Eu sei que vocês já viram esse filme.E gostaram muito.
Uma noite alucinante
Contra o mal ninguém pode
Vamos deixar algo dito desde já: “The evil dead”
não é um filme intelectualizado, ou seja, não tem grandes (ou pequenas)
questões existenciais permeando sua trama, não possui uma temática profunda ou
qualquer coisa parecida, na verdade, se de um lado ele falha no aspecto
temático, de outro, no “aspecto técnico” também: seu roteiro é esburacado, as
atuações apresentadas são ridículas, seus personagens soam imbecis, há
inumeráveis erros de sequencia, defeitos, defeitos e mais defeitos, enfim,
estamos tratando de uma obra que só não se tornou uma porcaria absoluta porque
só é mesmo o que é: um clássico.
Bem, como um filme terrivelmente ruim pode ser
clássico estrondoso é algo que eu vou tentar demonstrar durante essa resenha.
Fique acordado para ler!
Por que a noite foi alucinante? Rolou droga? E
qual demônio morreu? Foi overdose?
Um grupo de amigos aluga uma cabana no meio do
nada - o topo de uma montanha - para descansar durante um tempo por ali. Ao
entrar no local, porém, encontram um livro que desperta espíritos antigos que
não os deixarão em paz.
É isso mesmo que parece: nenhum dos dois títulos faz qualquer sentido.
Duas recomendações
Ao contrário de muitos dos leitores do Café,
eu não tive a experiência de assistir esse filme ainda na infância, portanto,
não posso tratar da experiência de voltar a ele anos depois de amadurecer. Bem
dizendo, nos anos oitenta eu era apenas uma alminha penada esperando um corpo
onde pudesse encarnar, o que só foi acontecer lá pelo fim da década. Assim,
esta resenha parte de alguém que viu o filme pela primeira vez recentemente, já
tendo nascido nesse tempo frenético de efeitos especiais milionários e todo o
mais. Tentarei fazer um exercício de esquecimento e pensar como seria uma
recepção do filme no período em que surgiu para melhor aproveitá-lo. Convido
todos na mesma situação que eu para que façam o mesmo.
Vou contar um pouco do filme e já volto para
explicar uma coisa a respeito dele.
Num momento específico da história, desafiando
todas as prescrições do bom senso, certa personagem sai no meio da noite - com
roupas de dormir e visivelmente alterada psicologicamente - em busca de algo ou
alguém que a espreitaria pela janela. A moça parte floresta a dentro sem medo
de formigueiros, ferimentos, buracos, animais selvagens, assassinos, tarados,
assassinos tarados, de se perder e nunca mais encontrar o caminho, de adquirir
pneumonia no frio noturno e outras coisas que qualquer pessoa com até dois
neurônios – tipo eu e vocês – conseguiria pensar. No meio da cena ainda diz:
“eu sei que você está aí” para a escuridão absoluta, mostrando que mulher que é
mulher, sai seminua no meio da escuridão para enfrentar ameaça que a espreita
pela janela.
Se hoje esse tipo de acontecimentos nos soa como
um clichê idiota, no filme faz todo o sentido e ajuda a entender que tipo de
obra estamos assistindo: repleta de absurdos que fazem
sentido apenas dentro de sua atmosfera estranha. Por isso, para
conseguir apreciar devidamente o filme faço mais uma recomendação: não liguem
para a história, inclusive, não tentem cobrá-lo por coisas que são coerentes,
esperadas, mas que a trama parece ignorar. “Evil dead” não está preocupado em
ser coerente, racional, em ter sentido ou qualquer uma dessas coisas que
cobramos que todo filme seja; sua intenção é te colocar numa sala com monstros
aterrorizantes e te dar uma motosserra. E só.
Bonzinho só se f...
“Evil dead” não tem nenhuma discussão importante
permeando sua história, no entanto, isso não nos impede de propor algumas
linhas interpretativas para ele.
Uma delas seria a respeito dos males que rondam
os personagens, que vão se dando conta (muito) lentamente disso. Ao chegar à
cabana, começam a desarrumar suas malas, pensar sobre o que farão dali por
diante e coisa banais como essas, porém, desde o princípio notam que há
algo errado com o lugar: se ele não é assustador, é, ao menos, velho e
estranho; uma cabana no meio do nada que parece perfeita para abrigar cadáveres
e servir de moradia para delinquentes. Trata-se do clichê pré-histórico da casa
mal-assombrada, aqui reformulado segundo uma fórmula própria.
O importante quanto a isso é que os personagens
parecem ser inconscientes da arapuca em que entraram, como se fossem pessoas
boas ou normais entrando numa realidade perversa e anormal. Temos, portanto, o
Bem e o Mal contrapostos, mas o bem é meio bobo, meio ingênuo, estando então em
desvantagem, enquanto o mal é consciente e esperto, estando em vantagem, aliás,
caricaturas bem reincidentes do bem e do mal.
