Se você não mora
em uma caverna, provavelmente sabe que na madrugada de domingo pra segunda
tivemos a premiação do Oscar. Sim, isso mesmo, aquela premiação que serve para
os famosos desfilar com seus modelitos que valem o preço do seu rim no mercado
negro (é... acho que seu rim não vale tanto assim) e os aclamados “críticos”
premiarem os queridinhos de Hollywood e os filmes com melhor marketing.
O
que? Você acha que o Oscar é uma premiação séria e realmente premia os
melhores? Tolinho(a)...
Hoje o Café com
Tripas sai um pouco do mundo trash pra falar sobre cinema como um todo,
mais especificamente sobre o Oscar e Hollywood. Afinal, mais do que
apreciadores do cinema alternativo, somos amantes do cinema como um todo,
entretanto, há também outro motivo para abordarmos isso que consiste no
seguinte: o cinema trash só é trash porque há uma hegemonia ou padrão que ele
desrespeita, em outras palavras, o trash é um tipo de decadência de uma coisa
bonitinha, cheirosa, vestida por estilistas e que desfila na passarela para
ganhar o reconhecimento público. Se o trash é perversão, é muito conveniente
que, vez e outra, venhamos aqui discutir o que exatamente ele perverte e é aí
que o Oscar entra em cena.
Bom, antes de começar, devo
ressaltar que a ideia desse post surgiu de uma discussão no facebook e reflete
a opinião do Café, sendo assim, você tem total direito de discordar da
gente. Pode deixar comentários que adoraríamos discutir o assunto (mentira, vou
bloquear todos).
Oscar e os melhores filmes do ano
Para compreender melhor no que
queremos chegar é necessário pensar um pouco sobre as questões que irei
colocar:
A estatueta de
ouro é dada pra os melhores filmes/diretores/atores/etc. do ano?
Bom, caro leitor, se você, assim
como nós, tem contato com filmes que fogem do padrão daqueles exibidos no
cinema, eu acho que você concorda comigo que o Oscar passa MUITO longe de
premiar aqueles que merecem, afinal tem muitos filmes coreanos, iranianos,
franceses... ad infinitum os quais dão uma surra de pau mole na grande
maioria dos indicados. Se o objetivo do prêmio fosse realmente reconhecer os
melhores não teríamos 99% de filmes norte-americanos e um ou dois perdidos de
outras nacionalidades, porém, ao invés disso, teríamos um prêmio democrático no
qual todos os filmes (independentemente de sua nacionalidade) tivessem a mesma
chance de concorrer e não apenas numa posição de café com leite.
Então, se não é isso, podemos dizer
que o Oscar é dado para os melhores filmes norte-americanos?
Também não. Prestem atenção no fato de que o Oscar geralmente segue um padrão em relação a filmes indicados: temos filmes históricos, dramas não muito comentados (geralmente sobre pessoas pobres), algum filme mais descontraído (para a família) e dois ou três que são as grandes produções as quais levam boa parte dos prêmios para casa. Além disso, as figurinhas que participam do Oscar são quase sempre repetidas.
Porque
não temos filmes de terror, alternativos, que vão contra os valores cristãos e
estadunidenses, de baixo orçamento, entre tantos outros? Será que todos esses
filmes são uma porcaria que não mereçam concorrer?
O que
quero defender é o seguinte: o Oscar existe para premiar os filmes feitos
especificamente para que sejam premiados e não para aqueles que merecem de
fato, embora, obviamente, possamos discutir longamente a respeito de qual seria
o “perfil” do Oscar. Aliás, façamos isso já.
Se
o Oscar não vai para os melhores (seja do cinema mundial ou do cinema
norte-americano) então ele vai pra quem?
Simples,
os prêmios vão para aqueles que promovem o “Hollywood Way of Cinema” para o
mundo. Deixe-me explicar melhor.
Quem
leva o Oscar, geralmente, são aqueles filmes que melhor divulgam os valores
hollywoodianos (e, consequentemente, americanos) para o mundo, quer dizer, quem
ganha não é o melhor filme, mas sim aquele que transmite melhor o que é
Hollywood.
