Zumbis! Revólveres! Sustos!
Fugas! Apocalipse! Humor!
Cascão! Chico Bento! Distrito
Federal!
Não, não estamos falando de um apocalipse
zumbi qualquer.
Se você estava crente que o fim do mundo
começaria lá nos países desenvolvidos, pode tirar seu jumentinho da garoa, pois
com tantos políticos desonestos, policiais corruptos, miséria e exploração que
temos aqui, você ainda acha que a desgraça ia preferir aparecer por lá?
Título
original: A capital
dos mortos - O começo do fim
Lançamento: 2008 (Brasil)
Duração: 87 minutos
Direção: Tiago Belotti
Lançamento: 2008 (Brasil)
Duração: 87 minutos
Direção: Tiago Belotti
A capital dos mortos
Incredulidade na terra de
santa cruz
Antes
de partirmos propriamente para a resenha eu gostaria de compartilhar uma
inquietação. Quando fui resenhar “A capital dos mortos” pensei, primeiramente,
em atenuar as críticas e ser bem condescendente com o filme, já que o cinema
brasileiro é pouco conhecido e bem menosprezado. Eu cria que assim estaria
contribuindo para o cinema daqui, minimizando seus problemas e fazendo com que
fosse divulgado com uma imagem melhor. Porém, leitor, como você deve ter
percebido, essas frases estão no passado. Não penso mais assim.
Creio
que eu mesmo, embora já tendo em mente o conceito de “complexo de vira-lata” (veja o texto anterior), estava imerso
nas relações que ele expressa, pois, ao ser condescendente com o filme pelo
simples fato de ser nacional e independente, estava incorrendo na mesma
discriminação de quem olha com nojo para a cultura tupiniquim. Se eu não
avaliasse um filme nacional com o mesmo rigor que me valho com os estrangeiros,
não estaria sendo justo com meu país, pois continuaria o tratando como se fosse
um deficiente que precisa de ajuda pra “chegar lá”.
Não
acredito que sejamos inferiores, que precisemos de uma mãozinha. Já “chegamos
lá” há muito tempo, se é que se pode dizer isso. Machado, José Mojica, Milton
Santos, Oswaldo Porchat - nomes que todos deveriam conhecer - estão aí para
mostrar que o Brasil não é menor que nenhum povo, e que temos todas as
condições para produzir o que há de melhor na humanidade aqui mesmo nos
trópicos.
Portanto,
pretendo tratar “A capital dos mortos” como trataria “A geladeira diabólica”, “O dia da besta” ou qualquer outro que já passou por aqui: como uma obra de
cinema e não como “um filme nacional”.
Dito
isso, vamos a ele!
Mortos-vivos no distrito
federal
“Brasília tem centros
comerciais
Muitos porteiros e pessoas
normais
As luzes iluminam; os
carros só passam
A morte traz vida e as
baratas se arrastam”
(Brasília, Plebe
rude)
Um grupo de pessoas busca sobreviver
a um apocalipse zumbi e... Bem, vocês já sabem o resto!
Feijão com arroz e presunto
podre
Como vocês podem ver, “A capital dos
mortos” tem uma premissa básica igual a todas aquelas dos filmes pós “A noite dos mortos vivos”, algo que, se
bem me lembro, nunca foi empecilho aos bons filmes, ou, ao menos, aos bons
trashs. E assim como tantos desses, ele incorpora o tosco no seu formato, sendo
bem engraçado e interessante, sobretudo pelas possibilidades que engendra.
Contudo, a despeito disso, “A capital dos mortos” apresenta certos problemas
que atrapalham seu andamento e poderiam ter sido evitados com alguns
apontamentos aqui e ali, afinal, o cinema trash não precisa ser exatamente
ruim, basta ter má qualidade.
No todo, trata-se de um filme que abre
muitas possibilidades legais, tem diversos momentos muitos bons, mas que em
certos aspectos poderia ter sido melhor.
Agora vamos aos detalhes...
Não acredito em zumbis
Basicamente, “A capital dos mortos” narra
à história de Lucas, um jovem ocioso sem muita coisa na cabeça, e sua tentativa
de sobreviver junto a outras pessoas a um ataque de zumbis em Brasília. O
desenrolar dessa coisa toda segue o que convencionalmente ocorre nos filmes do
gênero: alguns personagens morrem, outros se descobrem infectados, mata-se um
monte de zumbis, corre-se bastante, alguém se sacrifica e assim por diante.
Enfim, nada fora do comum.
Porém, apesar disso, é possível notar
que, intencionalmente ou não, a obra dá destaque para algo bem pouco explorado
em filmes desse gênero: a questão da incredulidade. O que quero dizer com isso?
Assim ó: imagine que comecem a surgir no nosso mundo rumores sobre zumbis.
Depois, supunha que os rumores se tornem cada vez mais frequentes, que certas
evidências passem a surgir, como pessoas assassinadas, vídeos esquisitos, entre
outras coisas. Dito isso, pergunto: a partir de que ponto precisamente você
iria passar a crer que existem zumbis? Quando um deles tentasse te morder?
Quando os rumores crescessem demais? Ou nunca acreditaria?
