sexta-feira, 3 de maio de 2013

Resenha: Uma noite alucinante/A morte do demônio (The evil dead)


Eu sei que vocês já viram esse filme.E gostaram muito.
Eu sei que vocês já viram esse filme. E gostaram mais ainda.
Eu sei que vocês já viram esse filme. E construíram um altar para ele.
Eu sei que vocês amam esse filme tanto quantos suas próprias mães.
Eu sei que irão me cortar com uma motosserra caso eu fale mal dele.
Eu acho que estou ficando com medo de abordar esse filme...






Título original: The evil dead
Lançamento: 1981 (EUA)
Duração: 85 minutos
Direção: Sam Raimi





Uma noite alucinante

Contra o mal ninguém pode



Vamos deixar algo dito desde já: “The evil dead” não é um filme intelectualizado, ou seja, não tem grandes (ou pequenas) questões existenciais permeando sua trama, não possui uma temática profunda ou qualquer coisa parecida, na verdade, se de um lado ele falha no aspecto temático, de outro, no “aspecto técnico” também: seu roteiro é esburacado, as atuações apresentadas são ridículas, seus personagens soam imbecis, há inumeráveis erros de sequencia, defeitos, defeitos e mais defeitos, enfim, estamos tratando de uma obra que só não se tornou uma porcaria absoluta porque só é mesmo o que é: um clássico.

Bem, como um filme terrivelmente ruim pode ser clássico estrondoso é algo que eu vou tentar demonstrar durante essa resenha. Fique acordado para ler!


Por que a noite foi alucinante? Rolou droga? E qual demônio morreu? Foi overdose?


Um grupo de amigos aluga uma cabana no meio do nada - o topo de uma montanha - para descansar durante um tempo por ali. Ao entrar no local, porém, encontram um livro que desperta espíritos antigos que não os deixarão em paz.

É isso mesmo que parece: nenhum dos dois títulos faz qualquer sentido.


Duas recomendações


Ao contrário de muitos dos leitores do Café, eu não tive a experiência de assistir esse filme ainda na infância, portanto, não posso tratar da experiência de voltar a ele anos depois de amadurecer. Bem dizendo, nos anos oitenta eu era apenas uma alminha penada esperando um corpo onde pudesse encarnar, o que só foi acontecer lá pelo fim da década. Assim, esta resenha parte de alguém que viu o filme pela primeira vez recentemente, já tendo nascido nesse tempo frenético de efeitos especiais milionários e todo o mais. Tentarei fazer um exercício de esquecimento e pensar como seria uma recepção do filme no período em que surgiu para melhor aproveitá-lo. Convido todos na mesma situação que eu para que façam o mesmo.



Vou contar um pouco do filme e já volto para explicar uma coisa a respeito dele. 

Num momento específico da história, desafiando todas as prescrições do bom senso, certa personagem sai no meio da noite - com roupas de dormir e visivelmente alterada psicologicamente - em busca de algo ou alguém que a espreitaria pela janela. A moça parte floresta a dentro sem medo de formigueiros, ferimentos, buracos, animais selvagens, assassinos, tarados, assassinos tarados, de se perder e nunca mais encontrar o caminho, de adquirir pneumonia no frio noturno e outras coisas que qualquer pessoa com até dois neurônios – tipo eu e vocês – conseguiria pensar. No meio da cena ainda diz: “eu sei que você está aí” para a escuridão absoluta, mostrando que mulher que é mulher, sai seminua no meio da escuridão para enfrentar ameaça que a espreita pela janela.

Se hoje esse tipo de acontecimentos nos soa como um clichê idiota, no filme faz todo o sentido e ajuda a entender que tipo de obra estamos assistindo: repleta de absurdos que fazem sentido apenas dentro de sua atmosfera estranha. Por isso, para conseguir apreciar devidamente o filme faço mais uma recomendação: não liguem para a história, inclusive, não tentem cobrá-lo por coisas que são coerentes, esperadas, mas que a trama parece ignorar. “Evil dead” não está preocupado em ser coerente, racional, em ter sentido ou qualquer uma dessas coisas que cobramos que todo filme seja; sua intenção é te colocar numa sala com monstros aterrorizantes e te dar uma motosserra. E só.


Bonzinho só se f...


“Evil dead” não tem nenhuma discussão importante permeando sua história, no entanto, isso não nos impede de propor algumas linhas interpretativas para ele.

Uma delas seria a respeito dos males que rondam os personagens, que vão se dando conta (muito) lentamente disso. Ao chegar à cabana, começam a desarrumar suas malas, pensar sobre o que farão dali por diante e coisa banais como essas, porém, desde o princípio notam que há algo errado com o lugar: se ele não é assustador, é, ao menos, velho e estranho; uma cabana no meio do nada que parece perfeita para abrigar cadáveres e servir de moradia para delinquentes. Trata-se do clichê pré-histórico da casa mal-assombrada, aqui reformulado segundo uma fórmula própria.



O importante quanto a isso é que os personagens parecem ser inconscientes da arapuca em que entraram, como se fossem pessoas boas ou normais entrando numa realidade perversa e anormal. Temos, portanto, o Bem e o Mal contrapostos, mas o bem é meio bobo, meio ingênuo, estando então em desvantagem, enquanto o mal é consciente e esperto, estando em vantagem, aliás, caricaturas bem reincidentes do bem e do mal.

