quinta-feira, 5 de abril de 2012

Resenha: O despertar dos mortos (Dawn of the dead)

Como clássico deste mês o Café ressuscita mais um filme de George Romero, desta vez o todo poderoso “Dawn of the dead”. Resenhamos anteriormente o primeiro filme do diretor - Night of the living dead - que você pode conferir aqui. "Dawn", apesar de soar um tanto cansativo atualmente, ataca a falta de sentido num mundo que se guia por valores de consumo e conforto. Não que vivamos num mundo assim, é claro...




Título original: Dawn of the dead
Lançamento: 1978 (EUA e Itália)
Duração: 126 minutos
Direção: George Romero




 O despertar dos mortos
A rotina de existir

Se a sociedade acabasse de um modo irreversível – sem polícia para prender, religião para condenar ou pessoas para constranger – o que você respeitaria? Seus instintos? Seus valores? Os valores alheios? NDA? Mais do que isso, sem nenhuma amarra entre você e seu objeto desejo, com todos os bens materiais disponíveis, com ninguém para competir contigo, o que seria desejável de se buscar? Num mundo onde o supérfluo é de fato supérfluo, pelo que vale à pena viver? Vá pensando enquanto lê...
Do que se trata?

No meio de uma cruel invasão zumbi um grupo de pessoas tenta sobreviver. De início, eles vagam pelo Estado num helicóptero e, depois, tentam se defender dos mortos dentro de um shopping. Ao mesmo tempo em que devem combater os monstros, os protagonistas tem que se familiarizar com a nova realidade do mundo e de si.

Considerações preliminares:


Confesso que dos três filmes da trilogia esse foi o mais difícil de abordar. A história é ilusoriamente mais simples do que o filme seguinte, porém, o enredo é engenhoso e conciso, de maneira que é difícil notar quando o enfoque da história mudou para um tema completamente diferente. A trama se constrói sobre uma temporalidade paciente que retrata sem pressa os detalhes mais inúteis: as mudanças de expressões, o gesto de acender o cigarro ou se maquiar frente ao espelho. Se ao assisti-lo você ignorar isso, provavelmente acabará por perder o filme enquanto espera pelas cenas de ação.
Assim como o restante da trilogia, não se trata aqui de sangue, frases de efeito e da bandeira americana hasteada ao fundo. Não esperem por um discurso sobre a liberdade ou por uma cena com serra elétrica. A problemática é outra: pessoas, suas vidas, aspirações e a maneira como se relacionam com sua circunstancia.

Ai meu deus, então é um daqueles filmes de arte chatíssimos?

Não, mas também não é um filme de pura superfície.
Em alguns momentos vemos uma crítica clara à sociedade de burguesa moderna, que aprendeu que a felicidade é igual à capacidade de consumo. Assim, tão logo consigam vencer os seus primeiros empecilhos, os personagens se isolam num paraíso particular, onde podem consumir desenfreadamente e se alienar das desgraças do mundo lá fora. Ali, devoram os produtos ao redor como se isso fosse a garantia de suas alegrias. Porém, quando esse modelo se esgota, eles adentram numa existência medíocre e tediosa em que não conseguem dar sentido as suas vidas, brigando pelo direito vazio de ligar e desligar a TV. Apesar disso, não assistam “Dawn of the dead” como mera metáfora da sociedade de consumo; há nele bem mais que isso.
De um modo sutil o filme mostra que num mundo sem formas de controle, onde não há leis, coações ou falsos comportamentos morais, podemos observar melhor as pessoas como são. Conseguimos olhá-las sem suas máscaras cotidianas e ver se o que existe ali é humano ou simplesmente um monstro tentando sobreviver. Afinal, o que há de gratuito no nosso comportamento? Somos bons ou a moral é apenas um modo de controle social? Numa cena particularmente interessante, um militar em combate se sente à vontade o suficiente para expressar todo o seu racismo e decidir quem vive e quem morre, seja negro, imigrante ou, quem sabe, zumbi. Ele tem o poder e nada o impede, qual o problema então? Isso não significa, evidentemente, que todos sejamos monstros dissimulados, mas permite questionarmos se é possível afirmar categoricamente que - num mundo onde não precisássemos - toleraríamos aquele que é diferente. Ou em tempo: por que nos importaríamos com qualquer um além de nós mesmos?
E você se achava bonzinho, hein? Rá! Pegadinha do malandro!

