Natal passou, já comemos como
porcos, celebramos com a família, deixamos para trás todos os problemas,
escutamos a piada do “pavê ou pacumê”, comemoramos o nascimento de Jesus ou... Enchemos
a cara, fomos uns filhos da puta hipócritas na ceia de natal, mostramos o dedo
do meio pro espirito natalino e só nos importamos com o presente, realizamos
nossas fantasias sexuais fantasiados de papai (mamãe) Noel, enfim...
A questão é que natal passou, mas o Café
dedicou a semana para o bom velhinho... Que na verdade pode não ser tão bom
assim. Deixe o leitinho na janela, coloque uns biscoitos ao lado da arvore de
natal e reze, reze muito para ter se comportado bem esse ano, porque o senhor
Noel não gosta nem um pouco de pessoas que aprontaram...
Título original: Silent night, Deadly night
Lançamento: 1984 (EUA)
Duração: 85 minutos
Direção: Charles E.
Sellier Jr.
Noite feliz,
noite feliz… NOITE FELIZ O CARALHO!
Depois de ver seus pais serem assassinados, na véspera de
natal, por um homem vestido de Papai Noel, Billy é mandado para um orfanato
católico onde não recebe a assistência necessária para superar suas lembranças.
Quando adulto, todo o sentimento reprimido acaba tomando Billy, que ao colocar
a roupa de Papai Noel torna-se um sádico assassino.
Natal Sangrento pode ser dividido em
três partes: Infância, pré-adolescênciae adolescência. Boa parte do filme
acontece na ultima parte, entretanto as duas primeiras são extremamente
importantes para compreender os traumas e motivações do nosso anti-herói.
Billy é uma criança normal, curioso
e cheio de dúvidas. Depois de escutar seu avô (?) falando que véspera de Natal
é uma noite aterradora ele começa a desconfiar do bom velhinho, quando mais
tarde seus pais são assassinados na sua frente sua imagem do natal passa a ser
construída através dessas imagens.
Crianças comuns são ensinadas que o
natal é época de celebração, ganhar presentes do papai Noel, felicidade, entre
tantas outras coisas legais, entretanto Billy com seus quatro anos aprendeu
sobre o natal de uma maneira nada convencional; enquanto papai Noel pra maioria
das crianças representa brinquedos, para ele representa castigo e morte.
PAPAI NOEL EXISTE SIM!
Logo após a morte dos pais, Billy e
seu irmão vão para o orfanato. Anos mais tarde percebemos que natal ainda é uma
época do ano que o atormenta, sente medo de papai Noel, faz desenhos que
mostram o bom velhinho morto e etc. Entretanto, ao invés de tentarem dar o
suporte necessário para que ele supere o trauma e possa continuar com sua vida
normalmente, ele é reprimido pela madre superiora, que o castiga por não ser
como todas as outras crianças que gostam do natal.
Uma das freiras tenta ajudar o
pequeno Billy e alertar que se nada for feito algum momento o garoto irá perder
o controle, mas a madre superiora que detém o poder se recusa a escutar
qualquer tipo de conselho. Como ela mesma diz: “Se tiver o treinamento
apropriado ele saberá lidar com isso.”
A questão é que o “treinamento
adequado” proposto é o castigar sempre que ele não se comporte como deveria.
Billy fica trancado no quarto enquanto todos os outros brincam, é amarrado na
cama quando tem pesadelos, é obrigado a sentar no colo do papai Noel mesmo
tendo visto a figura do mesmo assassinando seus pais, é punido por coisas que
não fez, entre outras coisas. Ou seja, ao invés de ser ajudado, o orfanato
reprime todas as suas lembranças além de intensificar seu ódio pelo natal. Mas
não é muito estranho esse tipo de atitude vindo de autoridades religiosas, não
é mesmo? É muito mais fácil fazer com que as pessoas acreditem em suas verdades
do que tentar explicar e solucionar os problemas. É mais simples falar que Jesus
vai ajudar do que falar a verdade e se levantar para auxiliar o próximo. É mais
fácil falar que Papai Noel é bonzinho e obrigar a sentar no seu colo do que
tentar tratar do trauma de uma criança que viu seus pais serem assassinados
pelo próprio.
