Diga, leitor, você está desesperados por um bom filme trash?
Você está desesperado?
Você está desesperado!?
Então grita: ahh!
Grita mais alto, mais desesperado: ahhh!
Título original: As aventuras de Sérgio
Mallandro
Lançamento: 1985 (Brasil)
Duração: 82 minutos
Direção: Erasto Filho
As aventuras de Sérgio Mallandro
A procura da felicidade
Pois é, leitores e leitoras do Café com Tripas,
por incrível que pareça esse filme realmente existe, eu o assisti e vou contar
essa experiência para vocês. Mesmo.
Personagem que está entre o cômico, o
infantil e o escatológico, que na lendária Oradukapeta infringiu
todas as prescrições da pedagogia e da psicologia infantil dos últimos cem anos,
Sérgio Mallandro vive na memória de qualquer um que tenha sido
criança nos anos oitenta e noventa. É velharia, lógico, mas que ficou mais engraçada
e desconcertante com o passar dos anos. Mallandro é tudo o que uma criança não
deveria assistir, o pior exemplo que um ser humano em formação poderia
presenciar e a influência definitiva dos descaminhos da vida, no entanto, é
também o tipo de figura que - para todo o sempre - ficará guardada com carinho
em nossas memórias, até com mais vivacidade que muitos de nossos professores,
colegas e personagens de livros favoritos.
Se algum de vocês não viveu esse tempo mágico
em que o Brasil temia Lula e “outros comunistas”, em que a Guerra Fria congelava de vez e o
muro de Berlim seria martelado até virar pó, em que a ditadura, caquética e
broxa, desfazia-se em partidos amorfos os quais teriam imensas dificuldades
para construir uma nova agenda política e, ao mesmo tempo, manter seus rabos presos
a escusos interesses particulares, em que Raul e Renato, por mais decadentes
que estivessem, ainda respiravam e valiam mais que todo o rock que se faz hoje
em dia, então procure saber algo do assunto: realmente vale a pena. Porém, mais
que ficar aqui lamentando e pregando o saudosismo, o que de fato é importa é
que Sérgio Malandro foi um fenômeno da TV brasileira ligado a tudo o que essa mídia representava na época: da
informação à desinformação, da educação das crianças pelos desenhos e programas
matinais à educação dos adultos pelo telejornal e novelas, brotando das
contradições trágicas e engraçadas desse tempo para nos entreter, ensinar e
alienar, tudo ao mesmo tempo.
Já tá ficando desesperado?
Mallandro é Mallandro e mané é mané?
Super Poderoso, um ser milenar de grande força
e sabedoria (que na verdade é o anão palhaço “Rolinha” disfarçado pela
maquiagem), deseja transmitir a um sucessor digno o poder de “fazer o bem” e
escolhe para tal ninguém menos que certo apresentador de programas infantis. No
entanto, para conquistar isso, o escolhido deverá primeiramente encontrar o
animal de estimação da moça Tininha, desaparecido há pouco, e enfrentar as
maldades de Dom Pedro (quer dizer, Dom Pedro de Lara, em um de seus últimos
filmes) que deseja impedir seu sucesso e obter para si o grande poder.
A obra
Resumidamente, o roteiro é um conjunto de
improvisos, inúmeras sequências de humor físico em que o Mallandro derruba,
esbarra, quebra e constrange tudo o que há em cena, subindo nos atores,
tropeçando nas pessoas, puxando roupas, bigodes e perucas como um cocainado
enlouquecido, amarradas pela trama do tal do Super Poderoso (deus?) que, na
maior parte do tempo, é completamente esquecida para dar lugar aos improvisos
hilários do personagem.
Claro: tudo isso só poderia produzir um filme
abominável ou um verdadeiro clássico e “As aventuras de Sérgio Mallandro”
consegue ser ambos ao mesmo tempo.
Há inúmeros problemas de decupagem que
atrapalham o entendimento da história, faltando que cenas que explicam certos
acontecimentos, como verbos ausentes no meio das frases, e que são
“consertados” por meio da amostragem de desenhos com narrações que explicam
essas lacunas e dão ao filme uma aura trash que faz inveja a qualquer
longa-metragem da Troma. No meio de tudo isso vemos um show com alguns músicos
da época, várias participações especiais que não acrescentam nada ao roteiro,
mudanças de enredo que não tem sentido e não conduzem a nada, personagens que
desaparecem para mais tarde voltar à trama sem que entendamos o motivo,
atuações engraças e canastronas e cenas que, assim como o filme, não tem
qualquer razão de existir... Enfim, se você entendeu aonde quero chegar, verá
que não estamos diante de um filme qualquer, mas de uma obra prima!
Mallandro, eu escolho você!
Ele é malandro, mas é também um cara muito
legal.
Quando chegar vai levantar seu astral.Tremendo
cara de pau.
Gosta só do natural, é contra o artificial.
E também é normal na sua luta pelo bem contra
o mal.
Um dos aspectos mais interessantes da história
do filme é que ela não tem muita importância para a maior parte dos
acontecimentos dele e, até certo ponto, mesmo para o protagonista que tem que
se mover dentro dela, em outras palavras, essa coisa de encontrar o bichinho da
menina Tininha e adquirir o dom de “fazer o bem” do Super Poderoso é bem pouco
relevante para tudo o que acontece em cena. Esse fato implica que a maioria das
cenas são livres para comportar as loucuras do protagonista, no entanto
igualmente que o filme em sua totalidade não caminha para coisa alguma.
