Você teve
(ou ainda tem) um amigo imaginário quando era criança? Ele te pedia pra fazer
coisas que seus pais desaprovavam? Mesmo quando ele te pedia pra fazer algo que
você sabia que era errado, você acabava fazendo porque se não ele ia ficar
bravo? Pois então, amiguinho, tenho que te falar uma coisa: seu amiguinho
imaginário não é totalmente imaginário, ele existe, eles está dentro de você,
só esperando o momento certo para tomar o controle...
Pinóquio – O perverso
O Pinóquio que há dentro de nós
Lançamento: 1996
(EUA)
Duração: 96
minutos
Direção: Kevin
Tenney
A menina e o seu boneco de madeira
Após ganhar, por engano, um brinquedo
feito por um homem condenado a cadeira elétrica, a jovem Zoe passa a ter uma
relação de amizade com o novo brinquedo que, aos poucos, vai mostrando ser mais
do que um simples boneco.
O assassino e o boneco
O filme
começa com um homem sendo preso durante uma noite chuvosa: ele estava em uma
área proibida enterrando seu próprio filho. Na investigação da cena a policia
encontra um boneco de madeira enterrado, feito pelo próprio “assassino” como
presente para o filho, assim, com o flagrante, outros assassinatos de crianças
acabam sendo atribuídos a ele e piorando sua situação jurídica. Tempos depois,
o suspeito assume a culpa e é condenado a fritar na cadeira elétrica embora sua
advogada, Jennifer, estivesse cada vez mais convencida de que ele não era o
verdadeiro assassino.
Alguns dias
após sua morte, no aniversario de sua filha Zoe, a moça acaba levando o boneco
para casa e, sem querer, sua filha pega o boneco achando que era um presente.
Em pouco tempo, Zoe começa a criar um vinculo com o brinquedo de madeira e
coisas estranhas começam a ocorrer em torno do Pinóquio.
Sou o Pinóquio, mas não minto
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Gepeto era
um homem que sonhava em ter um filho, mas que por algum motivo não pode ter, BROXA.
Então ele como era carpinteiro teve a idéia de fazer um menino de madeira. Ele
fez um pedido e alguma fada madrinha transformou seu sonho em realidade (Enfim,
não perguntem exatamente como foi porque não lembro). Gepeto finalmente tinha
um filho, era de madeira mas tinha vida. Entretanto, Pinóquio não era um menino
totalmente feliz, afinal ele era de madeira enquanto todos os outros eram de
carne e osso.
Pinóquio
era um menino muito curioso, talvez pelo fato de ter pulado uma etapa de sua
vida, e mesmo sua consciência (representada por um grilo) muitas vezes dizendo
que o que ele estava fazendo era errado, ele sempre acabava sendo convencido
pela raposa a fazer coisas que seriam mais divertidas que estudar. Enfim,
depois entra a história dele ser preso, do nariz crescer e blábláblá, mas já
temos o suficiente para iniciar a discussão do filme.
Todos já sabem
que o tema escolhido pra semana é “nosso lado negro”, então fazendo uma pequena
análise do Pinóquio, ele é um menino de madeira logo ele não é de carne e osso,
ele não tem cérebro, ele não tem sistemas nervosos, acho que você já entendeu
onde quero chegar. O Pinóquio por mais que ele ande e fale no desenho, ele não
passa de um brinquedo de madeira, tanto que até mesmo a sua consciência não faz
parte dele, o Pinóquio de certo modo é como se fosse uma marionete, ele só é
real porque existem elementos exteriores a eles que o tornam real (alguém que o
criou, um ser que fica dizendo o que deve fazer, etc.). Tendo isso em mente já
podemos voltar para o filme.
Bom, para pensar melhor sobre o filme
terei que lançar alguns spoilers, mas o filme acaba sendo tão obvio que nem
podemos considerar como tal.
Zoe é uma garota que acabou de passar
pelo divorcio dos pais e ainda sofre bullying de uma garota na escola. Mesmo
tendo algumas amigas ela se sente só, afinal o pai está longe, sua mãe vive
trabalhando e divide o tempo entre a garotinha e seu novo namorado e na escola
acaba sendo reprimida por algumas outras colegas. Quando ganha o brinquedo,
assim como Gepeto, ela deseja que ele ganhe vida para fazer companhia para ela.
E sabe aquela frase bem piegas: “Se você acreditar em algo aquilo se torna
real”? Então...
Pinóquio acaba se tornando uma extensão
da própria garota, do mesmo modo que o menino de madeira tinha um grilo para
agir como sua consciência e uma raposa para levá-lo para lugares proibidos,
porem mais interessantes, a menina passa a ser a consciência e o Pinóquio uma
forma de libertar tudo aquilo que estava preso dentro dela, mas que ela não
podia fazer por ela mesmo devido aos valores sociais com o qual ela cresceu.