Billy já estava traumatizado, o
orfanato piorou ainda mais suas experiências natalinas e, além disso, o próprio
sexo passou a ter uma imagem negativa. Enquanto assiste sua mãe ser morta, ele
vê o assassino apalpando os peitos de sua mãe e, anos depois no orfanato, ele
vê um casal transando e logo após sendo punidos pela madre superiora. Nosso
protagonista está perdido no meio de diversas coisas que não entende: natal,
sexo, religião, castigo... Isso tudo o deixa confuso e faz com que ele crie a
sua própria concepção de natal: A época em que todos aqueles que aprontaram
durante o ano deverão ser punidos; o Papai Noel seria uma espécie de juiz.
Assim como uma das irmãs previu, uma
hora todos esses sentimentos reprimidos de Billy iriam se libertar... Dito e
feito.
Mas quando fazemos algo mau, somos sempre
descobertos. E depois, somos castigados. O castigo é absoluto. O castigo é
necessário. O Castigo é bom.
Apesar dos natais traumáticos no
orfanato, Billy cresceu aparentemente bem. Entretanto percebemos sua doutrinação
católica influenciada pelo orfanato. Inocente, não bebe, sente-se culpado só de
pensar em sexo, etc. Com seus 16/17 anos consegue emprego no armazém de uma
loja de brinquedos carregando caixas, um emprego simples, mas que parece agradá-lo,
afinal, é uma forma de sair do orfanato e começar a sua vida.
Tudo ia bem até o natal se aproximar
(ainda mais quando se trabalha em uma loja de brinquedo). Billy parece ter
adquirido um autocontrole melhor em relação a assuntos natalinos (talvez por
tudo que tenha passado no orfanato), porém percebemos que mesmo 13 anos após o
incidente o natal ainda é algo mal resolvido para ele. O jovem não deixa de
fazer seu trabalho, mas se sente mal sempre que se aproxima de coisas
natalinas.
Justo nessa época acontece algo
inesperado: a pessoa que trabalharia como Papai Noel na loja quebra e perna e
não há ninguém para substituir, e isso faz com que sobre pra quem?
Sim, isso mesmo. Billy acaba se
fantasiando daquilo que sempre o assombrou para alegrar (ou não) as criancinhas
que vão comprar seus brinquedos na loja. Nem preciso dizer que esse é o momento
“FUDEU” do filme, né?
Tudo parecia correr bem, o nosso
jovem Papai Noel amedrontou escutou os pedidos e tirou fotos com as
criancinhas, a loja faturou com a venda de brinquedos e quase todos pareciam
feliz, mas... A roupa de papai Noel, uns copos de bebida que o chefe faz Billy
beber com ele, frases como “Logo, logo, você vai achar que é o próprio Papai
Noel” ou “Você sabe o que o Papai Noel faz?”, ver um casal próximo ao coito faz
com que Billy encarne o próprio... Mas não o bom velhinho que trás presente e
alegria como conhecemos, mas sim aquele que castiga os pecadores, afinal é
somente esse que ele conhece.
Freud, Jung e Papai Noel
Tendo acompanhado um pouco da vida e
traumas de Billy, podemos fazer uma análise do personagem com base em alguns
conceitos de psicanalise de Freud e Jung. Deixo claro que é uma análise
superficial, afinal, não entendo muito. (Se eu estiver errado podem corrigir,
prometo que não me fantasiarei de Papai Noel e te farei uma visita com um
machado na mão enquanto dorme.)
Falando de maneira breve, Freud
separa o sistema psíquico em três partes. O id, o Ego e o Super Ego. O id seria
a parte na qual existem os instintos básicos, aqueles que não possuem juízo de
valor, ou seja, seria o instinto, o inconsciente, a busca de satisfação sem se
preocupar com as consequências. O Ego seria a “organização do id”, o id
modificado pelo mundo externo, o qual equilibra os instintos primitivos do id e
a realidade. O Ego busca satisfazer o id de modo realista, trazer alivio a
longo prazo e não apenas os impulsos. Já o Super-ego seria o oposto do id,
enquanto o id busca a auto-satisfação o Super-ego preocupa-se em agir de forma
socialmente correta, o sentido de certo, errado e culpa. Além desses três podemos
pensar em outro conceito, estudado por Jung, que se aplica ao personagem do
filme, o Alter-ego, que seria um “outro eu” dentro da mesma pessoa.