Pondo de modo claro: o que garante que
sua crença na inexistência de zumbis é mesmo tão confiável? Inclusive, devo
ressaltar que essa é uma aposta alta, pois se você estiver errado ao ser
incrédulo e zumbis realmente existirem, provavelmente irá morrer antes que
possa dizer: “Puxa, não é que existe mesmo?”.
No fundo, a questão é a seguinte: por que
o seu senso comum sobre o que é o mundo é tão inabalável que mesmo um monte de
informações que sejam contrárias a ele não te convence? Você é tão sábio assim,
ó magnânimo leitor?
Claro que não é. Se fosse, o que estaria
fazendo aqui?
*
De algum modo parece que nossas crenças
mais básicas - o chão está firme, unicórnio são fábulas - não estão em disputa.
Com isso, quando algo surge para atingi-las, nós duvidamos não dessas crenças,
mas daquilo que as questiona. Trata-se de algo normal, obviamente, posto que se
a cada nova crítica, cada nova informação, nós mudássemos nossas opiniões, a vida
seria uma droga (não que não seja). Todavia, muitas crenças que temos como
pétreas são, na verdade, bem discutíveis, de maneira que o conservadorismo pode
nos resguardar de mudanças bem vindas. Por sinal, no filme isso é mostrado de
um modo supimpa: os personagens duvidam de zumbis mesmo quando tem um passeando
no quintal de casa. Mesmo a evidência gritante, babando sangue e com garras de
fora não os convence. O problema é óbvio: zumbis realmente existem. A
incredulidade é algo ruim para os personagens, que podem morrer antes de
perceber que a ameaça é real.
Qualquer pessoa razoável sabe que o senso
comum é um menino levado e não costuma ser muito confiável. Se por um lado pode
parecer razoável duvidar de algumas coisas com base em nossas crenças mais imediatas,
por outro elas, em muitos casos, se mostram insuficientes para julgar a verdade
das coisas. Na obra, somente quando os personagens assumem que estão lidando
com zumbis - algo incompatível com o que criam até então - é que podem
encontrar melhores soluções para lidar com o problema, podendo se perguntar,
por exemplo, como é que se mata um zumbi, o que sabemos sobre eles, etc.
Abandonar o senso comum de vez em quando
pode ser uma ótima ideia.
Aspectos técnicos
“A capital dos mortos” tem vários acertos
técnicos que valem à pena ressaltar.
A maquiagem dos zumbis, por exemplo, fica
bem bacana mesmo sendo bem simples. Em certas cenas são mostrados um bando
enorme de mortos-vivos, algo que deve ter dado um trabalhão para ser filmado e
pensado.
Ademais, a trilha sonora acerta na
escolha das músicas, tendo canções bem legais (algumas outras nem tanto) para
embalar as idas e vindas dos personagens por Brasília, entretanto, falha no
modo como dispõe a música segundo a ordem das cenas. Em certo momento, por
exemplo, passamos de uma sequencia lenta com rock mega pesado oprimindo nossas
almas, para, logo em seguida, mudarmos para a “Sonata ao luar” abruptamente. O mesmo se dá também na mudança de
uma cena para outra, com trocas rápidas e inesperadas, que surgem, às vezes,
como defeito, às vezes, como recurso. Desnecessário dizer, mas nos dois casos o
choque faz com que o telespectador seja jogado para fora da história.
Pequenos erros desse tipo se acumulam no
decorrer da obra e poderiam ser facilmente corrigidos, de maneira a não quebrar
a concentração do telespectador. Eles se misturam com os acertos de uma maneira
não muito harmônica. Melhor dizendo, há cenas que são muito boas (como aquela
em que um pé é jogado para cima), enquanto outras poderiam ter sido subtraídas
sem que sentíssemos falta delas (não, não estou falando das lésbicas, elas
podem ficar).
Penso que a única falha que realmente não
deveria estar lá é a indefinição do filme quanto ao tipo de proposta que
apresenta. Em muitos momentos parece que “A capital dos mortos” tenta ser um
filme sério, com horror psicológico e tudo o mais; no entanto, em outros, isso
é esquecido e se adota o tosco, o descabido como diretiva para as cenas,
fazendo com que fiquemos um pouco perdidos. A meu ver, esse é o maior problema
da obra, pois o trash não depende da qualidade da obra para ser bom, mas do
tipo de proposta que leva aos telespectadores. Sem ela, teremos somente um
filme ruim, e é isso que, por vezes, “A capital dos mortos” se arrisca a ser.
Devu ir pra capitar?
“A capital dos mortos” faz um cinema um
tanto verde, não exatamente amador, no qual podemos perceber os dedos e olhos
do diretor por detrás da câmera, algo que, para o tipo de filme em questão, faz
todo o sentido. Ele, contudo, comete vários pequenos errinhos que não
atrapalham tudo, porém fazem o filme menor do que poderia.
Com ele são abertas muitas possibilidades
ao se utilizar dos elementos nacionais para compor seu cenário e personagens. O
hilariante diálogo “Cascão e Chico Bento” mostra que é possível sim se
apropriar do que temos aqui no país para produzir filmes de terror, trashs, de
zumbis, o que for, aqui mesmo no Brasil-zil.
Se você quer saber se deve vê-lo ou não,
aconselho que siga uma frase li num fórum sobre o filme: “tenho que assistir
essa merda”.
Trailer
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