sábado, 27 de outubro de 2012

Resenha: A capital dos mortos


Zumbis! Revólveres! Sustos!
            Fugas! Apocalipse! Humor!
            Cascão! Chico Bento! Distrito Federal!
Não, não estamos falando de um apocalipse zumbi qualquer.
Se você estava crente que o fim do mundo começaria lá nos países desenvolvidos, pode tirar seu jumentinho da garoa, pois com tantos políticos desonestos, policiais corruptos, miséria e exploração que temos aqui, você ainda acha que a desgraça ia preferir aparecer por lá? 





Título original: A capital dos mortos - O começo do fim
Lançamento: 2008 (Brasil)
Duração: 87 minutos
Direção: Tiago Belotti
 
 
 
A capital dos mortos
Incredulidade na terra de santa cruz


Antes de partirmos propriamente para a resenha eu gostaria de compartilhar uma inquietação. Quando fui resenhar “A capital dos mortos” pensei, primeiramente, em atenuar as críticas e ser bem condescendente com o filme, já que o cinema brasileiro é pouco conhecido e bem menosprezado. Eu cria que assim estaria contribuindo para o cinema daqui, minimizando seus problemas e fazendo com que fosse divulgado com uma imagem melhor. Porém, leitor, como você deve ter percebido, essas frases estão no passado. Não penso mais assim.
Creio que eu mesmo, embora já tendo em mente o conceito de “complexo de vira-lata” (veja o texto anterior), estava imerso nas relações que ele expressa, pois, ao ser condescendente com o filme pelo simples fato de ser nacional e independente, estava incorrendo na mesma discriminação de quem olha com nojo para a cultura tupiniquim. Se eu não avaliasse um filme nacional com o mesmo rigor que me valho com os estrangeiros, não estaria sendo justo com meu país, pois continuaria o tratando como se fosse um deficiente que precisa de ajuda pra “chegar lá”.
Não acredito que sejamos inferiores, que precisemos de uma mãozinha. Já “chegamos lá” há muito tempo, se é que se pode dizer isso. Machado, José Mojica, Milton Santos, Oswaldo Porchat - nomes que todos deveriam conhecer - estão aí para mostrar que o Brasil não é menor que nenhum povo, e que temos todas as condições para produzir o que há de melhor na humanidade aqui mesmo nos trópicos.
Portanto, pretendo tratar “A capital dos mortos” como trataria “A geladeira diabólica”, “O dia da besta” ou qualquer outro que já passou por aqui: como uma obra de cinema e não como “um filme nacional”.
Dito isso, vamos a ele!

Mortos-vivos no distrito federal

“Brasília tem centros comerciais
Muitos porteiros e pessoas normais
As luzes iluminam; os carros só passam
A morte traz vida e as baratas se arrastam”
(Brasília, Plebe rude)
            Um grupo de pessoas busca sobreviver a um apocalipse zumbi e... Bem, vocês já sabem o resto!

Feijão com arroz e presunto podre

Como vocês podem ver, “A capital dos mortos” tem uma premissa básica igual a todas aquelas dos filmes pós “A noite dos mortos vivos”, algo que, se bem me lembro, nunca foi empecilho aos bons filmes, ou, ao menos, aos bons trashs. E assim como tantos desses, ele incorpora o tosco no seu formato, sendo bem engraçado e interessante, sobretudo pelas possibilidades que engendra. Contudo, a despeito disso, “A capital dos mortos” apresenta certos problemas que atrapalham seu andamento e poderiam ter sido evitados com alguns apontamentos aqui e ali, afinal, o cinema trash não precisa ser exatamente ruim, basta ter má qualidade.
No todo, trata-se de um filme que abre muitas possibilidades legais, tem diversos momentos muitos bons, mas que em certos aspectos poderia ter sido melhor.
Agora vamos aos detalhes...

Não acredito em zumbis

Basicamente, “A capital dos mortos” narra à história de Lucas, um jovem ocioso sem muita coisa na cabeça, e sua tentativa de sobreviver junto a outras pessoas a um ataque de zumbis em Brasília. O desenrolar dessa coisa toda segue o que convencionalmente ocorre nos filmes do gênero: alguns personagens morrem, outros se descobrem infectados, mata-se um monte de zumbis, corre-se bastante, alguém se sacrifica e assim por diante. Enfim, nada fora do comum.
Porém, apesar disso, é possível notar que, intencionalmente ou não, a obra dá destaque para algo bem pouco explorado em filmes desse gênero: a questão da incredulidade. O que quero dizer com isso? Assim ó: imagine que comecem a surgir no nosso mundo rumores sobre zumbis. Depois, supunha que os rumores se tornem cada vez mais frequentes, que certas evidências passem a surgir, como pessoas assassinadas, vídeos esquisitos, entre outras coisas. Dito isso, pergunto: a partir de que ponto precisamente você iria passar a crer que existem zumbis? Quando um deles tentasse te morder? Quando os rumores crescessem demais? Ou nunca acreditaria?
Pondo de modo claro: o que garante que sua crença na inexistência de zumbis é mesmo tão confiável? Inclusive, devo ressaltar que essa é uma aposta alta, pois se você estiver errado ao ser incrédulo e zumbis realmente existirem, provavelmente irá morrer antes que possa dizer: “Puxa, não é que existe mesmo?”.
No fundo, a questão é a seguinte: por que o seu senso comum sobre o que é o mundo é tão inabalável que mesmo um monte de informações que sejam contrárias a ele não te convence? Você é tão sábio assim, ó magnânimo leitor?
Claro que não é. Se fosse, o que estaria fazendo aqui?

