempre serão pequenos e insignificantes diante da morte que os
circunda e dos males do mundo. As formigas estão sempre à frente de seus passos
e estão em toda parte, antecipando tudo o que os personagens farão e os
atacando com violência, assim, mesmo que consigam escapar agora, em algum
momento eles serão pegos. As formigas agem como uma espécie de “hora da
verdade” que pode chegar para qualquer um e te colocar diante de si mesmo e,
quanto a isso, o filme tem um mérito interessante que convém citar: mesmo
personagens que fazem escolhas morais “boas” estão sujeitos às formigas, a hora
H chega para todos e não faz julgamentos morais.
Essa consciência de sua insignificância e
infinitude faz com que certos personagens fiquem deprimidos e ressentidos,
passando a sentir culpa por suas ações e perceber que viveram suas vidas de
maneiras que talvez não fossem as melhores. É como se a sombra da morte, ao
passar bem diante dos personagens, mostrassem a eles o quão são pequenos e
ridículos em suas aspirações e escolhas mesquinhas. Com isso, vários diálogos
banais como: “Eu gostaria de ter feito isso melhor” ganham uma proporção maior
e deixam de ser apenas um problema de um roteiro mal escrito.
Devo alimentar
meu formigueiro com materiais radioativos?
Certamente não, a
menos que você ame tanto assim o cinema trash que deseja vê-lo surgir bem no
seu jardim.
Quanto ao filme,
ele tem alguns poucos méritos que não são assim tão convincentes, mas que podem
motivar um fã de cinema trash a assisti-lo. Seus efeitos especiais, por exemplo
são profundamente pobres, mas, ao mesmo tempo, bem utilizados dentro dessas
limitações. Há algumas soluções bastante criativas para filmar os monstros, que
podem ser feitas de maneiras surpreendentemente simples. Retratar um grupo de
formigas gigantes é algo que claramente requer grana. Claro, não direi que isso
é suficiente para que nós do Café indiquemos o filme, ele não merece seu tempo.
Sendo direito eu diria que, no saldo geral, O
império das formigas é apenas
um filme sofrível que talvez até agrade um ou outro saudosista, mas que vai
morrer no mais completo esquecimento. Vá com deus!
Trailer:
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