Claro,
não estou dizendo que não existam bons filmes concorrendo, longe disso, todavia
devemos concordar que 90% dos que estão ali são ou filmes de puro
entretenimento e/ou que contenham valores norte-americanizados embutidos de um
modo propagandístico.
Por
sinal, não existe exemplo melhor disso que o grande vencedor desse ano, Argo.
Concordo que é um filme legalzinho e bem dirigido (MUITOOO longe de ser o
melhor do ano), mas que se sustenta em diversos clichês que já estamos cansados
de ver, além de usar a típica história do americano bonzinho que salva outros
americanos indefesos da garra dos iranianos malvados, curiosamente, num período
em que os EUA discutem uma possível invasão ao Teerã. E o mais engraçado de
tudo é que quem anunciou o premio foi Michelle Obama... Acho que não preciso
dizer mais nada né?
Oscar e nossa
submissão
Essa
premiação do “cinema” não nos diz apenas quem são os queridinho da América, no
entanto também se reflete em toda nossa concepção de cinema e como nos
posicionamos diante da cultura dominante.
Se
você tem facebook ou twitter, você provavelmente viu milhões de pessoas (e
talvez tenha sido uma delas) comentando o Oscar. Pois bem. Agora pense em quantas
pessoas você já viu alguém comentando o “Kikito”? Você não acha que
existe algo errado nisso? Um evento do cinema hollywoodiano faz com que todos
voltem a atenção pra ele, mas nem lembramos que existem festivais aqui no nosso
país. Obviamente, você pode retrucar: o Oscar é mais visado porque é um prêmio
muito mais importante? E eu devolveria com outra questão: o Oscar é importante
para quem? Para qual cinema? Para premiar quem com critérios elencados por
quem?
O
Oscar realça a submissão da nossa cultura a outra considerada maior e mais
importante. Não estamos apreciando filmes bons, mas aprendendo a ver (e fazer)
filmes nos padrões deles. Grande parte das pessoas, quando escutam falar sobre
os indicados, já assiste os assiste acreditando que verá algo bom e, mesmo que
não aprecie muito, vai se sentir obrigada a gostar, afinal, se está concorrendo
a melhor filme então é bom. Com isso, passa-se a definir certo padrão do que é
bom ou ruim; esse é um dos motivos de muitos afirmarem que “Os vingadores” foi um
dos melhores filmes do ano, por exemplo.
Aqueles
que, por sua vez, acabam assistindo apenas a filmes norte-americanos,
conformam-se a eles e passam a definir o que é bom ou ruim a partir dos
parâmetros daquilo quem estão acostumados e não nos parâmetros do cinema como
um todo. Inclusive, quantas vezes não vemos pessoas dizendo bovinamente que tal
comédia romântica é um filmão, mas que, quando assistem algum clássico,
desprezam-no (“superestimado”) como sendo ruim?
Essa
cultura Hollywoodiana está tão inserida em nossa sociedade que quando vamos
buscar filmes em alguma loja, locadora, internet, enfim, geralmente encontramos
os filmes hollywoodianos separados por categorias (Ação, terror, comedia,
romance, etc.) e em cantinhos separados vemos “nacional” e “estrangeiro” - ora,
os filmes norte-americanos não são estrangeiros também? Por que ele não está
nessa categoria? Porque ele ganha ainda mais espaço que os nacionais?
Concluindo...
Apesar
dessas coisas todas, reconheço que a indústria cinematográfica norte-americana
é muito forte e que é “natural” que ela ocupe maior espaço nas prateleiras por
conta disso, o problema é a importância que damos pra ela e não damos pra nossa
e, ademais, a sobreposição desse cinema sobre os outros que acaba matando a
possibilidade do surgimento do diferente. Somos cada vez mais americanos tanto
no Brasil quanto na França e assim perdemos a possibilidade de construir nossa
própria identidade. Não ligo de ser bombardeado por títulos hollywoodianos, no
entanto gostaria de encontrar, com a mesma facilidade, filmes nacionais e de
diversos outros países também.
E
você?
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