Enquanto comem, brincam e realizam atividades comuns, os personagens não percebem que o mundo em que estão parece querer se fechar em torno deles. Coisas horripilantes tencionam mantê-los ali, porém não para se alimentar deles, simplesmente, tampouco para matá-los como uma espécie de bruxa má que engorda suas vítimas para que, quando estiverem fartos e contentes, consiga comê-los. A prisão que as forças malignas erigem em torno dos personagens - fazendo com que a ponte pela qual entraram desabe os isolando do mundo, que a noite se torne sobrenaturalmente escura e assim por diante - não estão interessadas na destruição dessas pessoas, mas em sua corrupção. Sucessivamente os personagens são convidados à rendição às trevas que os ameaçam, como se, no fundo, as tragédias causadas por elas fossem apenas uma exibição de força que tem por fim convencê-los a ceder ao mal e participar dele. Felizmente o filme foge de uma relação direta com a religião; seria bem bobo atribuir a sedução do mal ao capeta e a resistência à deus como um montes de filmes fazem por aí. Melhor para nós. A despeito disso, a obra não dá exatamente uma resposta quanto ao motivo pelo qual os personagens resistem e enfrentam o que se opõe a eles. O que os move exatamente? Querem simplesmente viver? Querem viver por algo ou alguém? Estão apenas com medo e desesperados, enfrentando as diversidades? O filme não responde nada disso e torna os personagens completamente nulos e sem personalidade, meras vítimas da má situação, de maneira que, quando começam a se corromper e se tornar coisas tão horríveis quanto aquelas que os feririam, sequer oferecem resistência. É como se, ao ser exposto ao mal por muito tempo, o ser humano simplesmente se fizesse mal também, pois nada possui que possa contrapor essa força. Um ou dois até poderão escapar disso e não cair nesse grande moedor de carne que é a vida, mas nunca vamos entender direito porque tais exceções acontecem, no fim, nos faremos maus e os cruficaremos - são bons demais para conviver conosco.


Cru, nu, bruto, tosco e visceral


Um aspecto bem interessante do filme é que ele vai se tornando melhor conforme tem que explicar menos o que ocorre. Nas primeiras cenas somos levados à casa abandonada, apresentados aos personagens ocos que permearão a história dali por diante, o livro maligno – feito em pele humana - que despertará os espíritos malignos e outras coisas. Com o passar do tempo, porém, os personagens vão sendo possuídos, as janelas começam a estourar (inclusive, temos até um dos estupros mais bizarros da história do cinema), entre outros elementos igualmente doidos que nos fazem parar de cobrar do filme qualquer coerência, além disso, como as explicações já foram dadas no início, paramos de nos perguntar por que é que as coisas ocorrem desse jeito maluco. É nesse ponto que tudo se torna mais interessante e assustador. Quando o filme já nos deu uma desculpa boba para possessões, assassinatos e todo o resto, é que mandamos nosso cérebro passear e nos divertimos de verdade com o filme. Pouco importa que as mãos dos monstros sejam feitas de borrachas, que diretor tenha uma verdadeira tara por cenas com janelas que serão quebradas para nos assustar, ou que sequer lembremos o nome de um personagem dois segundos depois da morte dele, no fim, tudo funciona muito bem!

É como se o filme fosse um longo strip-tease da razão em que fossemos sendo convencidos, gradativamente, a abandonar nosso bom gosto, senso de referência e bom senso. Somente quando ficamos completamente despidos de exigências é que a ação começa. Conforme ele vai se libertando da necessidade de uma trama, de uma boa técnica (até mais ou menos a metade do filme), sua proposta original de sangue pelo sangue se revela e o filme melhora muito. Tanto é assim que as sequencias finais são brilhantes: já não há nenhuma necessidade de nos explicar a história e as conexões entre os personagens, apenas de nos entreter com sequencias sangrentas e sujas.


Devo alugar uma cabana no meio do nada, conseguir amigos inconsequentes e fazer minha própria noite alucinante?


Liberdade é uma das coisas mais respeitadas por esse bloguinho, portanto, seja lá com quem vocês, leitores, quiserem (se) meter numa cabana, isso não nos diz respeito.

Já quanto ao filme, ele é muito bacana e bem singular, não há nada muito parecido antes ou depois dele na história dos filmes de terror. Há bastante sangue e cenas de violência gráfica (bem ao gosto dos fãs do trash) que, provavelmente, eram mais impactantes no período que hoje. Trata-se de um filme de entretenimento que tem seus méritos, sobretudo, quanto à atmosfera sinistra que promove, o clima de terror, e menos por qualquer inteligência da trama, que é bobinha mesmo e não esconde isso. Ele tem sequencias ótimas cujo ângulo da câmera contribui para a criação de uma atmosfera de medo e faz com que esqueçamos as bobagens da história, além de muito sangue e combate, que ora soam grotescos, ora soam engraçados, porém nunca banais, nem mesmo atualmente, tanto tempo depois.

Se você não viu ainda, o filme está disponível no tube e em outros locais de fácil acesso, logo, não perca tempo e veja logo um grande clássicos do cinema trash!

Trailer:

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