No universo do filme, portanto, até um ser
sábio e poderoso de cinco mil anos é capaz de ser enganado pela televisão a fim
de escolher o pior no pior momento. Por isso, desligue já a TV e vá ler um
livro!
*
Ademais, enquanto o protagonista - que não é
ou vale nada - conta com a ajuda de Zé Cocada e outros amigos em suas
trapalhadas, o vilão – que é inteligente - não tem quem esteja com ele pelo que
ele é, entretanto apenas subordinados contratados, por sinal, é possível que
aqui se encontre a chave para que entendamos o motivo da escolha do Super
Poderoso: talvez só possa ganhar o poder justamente quem não tenha nenhuma
utilidade para ele e, por isso, possa usá-lo bem.
Sei que é uma relação arbitrária, porém nesse
ponto me recordo do primeiro livro da série Harry Potter, em que há uma
diferença fundamental entre o protagonista e Voldermort que faz com que o
primeiro obtenha a pedra filosofal e o segundo não: Harry apenas quer encontrar
a pedra e Voldermort quer usar a pedra. De certo modo, o mesmo ocorre com
Mallandro e Pedro.
O que é felicidade?
Existe um dado que é inquestionável: Mallandro
é um cara muito feliz sozinho. Tanto é assim que durante a maior parte do filme
ele se esquece de cumprir sua tarefa e encontrar o tal do bicho de estimação
(que no decorrer do filme é decidido que é um macaco, depois uma macaca, e,
finalmente, uma macaca chamada “Nany”, o que provavelmente só foi decidido
quando o longa já estava sendo filmado). Ocorrerão,
no entanto, vários encontros entre ele e Tininha, personagem bastante infeliz
por conta da perda de seu bicho de estimação. O relacionamento entre eles é
interessante sob certo ponto de vista, pois Mallandro - a princípio - não
consegue reagir apropriadamente quanto a tristeza dela, tentando substituir seu
bichinho por outro e assim animá-la. O que ele não entende é que a felicidade
de Tininha está ligada a um objeto externo a ela mesma – seu animal – e que,
por isso, a ausência desse objeto a torna uma pessoa triste; enquanto ele é
feliz apenas por existir e poder fazer as coisas que gosta. Seria possível
dizer que para Tininha a felicidade é uma “coisa”, um objeto, e para Mallandro
é um modo de vida, ou seja, é preciso praticar a felicidade no
cotidiano. Essa diferença de concepções
explica porque Mallandro não está em busca de nada durante boa parte do filme:
ele tem tudo o que quer em si mesmo, basta poder sair com seus amigos e
apavorar as ruas do Rio de Janeiro que até um poder vindo de uma entidade
milenar vai parecer um objetivo chato para perseguir.
No correr do filme, porém, Mallandro será
contaminado pelo modo de pensar de Tininha conforme vai se apaixonando por ela.
Gradativamente ele verá sua felicidade menos ligada a si mesmo e mais a um
objeto externo, a própria Tininha, o que o tornará feliz somente quando na
presença dele. Obviamente, trata-se de algo não intencional, mas o que o filme
sugere é que o amor não é (necessariamente) bom para a felicidade, pois ele a
torna dependente de alguém que não nós mesmos. Assim, quando o protagonista
passa pela possibilidade de talvez perder Tininha, entristece e perde sua
motivação, algo que jamais aconteceria antes, já que ele era alguém satisfeito
com a vida por si mesmo.
Aliás, uma coisa que me ocorre é: seria
possível conciliar as duas visões, quer dizer, sermos felizes por nossas
próprias ações e ao mesmo tempo envolver outros em nossa própria felicidade
para aumentá-la? Francamente, não sei e acho que não vale a pena pensar nisso -
nem o Mallandro, malandro que era, sabia.
Devo abrir a porta um, a porta dois ou a porta
três?
Muito bem, leitores e leitoras do Café, caso não tenham percebido saibam que vocês estão diante de um
dos grandes clássicos do cinema trash brasileiro, junto com Cinderela Baiana e outras pérolas que merecem ser apreciadas por todas as
gerações futuras.
Sérgio Mallandro, assim como Silvio Santos e
Mestre Kame, é um daqueles raros seres humanos a beber da fonte da juventude e
jamais envelhecer. Suas bobagens continuam atuais e divertidas e vão permanecer
assim por muito tempo ainda. E se esse meu elogio pobre e essa longa resenha,
entretanto, não foram suficientes para convencer vocês da magnanimidade desse
filme, saibam que, além de tudo isso que foi relatado, ainda há coisas que, por
si mesmas, já deveriam te motivar a ver o filme: como a cena em que Mallandro
se veste de padre para conseguir alguns trocados, ou mesmo saber que esse longa
marca a estréia de ninguém menos que o maior galã do Brasil, o homem do
negócio, senhor Alexandre Frota, que numa cena hilária, bêbado de hormônios e
testosterona, decide passar uma cantada no malandrão (!) dizendo que iria ser
“o Roberto Carlos da sua vida”. Assistam e confiram por si mesmos!
Trailer
(não encontramos o trailer do filme, então decidimos postar o filme completo. De nada)
(não encontramos o trailer do filme, então decidimos postar o filme completo. De nada)
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