Efeitos e trilha sonora

A trilha sonora é bacana. Ela guarda certo distanciamento do filme, às vezes ironizando a situação dos personagens e às vezes a exaltando, entretanto, nunca se misturando a vida miserável deles. Eis uma coisa bem interessante. Não me lembro de nenhum outro “filme de zumbi” no qual a música não tenha servido para reforçar a intenção das cenas. É um destaque na obra.
Os efeitos especiais são bem toscos no que tange a maquiagem dos zumbis. Um dos motivos disso talvez tenha sido a grande quantidade deles mostrados de perto. Algo que não chega a atrapalhar o filme, pois se pensarmos nos efeitos que dispomos hoje no cinema, todos os efeitos da obra parece ultrapassados – é uma característica da época. No entanto, as partes de sangue e morte são legais (sim eu sou um sádico), com tripas e intestinos arrancados para banquetear os mortos.



O bom: a cena das crianças zumbis sendo metralhadas. Nunca antes na história desse país o cinema teve uma cena deste tipo.
O mal: muitas vezes os personagens escapam de situações impossíveis. Dado isso, conforme a conveniência das cenas, os zumbis são apatetados e quase inofensivos, subestimando a inteligência do telespectador.
O feio: a maquiagem dos mortos é bem fraca. Chega a ser engraçado descobrir que quando um negro se transforma em zumbi, ao invés de se decompor, ele se maquia com pó de arroz.

Você recomenda?

Sim, o filme é ótimo e tem muitas coisas para dizer além de: “bang,bang, cabruuuummm, corram todos!, bang, bang, buuummmm, bang, bang, hasta la vista baby, bang, beijo do casal principal, final feliz. Fim - mas vai ter continuação... pelo menos duas”.
P.S: convém mencionar que a obra foi refilmada em 2004 por Zack Snyder (o diretor de Watchmen), usando-se o mesmo título do original. A regravação é até divertida, mas nada acrescenta à obra original, sendo apenas pipoca e coca cola.

Trailer:

4 comentários:

  1. Vocês têm razão, este é o mais inteligente e melhor orquestrado da trilogia inicial e o com mais nuances de roteiro, desenvolvimento de personagens e subplots.

    Tendo que não gostei da retomada de Romero após os três primeiros filmes (zumbis já haviam se tornado cultura pop, e os novos filmes nada fizeram para melhorar esse quadro), este se ressalta como um filme fantástico.

    Grande resenha. Abração. 8)

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  2. Eu vi um recente do Romero que conta a história de um mundo já em estado avançado, como se fosse a retomada da civilização pós apocalipse. Ele tem questões interessantes, mas não é original como os filmes antigos. Uma pena.

    Por outro lado, tem um filme do Romero sobre um cara que perde a identidade. Esse eu achei muito, muito bom. Desculpe, mas não lembro os títulos.

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  3. Ótima resenha! Em primeira instância foi um tanto difícil encontrar críticas tão interessantes como essa! Parabéns! Ajudou-me a ter uma perspectiva diferente sobre o filme, algo que infelizmente não consegui alcançar durante a exibição. Mas é por isso que deve existir compartilhamento de opiniões, para ajudar outros nas próprias.

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  4. Ah, valeu, Terceiro Olho,

    A intenção é esse mesmo: trocar figurinhas e melhorar nossa experiência cinematográfica. Fico muito feliz que a resenha tenha contribuído. Valeu mesmo.

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