Dando início a mais uma semana, a um novo tema, a bizarrices
diferentes do que vimos até aqui, o Café com Tripas põe
ensanguentado, descarnado e nu o tema desta semana, a saber, o pavoroso, o
nojento, o temível... Ele: o canibalismo.
E se você, leitor carnudo,
torceu esse seu narizinho suculento antes de ler o texto que segue, acabará
mantendo seus preconceitos bobos em vez de notar que vários hábitos tidos como “bárbaros”
podem não ser assim tão horrendos quando pomos um ou dois pezinhos fora de
nossa cultura.
“Conselho à namorada de
um canibal” é uma crônica de Felipe Holloway, mais um desses escritores interessantíssimos
situados à margem do reconhecimento e que ninguém entende bem como é que ele
foi parar ali. Em compensação, enquanto a situação não muda, ao menos aqui no Café você
pode relaxar, banquetear-se nesses textos incomuns e aproveitar o prazer de ler
algo precioso e raro. Assim, só uma coisa me resta dizer: deguste!
Conselhos à namorada de
um canibal
- Certifique-se de quem
será o prato, quando ele te convidar para jantar.
- Diga que seu pai é
ortopedista, e notará se você chegar em casa faltando uma perna, por exemplo.
- Evite perfumes que
realcem o seu valor nutritivo, como orégano e azeite de oliva.
- Se possível, faça um
regime. Isto irá desencorajá-lo pelo argumento de que você não vale o preço do
carvão.
- No fim do churrasco
entre amigos, conte todos, os seus e os dele.
- Ainda sobre churrascos,
não seja paranóica: às vezes uma lingüiça é apenas uma lingüiça.
- Evite símiles
anatômicos sugestivos, como batata da perna, maçãs do rosto etc.
- Desconfie se o vinho na
geladeira coagular.
- Quando te perguntarem
onde está o lóbulo de sua orelha direita, responda com naturalidade: lepra.
- Se você encontrar, no
cesto de lixo da cozinha dele, uma ponta de dedo humano cuja unha fora pintada
de vermelho, alivie-se pensando que a dona daquela mão devia ser comunista,
mesmo.
- Caso ele proponha o
pacto de suicídio, não fique preocupada por ser a primeira a beber o cálice de
cicuta. Ele é canibal, não necrófilo.
- Evite verbos
gastronômicos para se referir ao ato sexual.
- Use enxertos de pele
para esconder os chupões do cinema.
- Não se iluda, o
vermelho na cueca não é batom.
- Se ele sair espalhando
por aí que já te comeu, apareça em público para desmenti-lo. “Viram? Foi só o
lóbulo direito.”
- Em caso de traição, pelo
menos você poderá dizer “me trocou por um par de pernas” com alguma
literalidade.
Se tudo o mais falhar,
mantenha a calma. Você só precisa temer o dia em que ele começar a mexer a água
de sua banheira com uma colher de pau. Porque, nesse caso, o jeito será
terminar.
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