Faz um tempinho que não temos aqui no Café
um filminho fora da lingua inglesa. Com isso, antes que entupamos nossas veias com
gordura purulenta dos hambúrgueres, deixemos esse tipo de alimento para mais
tarde e peguemos nossos palitinhos; vamos degustar uma iguaria oriental.
E qual é o prato de hoje? Bom, ele é feito de pedaços de cadáver, litros e litros de
sangue, vampiros, cientistas malucos, mentes doentias, orientais lindas e uns
temperos exóticos para dar cor e cheiro. Chama-se “Garota vampira versus garota
Frankenstein”. Quer experimentar?
Título original: Kiûketsu Shôjo tai Shôjo Furanken
Lançamento: 2009 (Japão)
Duração: 84 minutos
Direção: Naoyuki Tomomatsu e Yoshihiro Nishimura
Duração: 84 minutos
Direção: Naoyuki Tomomatsu e Yoshihiro Nishimura
Garota vampira versus garota Frankestein
Bizarro à maneira oriental
Preciso
fazer duas notinhas antes partirmos para o filme. Esperem um pouco.
Primeiramente,
um dos maiores problemas de se abordar um filme japonês - e mais, um filme
trash - é que as referências culturais dessa nação são bastante difíceis de captar (duvida?).
Para nós, pobres brasileiros esquecidos do outro lado do mundo, abaixo da linha
do equador e do desenvolvimento, entender todos os detalhes que um filme de uma
cultura tão distante contém é algo deveras complicado. Assim, aviso desde já
que dos nipônicos eu só conheço em primeira mão os Cavaleiros do Zodíaco e o
Yakult; todo o restante me é um mistério. Por isso não vá se acanhar se quiser me
chamar de estúpido e apontar essas referências. É um favor que você me faz.
Por
fim, “Vampire girl” não é um filme profundo ou tem qualquer grande temática por
detrás. Aliás, ao contrário da maioria dos filmes resenhados aqui no Café,
que, em sua maioria, possibilitam abordar temas específicos mesmo não os
aprofundando, o filme de hoje não se presta sequer a isso. Ele é pura
superfície. Portanto, vou tentar olhar para os movimentos internos da obra tanto
quanto possível, sem mentir e inventar coisas que não estão contidas na obra.
Um herói, duas vilãs
Mizushima
é um jovem colegial desinteressante e sem personalidade que é transformado em
vampiro por sua nova namorada. Mais tarde, seu antigo amor descobre o fato e confronta
ambos, mas acaba por morrer num acidente. O corpo da moça é usado nos
experimentos de um cientista louco que a ressuscita como um monstro. Um monstro
ciumento e vingativo.
Competição
A
história de “Vampire girl” é bem simples: duas garotas insanas competem pelo
amor de um rapaz e, não aceitando dividi-lo, decidem duelar até a morte para
ver quem ficará com ele. Digo “competem pelo amor”, mas, na verdade, elas
competem mesmo é pela posse do rapaz. Todo o tempo Mizushima é tratado não como
uma pessoa que deva ser conquistada e respeitada, mas como um tipo de objeto com
o qual a vitória presenteia o vencedor. O rapaz sequer apresenta personalidade
própria, sendo levando de um lado para o outro pelas intempéries do filme até
os momentos em que a situação lhe exige dramaticamente uma atitude, aí (e só aí)
é que ele age. Um bunda mole.
Além
dessa trama romântica vemos também a descrição de alguns outros personagens
que, se num primeiro momento parecem compor a história, mais tarde se mostram
apenas coadjuvantes menores que só servem para dar elementos para a história
principal. Porém, se você pensa que o triângulo amoroso é que é a tônica do
filme, e que está prestes a assistir um filme sobre amor, está completamente
enganado. “Vampire Girl” não é sobre amor, tampouco sobre ódio. É sobre...
Sangue, sangue e mais sangue...
É
isso mesmo e não se iluda. Jogue as rosas no lixo, saiba que os bombons foram
recheados com sangue e que as declarações de amor nós substituímos por gritos
de pavor. De verdade, tem tanto sangue jorrando no filme que faz com que o
Tarantino pareça um diretor da Disney. A maior parte do filme busca mostrar o
embate entre a garota monstro versus a garota vampira e a maneira escabrosa
como ele se desenvolve, lançando tinta vermelha para todo lado e espalhando
vísceras na parede.
Aliás,
esteticamente o filme é lindo, ele conflui muito para aproveitar a violência de
um modo idealizado, elevada a certo patamar de deleite. O que isso quer dizer?