O bom, o mau e o boneco de madeira

Na resenha
de “Natal Sangrento” eu falei um pouco sobre os conceitos de Freud e
Jung, e os mesmos conceitos trabalhados lá podem ser utilizados aqui, se você
não leu vou dar uma breve retomada:
“Falando de maneira breve, Freud separa o
sistema psíquico em três partes. O id, o Ego e o Super Ego. O id seria a parte
na qual existem os instintos básicos, aqueles que não possuem juízo de valor,
ou seja, seria o instinto, o inconsciente, a busca de satisfação sem se
preocupar com as consequências. O Ego seria a “organização do id”, o id
modificado pelo mundo externo, o qual equilibra os instintos primitivos do id e
a realidade. O Ego busca satisfazer o id de modo realista, trazer alivio a
longo prazo e não apenas os impulsos. Já o Super-ego seria o oposto do id,
enquanto o id busca a auto-satisfação o Super-ego preocupa-se em agir de forma
socialmente correta, o sentido de certo, errado e culpa. Além desses três
podemos pensar em outro conceito, estudado por Jung, que se aplica ao
personagem do filme, o Alter-ego, que seria um “outro eu” dentro da mesma
pessoa.”
Bom, não entendo dessa área então não me
julguem se estiver errado. O Pinóquio por si só seria o Id, ou seja, um ser
vazio que sua vida se basearia apenas em instintos se não tivesse influencias
externas. O seu grilo representa o Super-ego, pois ele faz tudo para que o
Pinóquio se comporte conforme as regras sociais estabelecidas. Já a raposa
seria seu ego, ou seja, ela influencia o boneco de madeira a fazer coisas
erradas para que se satisfaça seus desejos determinados pelo meio em que vive.
Já a Zoe a mesma coisa, ela sem as influencias externas seria o id, comeria,
cagaria e faria as coisas por puro instinto. Já a educação que recebeu dos
pais, da escola e da sociedade seria seu super-ego, pois fazem com que ela se
comporte como as convenções sócias sugerem. E os seus outros desejos que fogem
da norma de comportamento social seria o Ego, pois seria uma forma de resolver
seus problemas a longo prazo, como por exemplo matar o namorado da sua mãe para
que ela tenha mais tempo pra filha, ou fazer com que a colega de sala que te
inferniza sofra um acidente e pare de ir a escola.
O grilo e a raposa
Zoe, assim como o Pinóquio do desenho, é
uma criança que não compreende o mundo ao seu redor. As coisas simplesmente
ocorrem em torno dela e ela não sabe como lidar e quando acha que sabe, todos a
julgam. Por exemplo, em certo momento do filme ela morde a orelha da colega que
fica infernizando sua vida e ainda leva bronca da sua mãe por isso. Algumas
convenções sociais podem parecer injustas para uma criança, “Ela pode me empurrar,
rasgar meus convites, mas não posso dar o troco?”, “Por que todos os meus
colegas de escola são de carne e osso e eu sou de madeira”. Ela sabe que não se
deve machucar o próximo, mas se alguém a machuca por que ela não pode fazer o
mesmo? Por mais que tente explicar, algumas respostas só vem com a idade... ou
não.

Tanto o Pinóquio (ou seu grilo) quando a
garota sabem diferenciar bem e mal, mas o mundo não é feito apenas de dois
lados, não é mesmo?
Zoe é uma garotinha bonitinha e fofa, ela
é ingênua e não oferece perigo para sociedade, entretanto não podemos falar o
mesmo de seu “lado negro”. Ela é alguém que, devido aos valores sociais com que
cresceu, é incapaz de fazer certas coisas, sendo assim, passa todos aqueles
sentimentos ruins que estavam presos dentro de si para o boneco, criando de
certa forma o seu lado negro.
Ela é como o Pinóquio, do mesmo modo que
o boneco de madeira dos desenhos que ela assiste é um ser “vazio” por dentro,
sua consciência (o grilo) e seu desejo de fazer coisas erradas (raposa), são
externas a ele, Zoe também é assim de certo modo. Calma, não digo que ela é de
madeira e que não pense, mas ela não sabe balancear os sentimentos bons e ruins
dentro dela, todas as suas referencias são externas. Sendo assim do mesmo modo
que o brinquedo tem a raposa e o grilo, ela tem os valores e o boneco de
madeira, cada um representando um lado seu.
