quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Resenha: O vingador tóxico parte III (The toxic avenger part III: the last temptation of toxy)



            É um pássaro?
É um avião?
Não, é um ex ser humano feio, tolo e fraco, que após uma tentativa de suicídio pós bullyng caiu num barriu de lixo tóxico e veio se tornar “O vingador tóxico”, um monstro fortíssimo que combate o crime com violência e sarcasmo resistindo ao mal e à corrupção, sendo repetidamente desafiado por facínoras de pouco poder, até que em “O vingador tóxico parte II” precisou enfrentar a força das grandes corporações e bater de frente com o próprio capitalismo...
Mais legal que um passarinho, não é?



Título original: The toxic avenger part III The last temptation of toxy
Lançamento: 1989 (EUA)
Duração: 102 minutos
Direção: Lloyd Kaufman, Michael Herz





O vingador tóxico parte III A última tentação de toxy
A corrupção que tudo devora 

Tal como todos as obras da Troma, a parte três do Vingador tóxico é mais um filme safado, realizado com poucos recursos, que apela para a violência, o exagero e a esculhambação a fim de transmitir sua mensagem e vender ingressos. Uma virtude, aliás. Contudo, tal qual o filme anterior, a parte três peca por manter os elementos que deram certo apenas os repetindo sem nada inovar, o que produz uma trama com desfechos previsíveis - tudo o que não deveria ser. Não é um desastre absoluto como o segundo, situando-se em algum lugar entre o medíocre e o aceitável, porém também não alcança aquele potencial rebelde e idiossincrático do primeiro filme. Quem é fã da franquia certamente vai gostar, mas a obra dificilmente conquistará alguém que não seja.

Qual é a tentação? 

Depois de livrar Tromaville do mal o vingador se encontra deslocado e sem emprego, já que não há mais lugar onde usar suas habilidades de combate ao crime. Após descobrir que a visão de sua esposa pode ser recuperada com uma cirurgia, ele assina um contrato de trabalho com a corrupta Apocalipse Inc., sem saber que acabara de iniciar uma era de corrupção na cidade.

Boas intenções?

            Basicamente há dois momentos no filme: aquele que mostra a decadência de Melvin, exibindo sua falta de dinheiro para pagar a cirurgia da namorada e a entrada nos negócios da Apocalipse; depois disso, temos sua recuperação, isto é, quando ele volta a pisotear o mal como sempre e retoma seu posto como vingador. Tentarei dar conta de ambos no decorrer da resenha, mas privilegiarei mais o primeiro, dada a sua importância para a “mensagem”, digamos, promovida no filme. Vamos lá.
Relembremos a parte dois: depois de um monte de bobagens que não precisariam ter sido filmadas, Melvin expulsou a Apocalipse Inc. e restabeleceu a paz em Tromaville. Pois bem, a parte três parte (oh, deus...) exatamente do problema que surge daí, é o seguinte: com a cidade funcionando perfeitamente e sem grandes conflitos ou crimes ocorrendo, o vingador percebe que se tornou completamente inútil. Afinal, de que serve um herói nos tempos de paz? Não há mais vilões a combater ou injustiças a superar, logo, para que precisaríamos de Melvin? Por sinal, essa é uma velha questão da série, tendo sido abordada no primeiro filme também. A sugestão é a seguinte: os heróis sempre são um tipo de ave de mau agouro, urubus sobrevoando nossa carniça, pois eles surgem apenas porque tudo vai mal e não conseguimos mais concertar as coisas. Com isso, surge a questão: quando tudo vai bem... Será que ainda precisamos deles?
Inicialmente, a resposta que o filme nos dá é um não, algo que, todavia, será desmentido no decorrer do filme. Contudo, fiquemos com esse não por enquanto dado um motivo bem simples: Melvin acredita nele e passa a crer que não tem mais lugar em Tromaville, o que o deprime e o faz se aliar a Apocalipse para pagar a cirurgia de sua esposa. Aí é que a trama realmente começa...