Basicamente, que o filme faz com que, por meio de seus efeitos, a violência se
torne um objeto de apreciação, isto é, passamos a gostar de ver pessoas sendo
despedaçadas por conta da maneira como isso é mostrado no filme. Como bem
sabemos, não é algo muito original. Rambo e tantos outros fizeram milhões em cima
disso e o cinema posterior seguiu essa vereda sem pestanejar. Porém, o que “Vampire
girl” traz de interessar é justamente apelar para um tipo ultraviolência
chocante que faz com que, ao invés de apreciarmos a violência, passemos a
rejeitá-la mesmo quando ela é estilizada para parecer atrativa. Podemos com
isso nos perguntar coisas absolutamente idiotas e necessárias: afinal, se não
gosto de apanhar, se não quero ver meus parentes sendo mortos, se não quero um
mundo violento, por que gosto tanto da violência na tv? Por que levo meus
filhos para ver “Thor”? Por que meus heróis frequentemente vencem pela
agressão, pela desobediência as normas sociais e não por soluções pacíficas? Inclusive,
convém também perguntar, leitores, por que Tarantino é tão divertido?
Ciúmes
Se grande parte do filme se debruça sobre o confronto
entre duas garotas brigando pelo “amor” de um rapaz, podemos nos perguntar sobre
os motivos desse conflito ao invés de simplesmente analisá-lo. Inicialmente, podemos
ser levados a crer que tudo se resume a um conflito de interesses: Mizushima é
só um bobão disputado pelas duas moças que, num estado de intenso ciúme,
decidem brigar por ele. Contudo, não parece que essa hipótese seja adequada
para a interpretação da história. Uma pessoa não é simplesmente do interesse de
outra, ao menos, não normalmente. As pessoas se ligam umas as outras por meio
de sentimentos e não só de interesses práticos. Por isso, as personagens passam
a se confrontar não meramente porque tem interesse no rapaz e não podem dividi-lo,
mas porque tem sentimentos envolvidos na relação com ele, de maneira que a
existência de duas amantes complica esses sentimentos. Que sentimento são esses?
Poderíamos dizer amor, mas não se trata de um filme romântico. Se as garotas
amam ou não o protagonista, isso não parece ser muito relevante para o conflito
que tem entre si. Fiquemos então com o ciúme. Esse sim é importante.
Pois
bem, e o que vem a ser esse ciúme causador de massacres? Uma opinião bastante natural
apontaria esse sentimento como sendo um tipo desejo de posse no qual o desejado
é tido como um objeto que deve pertencer unicamente a uma pessoa. Exemplificando,
conforme as personagens encaram o protagonista como algo que possuir, não
conseguem conviver entre si uma vez que ele passa a ser propriedade das duas.
Foi
essa interpretação que expus no princípio do texto.
Todavia,
podemos encarar de outra forma, por uma ótica menos comum. Pensemos no ciúme
não como desejo de possuir, mas como um sentimento de exclusão de uma situação
ou sentimento, ou seja, não é que o ciumento deseje ter seu amado tal qual um
objeto, possuindo-o, mas que se sinta excluído de uma situação a qual seu amado
compartilha com alguém, melhor dizendo, seu amor tem algo com alguém que você
não pode ter. Com efeito, podemos perceber que a maioria dos ciumentos tem
problemas de autoestima, estendendo sua fraqueza às relações que mantém. Ao se
sentir menor, inferior, o ciumento se crê fora dos sentimentos e das relações
importantes que o amado mantém com as pessoas. Para remediar isso, porém, ele
não tentará se incluir nessas relações e se tornar importante - afinal, ele é
um fraco (ou se vê assim) e não acredita ter forças para isso -, porém buscará
fazer com que seu amado não mantenha relações intensas com os outros. Ele
achará que está tentando possuir o outro, no entanto, estará apenas tentando
impedir que ele tenha algo com outras pessoas da qual não possa compartilhar.
Devo me transformar num vampiro, frankestein ou monstro
bizarro do tipo?
Não.
Embora o filme tenha suas virtudes – a trilha sonora, por exemplo, é fantástica, pois muda completamente o sentido das cenas e dá uma ótica inesperada a elas – ele é profundamente bizarro. Não vale, pois, uma indicação do Café a menos que você tenha muito apreço pelo gore.
Para
encerrar de vez, devo alertar todos os possíveis telespectadores que criei com
esta resenha: essa é uma obra... Doentia.
Muito doentia. É sério. É sério mesmo.
Doentia. Anotou? Vou repetir: doentia.
Há várias cenas que facilmente constrangem quem vê não
só pela violência gráfica, no entanto, sobretudo, pelas alusões feitas na história.
Obviamente, não vou expor os absurdos do filme aqui tentando chocar vocês,
leitores, afinal, este é um blog de família (hahaha). Porém, caso queiram ver o
filme, levem em consideração a opinião deste pobre blogueiro: a coisa é doentia.
Trailer
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