sábado, 21 de julho de 2012

Resenha: Do além (From beyond)


            Então você leu “Descartes e a glândula pineal” e acha que sabe tudo sobre alma, corpo e espíritos, não é? Pois se prepare leitor, pois com pouca (ou nenhuma) filosofia os filmes trash estão aí para nos dizer que não, nós não vimos de tudo e sempre haverá algo novo e bizarro te esperando atrás duma porta fechada. Abra-a agora com “Do além”.




Título original: From beyond
Lançamento: 1986 (EUA)
Duração: 86 minutos
Direção: Stuart Gordon





Parente de “Re-animator” (fruto do mesmo diretor e elenco) e baseado num conto homônimo de Lovecraft, “Do além” é um filme bizarro. Se por sua sinopse esperaríamos um algo inteligente com pitadas de loucura, assistindo-o tomamos contato com uma obra estranha que ao mesmo tempo em que suscita discussões diversas, parece não estar assim tão preocupada com isso, satisfazendo-se mais em nos chocar a cada cena do que levantar questões e defender um ponto de vista. Ao fim não sabemos bem se fomos enganados ou provocados, talvez ambos, talvez nenhum.

Qual é a ideia?


            Dois cientistas trabalhavam numa máquina de estimular a glândula pineal, o “ressonator”, permitindo aos seres humanos alcançar outra dimensão. O experimento produz um acidente no qual um deles morre e o outro, Dr. Crawford, acaba sendo internado num hospício. Tempos depois a psiquiatra Katherine Michaels decide levá-lo novamente à máquina e testar a validade do experimento.

Penso, logo existo.

            Como os leitores do Café bem sabem, essa história toda de glândula pineal ganha força com René Descartes lá na França Moderna, seguindo adiante com aqueles que tinham algum tipo de concordância com a ideia de separação corpo e mente. A glândula seria o local onde, no corpo humano, haveria maior influência da alma. Porém, não é preciso ver mais que dez minutos de filme para perceber que não estamos no âmbito das provas lógicas e das discussões profundas. Embora o filme suscite várias coisas interessantes, ele não deixa de ser uma obra que tenta atingir o leitor mais pelo estômago que pela cabeça. Como assim? Olhe isso aqui e me diga que seu bucho não tremeu:


            Além de explorar certas questões “mentais” - como o que haveria por detrás da restrita percepção humana, a glândula pineal, e coisas outras - o filme tange a muitos assuntos diferentes, como a ética na ciência, os perigos de levarmos o desejo de transcendência aos limites e outros; abordando-os conforme conta às desventuras de Crawford e Katherine ao lidarem com os efeitos do ressonator.

Limites da ciência

No princípio do filme somos levados a crer que Crawford sofreu em alguma medida a influência da máquina, o que o levou a uma ligeira loucura; enquanto a doutora Katherine seria o ponto de estabilidade entre os dois, já que é psiquiatra, sã, e busca desvendar o caso. Contudo, conforme a trama avança - e, ao contrário das expectativas da cientista, o ressonator se mostra funcional - vemos que a moça também acaba por ser afetada pela máquina. Mais que isso, Katherine passa a apresentar os mesmos sinais de loucura que levaram Crawford e seu mestre ao desastre anterior. Assim, o telespectador perde gradativamente o referencial de um personagem sólido e controlado conforme todos eles vão sucumbindo à loucura. Por sinal, um dos pontos altos do filme.
Há nisso certo questionamento quanto ao nosso desejo de saber e desvendar o mundo. Mesmo ciente em alguma medida de sua alteração mental, a doutora prossegue com os experimentos, até chegar ao ponto extremo de não mais se diferenciar da loucura que o ressonator criou. É a velha sede humana de saber, que nos levou tanto a coisas positivas (quando bem conduzida) quanto àquelas negativas. Conforme desbravamos o desconhecido, produzindo melhor ciência, melhor tecnologia e teorias, não descobrimos mais respostas, porém apenas mais perguntas. A cada nova ideia que surge nós humanos ficamos menores dentro de um mundo parece ser infinito. Em alguma medida, Katherine parece representar isso. Ela, porém, crê que encontrará as respostas que procura e acaba se misturando com aquilo que deveria estudar e compreender, deixando de agir como cientista para seguir com suas motivações interiores e abandonar seus objetivos iniciais. Do mesmo modo muitos cientistas se juntaram ao nazismo, produziram tecnologia de destruição em massa, armas químicas e tantas outras coisas. Se bem me lembro, Santos Dumont se suicidou após ver aviões sendo utilizados como máquinas de guerra, não é?