-
Ok, você falou, falou e o que esse tal de Fróyd e Jungui tem a ver com papais Noéis
assassinos?
Apesar de ser um filme trash, Natal
Sangrento se destaca quando desenvolve o personagem principal, algo que muitas
vezes é ignorado por vários filmes, que preferem compensar com doses de sangue
a mais. Acompanhamos Billy da sua infância até o inicio da sua fase adulta,
algo que nos permite ter uma melhor compreensão da sua personalidade.
Quando criança, vemos que o id é uma
das “partes” mais presentes em sua psique, ele busca a auto-conservação, não
está preocupado se aquilo é socialmente aceito ou não, ele apenas quer ver-se
livre daquilo. Ao crescer um pouco Billy continua sendo dominado pelo id quando
está sobre pressão, mas logo após o Super-ego toma conta, ele passa a “se auto
punir” pois pensa ter feito algo errado e imoral, como exemplo podemos citar a
passagem na qual o papai vai visitar o orfanato, quando obrigado a sentar em
seu colo Billy acaba socando o nariz do bom velhinho (id), mas logo em seguida
sai correndo para o quarto e começa a chorar de arrependimento (Super-ego).
Quando crescido, parece estar mais equilibrado, mesmo enfrentando aquilo que o
desconforta ele mantem o controle (Ego), pois sabe que é a melhor forma de se
relacionar com a sociedade.
Entretanto, quando coloca a fantasia
de Papai Noel o Alter-ego mostra-se presente. Não quero dizer que já existia um
papai Noel assassino dentro de Billy, mas é inegável dizer que não existia um
sentimento reprimido, relacionado ao natal, dentro dele que poderia explodir a
qualquer hora.
Sendo assim, ao colocar a roupa e
ver certas coisas, todo o sentimento reprimido “liberta-se” e toma conta de
Billy, que deixa de ser ele mesmo e passa ser um “Alter-ego” repleto de traumas
e frustrações, e que se vê obrigado a interpretar o papel de papai Noel que ele
conhece - alguém que pune todos aqueles que pecaram.
Devo deixar de ver o especial de natal do
Roberto Carlos e me fantasiar de papai Noel para castigar os pecadores?
Sim... Mentira, você deve ver o
filme, mas nada de sair matando os safadinhos (as) por ai, afinal, mundo sem
pecadores não teria a mínima graça.
“Silent night, Deadly night” é um
slasher típico, um serial killer que sai por aí fantasiado matando todo mundo
que não se comportou direito. Entretanto, ele se destaca por construir o
personagem, desenvolver sua personalidade e fazer críticas em torno daquilo que
influenciou o mesmo a cometer os crimes (religião, repressão, falta de
assistência...), algo simples que o torna melhor que muitos filmes do gênero
que preferem colocar mortes a mais que história.
A
primeira metade da história é bastante focada na construção do personagem, mas
a segunda se preocupa em dar tudo o que os fãs de terror querem: temos peitinhos
diversidade de mortes e muito sangue (machado, faca, enforcamento, decapitação...),
algo que não pode faltar em um trash que se preze.
Não
podemos deixar de citar as qualidades técnicas também: fotografia muito bem
feita para o tipo de filme, closes, flashback e cenas quase sempre bem
colocadas. A trilha sonora é algo que chama muito a atenção, consegue mesclar
musicas natalinas com cenas de violência ou até mesmo tornar as músicas
natalinas sombrias. Não digo que o filme é um primor técnico, mas considerando
slashers, ele está um passo a frente.
Natal
sangrento é um filme obrigatório para qualquer fã do gênero, ainda mais em
épocas natalinas. Assista!
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