Zoe, apesar de se exaltar vez ou outra em
momentos de raiva, conseguia controlar sua vontade de fazer coisas ruins,
entretanto quando ela ganha o brinquedo surge o alter-ego na história. Tanto é
assim que é interessante notar que em certo momento do filme Zoe fala que
Pinóquio pediu para ela cortas as suas cordas de marionete, como se ela estivesse
libertando de uma vez tudo aquilo que estava preso.
Nosso Pinóquio interior
Falei do
Pinóquio, da Zoe, mas não vai pensando que você é especial não porque como você
sabe, tirando nós do Café que somos perfeitos, todo o
resto da humanidade são tão defeituosos quanto personagens de filmes b.
Não
precisamos ser gênios da psicologia pra saber que todo mundo tem o seu lado
negro. Sabe aquele conflito interno que você tem todos os dias quando está
morrendo de vontade de empurrar aquela pessoa folgada no trilho do metro? Então...
Na maioria
dos casos, em nós, pessoas normais (ok, nem tanto assim) o nosso Super-ego
consegue controlar nossa vontade de quebrar todas regras da sociedade. Para
algumas pessoas (e em alguns casos para nós mesmos) não é tão simples assim. Viver
em sociedade não é fácil, lidar com algumas pessoas podem fazer com que
todos os nossos desejos mais sórdidos subam a cabeça, entretanto precisamos
seguir algumas regras, e elas nos impedem de matar algumas pessoas, mesmo que
elas mereçam, mas temos que amar uns aos outro porque as pessoas são lindas
e maravilhosas.
Apesar de
na resenha toda tratar desse lado negro como uma explosão do personagem em
relação ao mundo, esse nosso lado pode ser algo muito mais sutil. Podem ser
nossos pequenos pecados diárias que em muitos casos nem percebemos que são
“manifestações sombrias”, como por exemplo o preconceito, sei que todos nós
dizemos ser totalmente livres de preconceitos e blábláblá, entretanto se
pararmos pra prestar atenção em nosso comportamento veremos que fazemos muitas
coisas que não deveríamos.
Não quero
me estender muito (mentira, estou com preguiça mesmo), mas uma das principais
discussões que podemos tirar do filme é que no fundo somos todos pinóquios, ou
seja, todos nós temos nosso grilo e nossa raposa mas que muitas vezes acabamos
aceitando o caminho errado para conseguirmos atingir aquilo que queremos, e
nossos desejos, na maioria das vezes, não leva em conta o próximo e sim apenas
você mesmo. Zoe fez sua colega de escola ser atropelada e matou o namorado de
sua mãe, ela tem culpa sim, entretanto, mesmo quando chegamos no final do filme
não conseguimos sentir raiva dela, porque de certo modo não é ela que está
agindo, ela não fez aquilo por querer, foi o boneco. Claro que é um filme e não
temos desculpas pra matar alguém e jogar a culpa no boneco, mas assim como ela
acabou fazendo coisas que não queria por culpa de tudo aquilo que ela estava
passando, nós também deixamos nosso lado mal se libertar diariamente.
Devo roubar o boneco de um assassino e
culpá-lo de todos os meus podres?
Não caro
aproveitador de bonecos indefesos, temos que arcar com a conseqüência de nossos
atos.
Pinocchio’s
Revenge é um filme bacana, mas que não trás nada muito inovador, diferente de
filmes como “Child’s Play” não sentimos vida no boneco, algo que o torna bem
previsível, depois de pouquíssimas cenas eu já tive certeza que o boneco não
era o responsável direto por tudo aquilo que estava ocorrendo. Ele pode ter
culpa sim, em alguns momentos dá a entender que ele influenciava as crianças a
fazer aquilo e tal, tanto que o filho do assassino era fissurado no
brinquedo assim como Zoe, talvez você possa ter essa visão ao ver o filme, mas
eu não compro essa idéia; pra mim a culpa está nas coisas que ocorriam em torno
da garota (divorcio, bullying, solidão), o boneco foi só uma forma dela criar
uma vida para seu lado “mal”.
É um filme
relativamente parado, classificaria ele muito mais como suspense do que como
terror, não temos grandes acontecimentos e nem mesmo cenas boas de mortes (mas
temos peitinhos e pepeka em uma cena do filme).
Se você gosta de filmes com objetos
inanimados assassinos é uma boa pedida, mas não espere litros de sangue, cenas
trash, mortes inovadoras e um vilão marcante.
Trailer
É um trash quase esquecível. Seria uma premissa mil vezes melhor se o boneco fosse somente um ser inanimado, que nos poupassem (spoiler) da horrorosa cena final aonde Pinóquio se mexe, anda e corre e tenta matar a mãe da garotinha. Que deixasse o espectador com o mistério por trás de quem seria o verdadeiro assassino, que na minha opinião, nunca foi o Pinóquio, mas sim a pequena Zoe.
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