Mundos possíveis

A propósito, embora seja possível supor que no momento em que entraram em contato com os efeitos da máquina todos enlouqueceram, sendo que todos os monstros esquisitos do filme seriam apenas deformações vindas da insanidade, não é por esse argumento que “Do além” segue. No filme há, de fato, outras dimensões as quais nossa compreensão limitada não pode apreender. A máquina estimuladora abriria a possibilidade da mente humana acessar essas outras instâncias da existência. Para nós, até pode parecer pura imaginação, mas não é. Se você teve algumas boas aulas de física no ensino médio (sobre teoria das cordas, etc.), vai ver que esse papo de multiverso não é assim tão absurdo e que, talvez, daqui a alguns anos, possamos pensar em propostas concretas para conhecê-los, nem que seja teoricamente. No filme, há monstros esquisitos e influências psíquicas negativas do lado de fora do mundo, mas cá na realidade, o que será que haveria?


Nota: o quadro é do astrônomo francês Camille Flammarion; foi usado para ilustrar seu livro “Astronomie populaire”. Basicamente, é um tipo de questionamento sobre os limites físicos da existência - o mundo tem fim? Se o tem, o que há depois dele?

Devo estimular minha pineal?


            Sobretudo pela parte visual - com maquiagens e efeitos impressionantes – “Do além” é um filme bem interessante. Se somarmos a isso uma boa direção e a linda Barbara Cramp, teremos trash de ótima qualidade, que merece ser visto por qualquer fã do gênero. Obviamente, há coisas negativas no filme, mas, no geral, o resultado é ótimo.
Antes do trailer, porém, cabe aqui uma indicação. Se você já o viu ou só quer saber mais, o blog “Mundo tentacular”, especializado em H.P. Lovecraft, fez uma resenha excelente a respeito do filme, abordando aspectos dele que o Café com Tripas deixa de lado, como o contexto da obra, quem fez, com que intuito, atores, precedentes, etc. Vale à pena conferir aqui:


Trailer

2 comentários:

  1. Lembro com carinho desse filme, pois fez parte do início de minha adolescência e me fez começar a procurar os livros de Lovecraft, que no Brasil eram muito difíceis de se encontrar na época.

    Se hoje ele parece desatualizado, por causa da idade dos efeitos especiais, quando foi lançado era realmente provocador e causava frios na espinha. E barbara Crampton era tão linda que facilmente esquecíamos que ela (tentava) interpretar uma psiquiatra.

    Os filmes de Stuart Gordon baseados em Lovecraft foram sempre bons (com exceção de Dagon, onde ele realmente não acertou a mão), e a resenha ficou mesmo excelente.

    Parabés. 8)

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  2. Cara, que livro você indicaria do Lovecraft para eu ler? Eu li "A tumba e outras histórias" que são uns contos da juventude dele, não muito bons. Eu queria ler alguma obra da maturidade dele, mas não manjo nada.

    Agora do filme eu achei bem legal, apesar dos problemas que tem, acho que ele vai por um caminho bem alternativo. Em geral filmes trash tendem a se voltar para certos clichês, como assassinos, zumbis e coisas batidas assim. Esse filme segue por um caminho bem próprio, o que acho bem legal.

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