Enquanto comem, brincam e realizam
atividades comuns, os personagens não percebem que o mundo em que estão parece
querer se fechar em torno deles. Coisas horripilantes tencionam mantê-los ali,
porém não para se alimentar deles, simplesmente, tampouco para matá-los como
uma espécie de bruxa má que engorda suas vítimas para que, quando estiverem
fartos e contentes, consiga comê-los. A prisão que as forças malignas erigem em
torno dos personagens - fazendo com que a ponte pela qual entraram desabe os
isolando do mundo, que a noite se torne sobrenaturalmente escura e assim por
diante - não estão interessadas na destruição dessas pessoas, mas em sua
corrupção. Sucessivamente os personagens são convidados à rendição às trevas
que os ameaçam, como se, no fundo, as tragédias causadas por elas fossem apenas
uma exibição de força que tem por fim convencê-los a ceder ao
mal e participar dele. Felizmente o filme foge de uma relação direta com a
religião; seria bem bobo atribuir a sedução do mal ao capeta e a
resistência à deus como um montes de filmes fazem por aí. Melhor para
nós. A despeito disso, a obra não dá exatamente uma resposta quanto ao
motivo pelo qual os personagens resistem e enfrentam o que se opõe a eles. O
que os move exatamente? Querem simplesmente viver? Querem viver por algo
ou alguém? Estão apenas com medo e desesperados, enfrentando as diversidades? O
filme não responde nada disso e torna os personagens completamente nulos e sem
personalidade, meras vítimas da má situação, de maneira que, quando começam a
se corromper e se tornar coisas tão horríveis quanto aquelas que os feririam,
sequer oferecem resistência. É como se, ao ser exposto ao mal por muito tempo,
o ser humano simplesmente se fizesse mal também, pois nada possui que possa
contrapor essa força. Um ou dois até poderão escapar disso e não cair nesse
grande moedor de carne que é a vida, mas nunca vamos entender direito porque
tais exceções acontecem, no fim, nos faremos maus e os cruficaremos - são
bons demais para conviver conosco.
Cru, nu, bruto, tosco e visceral
Um aspecto bem interessante do filme é que ele
vai se tornando melhor conforme tem que explicar menos o que ocorre. Nas
primeiras cenas somos levados à casa abandonada, apresentados aos personagens
ocos que permearão a história dali por diante, o livro maligno – feito em pele
humana - que despertará os espíritos malignos e outras coisas. Com o passar do
tempo, porém, os personagens vão sendo possuídos, as janelas começam a estourar
(inclusive, temos até um dos estupros mais bizarros da história do
cinema), entre outros elementos igualmente doidos que nos fazem parar de
cobrar do filme qualquer coerência, além disso, como as explicações já foram
dadas no início, paramos de nos perguntar por que é que as coisas ocorrem desse
jeito maluco. É nesse ponto que tudo se torna mais interessante e assustador.
Quando o filme já nos deu uma desculpa boba para possessões, assassinatos e
todo o resto, é que mandamos nosso cérebro passear e nos divertimos de verdade
com o filme. Pouco importa que as mãos dos monstros sejam feitas de borrachas,
que diretor tenha uma verdadeira tara por cenas com janelas que serão quebradas
para nos assustar, ou que sequer lembremos o nome de um personagem dois
segundos depois da morte dele, no fim, tudo funciona muito bem!
É como se o filme fosse um longo strip-tease da
razão em que fossemos sendo convencidos, gradativamente, a abandonar nosso bom
gosto, senso de referência e bom senso. Somente quando ficamos completamente
despidos de exigências é que a ação começa. Conforme ele vai se libertando da
necessidade de uma trama, de uma boa técnica (até mais ou menos a metade do
filme), sua proposta original de sangue pelo sangue se revela
e o filme melhora muito. Tanto é assim que as sequencias finais são brilhantes:
já não há nenhuma necessidade de nos explicar a história e as conexões entre os
personagens, apenas de nos entreter com sequencias sangrentas e sujas.
Devo alugar uma cabana no meio do nada,
conseguir amigos inconsequentes e fazer minha própria noite alucinante?
Liberdade é uma das coisas mais respeitadas por
esse bloguinho, portanto, seja lá com quem vocês, leitores, quiserem (se) meter
numa cabana, isso não nos diz respeito.
Já quanto ao filme, ele é muito bacana e bem
singular, não há nada muito parecido antes ou depois dele na história dos
filmes de terror. Há bastante sangue e cenas de violência gráfica (bem ao gosto
dos fãs do trash) que, provavelmente, eram mais impactantes no período que
hoje. Trata-se de um filme de entretenimento que tem seus méritos, sobretudo,
quanto à atmosfera sinistra que promove, o clima de terror, e menos por qualquer
inteligência da trama, que é bobinha mesmo e não esconde isso. Ele tem
sequencias ótimas cujo ângulo da câmera contribui para a criação de uma
atmosfera de medo e faz com que esqueçamos as bobagens da história, além de
muito sangue e combate, que ora soam grotescos, ora soam engraçados, porém
nunca banais, nem mesmo atualmente, tanto tempo depois.
Se você não viu ainda, o filme está disponível
no tube e em outros locais de fácil acesso, logo, não perca tempo e veja logo
um grande clássicos do cinema trash!
Trailer:
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