*

Para adentrar de vez na corrupção das grandes corporações foi preciso que Melvin tivesse sido completamente derrotado pela vida: sem dinheiro, sem emprego, sem propósito, sem meios para ajudar sua namorada cega... Só assim é que ele se deprimiu ao ponto de aceitar a proposta da perigosa empresa. Há um elemento fundamental nisso: fornecer um tipo de desculpa moral e psicológica para salvar a idoneidade de Melvin quando ele realiza algo mau, em outras palavras, deixar-se corromper pela empresa é ruim, mas dados os motivos nobres do rapaz é possível perdoado porque tinha “boas intenções”. Isso é reforçado ainda mais conforme o vemos sendo apresentado como um completo estúpido, incapaz de perceber as conseqüências de suas ações. Com efeito, além de fazer o mal sem querer, Melvin também não consegue notar o resultado do que está fazendo.
Pelo menos, é disso que o filme quer nos convencer.
A Apocalipse, por sua vez, embora traga o lucro e resolva de imediato os problemas financeiros do vingador, é retratada como um tipo de força (amoral? imoral?) opressora que não se importa com nada senão garantir sua riqueza. Alguns manuais de sociologia, creio, chamariam isso de capitalismo. Seja como for, logo que ela toma o poder e tira o vingador do ramo do heroísmo, passa a submeter tudo e todos ao seu poder, lucrando ao custo do sofrimento e da exploração alheia. Melvin, todavia, está inocente nessa história, como já dissemos, e não vê que ao se aliar a Apocalipse, está compactuando com o diabo e contribuindo para a destruição de tudo o que defende. Por sinal, uma imagem constantemente retomada no filme é aquela de Jesus no topo da colina, tendo aos seus pés o mundo oferecido por Satã.
Não consigo deixar de pensar nisso como um tipo de alusão à condição do americano tradicional, sujeito cristão, defensor de valores e trabalhador, habitante de um mundo duro que tenta lhe submeter todo o tempo. Tal qual Melvin ele teria sido cooptado pelo poder do capital e as forças cruéis do desenvolvimento, que - ao lhe vender um sonho, uma bela imagem do futuro - fariam com que ele atuasse inocentemente contra seus próprios preceitos, contra o próprio mundo que ama e deseja pertencer, sendo que, quando menos percebesse, já estaria corrompido pelo lugar sujo e desesperador que ajudou a erigir. Em alguma medida, “O vingador tóxico parte III” narra o drama estadunidense: as crianças gordas como porcos, a extrema direita furiosa, as empresas afunilando toda uma cultura dentro de slogans, camisetas e propagandas que transformaram um país numa piada. O progresso, quer dizer, Apocalipse, enterrou um mundo.
Que deus abençoe a América. 

Mefistófeles e o capital

Há algo interessante dentro desse tema da sedução da boa vontade alheia já que Melvin não é uma pessoa comum. É notável que a Apocalipse não se preocupa com a submissão de todos os cidadãos de Tromaville, na verdade, depois que coopta o herói, ela passa a usar da violência para oprimi-los descaradamente. Sem um fortão inspirador para combater sua hegemonia, a corporação não vê mais por que deixar de buscar seu objetivo a qualquer preço, desde que não seja em dinheiro. Assim, balas de borracha, jatos d’água e todo o arsenal da repressão entram em cena para mostrar quem é que manda. Podemos parar aqui um instante e pensar nos motivos dessa escolha. Afinal, por que corromper Melvin e não outros que se sujariam até mais facilmente que ele? Vejo dois motivos principais: o primeiro seria suprimir qualquer reação contra a corporação ao fazer o vingador mudar de lado, em outras palavras, trazendo o inimigo para seu círculo de amigos não há mais quem se oponha ao poder furioso da Apocalipse; o segundo seria usar a imagem do herói tendo por fim a autopromoção, fazendo então com que as pessoas aceitem a empresa e suas ações tal qual aceitam o vingador tóxico. Maquiavelismo puro: aquele que tem talento, que está acima da maioria, pode facilmente ser cooptado para oprimi-la.
Eu não conseguiria expressar o quão atual é isso. Tanto na política quanto na economia é feito uso desse princípio regularmente. Se de um lado nossos ídolos estão constantemente se corrompendo, se vendendo para quem quer que pague mais, de outro, sequer cobramos que eles tenham qualquer índole diferente dessa. Atores fazendo propaganda de celular, cerveja, nos vendendo cremes que não precisamos, ensinando que somos feios e que necessitamos aderir ao produto tal; intelectuais defendendo políticos cretinos; jornalistas superficiais arrotando bobagens em veículos de grande circulação e muitas, muitas coisas do gênero. Nem sempre tais ações são consideradas imorais ou mesmo questionáveis; em boa parte do tempo elas parecem naturais e inofensivas. E qual é mesmo o problema? Melvin certamente saberia.

Devo ceder à tentação e assistir ao Vingador?

 “O vingador tóxico” se inicia com uma reapresentação safada dos episódios anteriores. Não se trata meramente uma menção ao que aconteceu, mas, de fato, uma reapresentação: vemos imagens dos filmes anteriores sendo reaproveitadas com toda cara de pau do mundo para recontar a saga de Melvin. É como se nos avisassem logo sobre o filme para que não reclamemos depois. A mensagem é a seguinte: assista ao filme sem medo, telespectador, pois ele é tão óbvio, tão idiota, que mesmo sendo uma trilogia não será preciso ver os filmes anteriores para entendê-lo, basta que pague o ingresso, a pipoca e se sente aí.
Realmente, a parte três do maior herói do cinema não é lá grande coisa. Trata-se de uma tentativa de repetir o sucesso do primeiro reaproveitando as características que o fizeram tão bom, aliás, como já tinha sido feito também no filme anterior. No entanto, isso não implica que a parte três seja pura perda de tempo ou tão ruim quanto à anterior. Na verdade, ela é bem engraçada e, particularmente, prefiro-a a segunda.
Se o Café com Tripas o recomenda? Bem... Sem mais delongas: não. É um filme dispensável, quiçá, até para os fãs do rapaz tóxico. No entanto, se você não for uma daquelas pessoas chatíssimas que tem bom gosto para tudo e se preocupa em ver apenas entretenimento inteligente, talvez goste desse filminho tosco e divertido. Pelo sim ou pelo não, esta resenha acaba aqui.

Trailer:

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