*

De algum modo parece que nossas crenças mais básicas - o chão está firme, unicórnio são fábulas - não estão em disputa. Com isso, quando algo surge para atingi-las, nós duvidamos não dessas crenças, mas daquilo que as questiona. Trata-se de algo normal, obviamente, posto que se a cada nova crítica, cada nova informação, nós mudássemos nossas opiniões, a vida seria uma droga (não que não seja). Todavia, muitas crenças que temos como pétreas são, na verdade, bem discutíveis, de maneira que o conservadorismo pode nos resguardar de mudanças bem vindas. Por sinal, no filme isso é mostrado de um modo supimpa: os personagens duvidam de zumbis mesmo quando tem um passeando no quintal de casa. Mesmo a evidência gritante, babando sangue e com garras de fora não os convence. O problema é óbvio: zumbis realmente existem. A incredulidade é algo ruim para os personagens, que podem morrer antes de perceber que a ameaça é real.
Qualquer pessoa razoável sabe que o senso comum é um menino levado e não costuma ser muito confiável. Se por um lado pode parecer razoável duvidar de algumas coisas com base em nossas crenças mais imediatas, por outro elas, em muitos casos, se mostram insuficientes para julgar a verdade das coisas. Na obra, somente quando os personagens assumem que estão lidando com zumbis - algo incompatível com o que criam até então - é que podem encontrar melhores soluções para lidar com o problema, podendo se perguntar, por exemplo, como é que se mata um zumbi, o que sabemos sobre eles, etc.
Abandonar o senso comum de vez em quando pode ser uma ótima ideia.

Aspectos técnicos

“A capital dos mortos” tem vários acertos técnicos que valem à pena ressaltar.
A maquiagem dos zumbis, por exemplo, fica bem bacana mesmo sendo bem simples. Em certas cenas são mostrados um bando enorme de mortos-vivos, algo que deve ter dado um trabalhão para ser filmado e pensado.
Ademais, a trilha sonora acerta na escolha das músicas, tendo canções bem legais (algumas outras nem tanto) para embalar as idas e vindas dos personagens por Brasília, entretanto, falha no modo como dispõe a música segundo a ordem das cenas. Em certo momento, por exemplo, passamos de uma sequencia lenta com rock mega pesado oprimindo nossas almas, para, logo em seguida, mudarmos para a “Sonata ao luar” abruptamente. O mesmo se dá também na mudança de uma cena para outra, com trocas rápidas e inesperadas, que surgem, às vezes, como defeito, às vezes, como recurso. Desnecessário dizer, mas nos dois casos o choque faz com que o telespectador seja jogado para fora da história.
Pequenos erros desse tipo se acumulam no decorrer da obra e poderiam ser facilmente corrigidos, de maneira a não quebrar a concentração do telespectador. Eles se misturam com os acertos de uma maneira não muito harmônica. Melhor dizendo, há cenas que são muito boas (como aquela em que um pé é jogado para cima), enquanto outras poderiam ter sido subtraídas sem que sentíssemos falta delas (não, não estou falando das lésbicas, elas podem ficar).
Penso que a única falha que realmente não deveria estar lá é a indefinição do filme quanto ao tipo de proposta que apresenta. Em muitos momentos parece que “A capital dos mortos” tenta ser um filme sério, com horror psicológico e tudo o mais; no entanto, em outros, isso é esquecido e se adota o tosco, o descabido como diretiva para as cenas, fazendo com que fiquemos um pouco perdidos. A meu ver, esse é o maior problema da obra, pois o trash não depende da qualidade da obra para ser bom, mas do tipo de proposta que leva aos telespectadores. Sem ela, teremos somente um filme ruim, e é isso que, por vezes, “A capital dos mortos” se arrisca a ser.

Devu ir pra capitar?

“A capital dos mortos” faz um cinema um tanto verde, não exatamente amador, no qual podemos perceber os dedos e olhos do diretor por detrás da câmera, algo que, para o tipo de filme em questão, faz todo o sentido. Ele, contudo, comete vários pequenos errinhos que não atrapalham tudo, porém fazem o filme menor do que poderia.
Com ele são abertas muitas possibilidades ao se utilizar dos elementos nacionais para compor seu cenário e personagens. O hilariante diálogo “Cascão e Chico Bento” mostra que é possível sim se apropriar do que temos aqui no país para produzir filmes de terror, trashs, de zumbis, o que for, aqui mesmo no Brasil-zil.
Se você quer saber se deve vê-lo ou não, aconselho que siga uma frase li num fórum sobre o filme: “tenho que assistir essa merda”.

Trailer

Nenhum comentário:

Postar um comentário