quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Conselhos à namorada de um canibal


            Dando início a mais uma semana, a um novo tema, a bizarrices diferentes do que vimos até aqui, o Café com Tripas põe ensanguentado, descarnado e nu o tema desta semana, a saber, o pavoroso, o nojento, o temível... Ele: o canibalismo.
E se você, leitor carnudo, torceu esse seu narizinho suculento antes de ler o texto que segue, acabará mantendo seus preconceitos bobos em vez de notar que vários hábitos tidos como “bárbaros” podem não ser assim tão horrendos quando pomos um ou dois pezinhos fora de nossa cultura.
“Conselho à namorada de um canibal” é uma crônica de Felipe Holloway, mais um desses escritores interessantíssimos situados à margem do reconhecimento e que ninguém entende bem como é que ele foi parar ali. Em compensação, enquanto a situação não muda, ao menos aqui no Café você pode relaxar, banquetear-se nesses textos incomuns e aproveitar o prazer de ler algo precioso e raro. Assim, só uma coisa me resta dizer: deguste!


Conselhos à namorada de um canibal
 
- Certifique-se de quem será o prato, quando ele te convidar para jantar.
- Diga que seu pai é ortopedista, e notará se você chegar em casa faltando uma perna, por exemplo.
- Evite perfumes que realcem o seu valor nutritivo, como orégano e azeite de oliva.
- Se possível, faça um regime. Isto irá desencorajá-lo pelo argumento de que você não vale o preço do carvão.
- No fim do churrasco entre amigos, conte todos, os seus e os dele.
- Ainda sobre churrascos, não seja paranóica: às vezes uma lingüiça é apenas uma lingüiça.
- Evite símiles anatômicos sugestivos, como batata da perna, maçãs do rosto etc.
- Desconfie se o vinho na geladeira coagular.
- Quando te perguntarem onde está o lóbulo de sua orelha direita, responda com naturalidade: lepra.
- Se você encontrar, no cesto de lixo da cozinha dele, uma ponta de dedo humano cuja unha fora pintada de vermelho, alivie-se pensando que a dona daquela mão devia ser comunista, mesmo.
- Caso ele proponha o pacto de suicídio, não fique preocupada por ser a primeira a beber o cálice de cicuta. Ele é canibal, não necrófilo.
- Evite verbos gastronômicos para se referir ao ato sexual.
- Use enxertos de pele para esconder os chupões do cinema.
- Não se iluda, o vermelho na cueca não é batom.
- Se ele sair espalhando por aí que já te comeu, apareça em público para desmenti-lo. “Viram? Foi só o lóbulo direito.”
- Em caso de traição, pelo menos você poderá dizer “me trocou por um par de pernas” com alguma literalidade.
Se tudo o mais falhar, mantenha a calma. Você só precisa temer o dia em que ele começar a mexer a água de sua banheira com uma colher de pau. Porque, nesse caso, o jeito será terminar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário