sábado, 10 de março de 2012

Resenha: A noite dos mortos-vivos (The night of living dead)

 

Aqui no Café não poderiam faltar Tripas e não há ninguem melhor pra falar dessa deliciosa iguaria do que os nossos amigos zumbis. Por isso, trouxemos alguns desses famintos queridos amigos pra tratar um pouco do assunto.

- Então, senhor Boa Morte, o senhor gosta de Tripas?
-“Braiiinnsssss...”
            -“Arrghhhhh...”

Bom, pelo visto ele prefere cérebros, mas para deixar essa conversa um pouco mais dinâmica e interessante, também trouxemos para a postagem de hoje o mortal mais respeitado entre zumbis, o Deus Sr. George Romero.


 


Título original: The night of the living dead
Lançamento: 1968
Duração: 96 minutos
Direção: George Romero




 
“A noite dos mortos-vivos”
O primeiro, melhor e inalcançável.


            Clássico entre os clássicos “A noite dos mortos vivos” fez pelos filmes de zumbis o que fizeram o Black Sabbath pelo heavy metal, Camões pela língua portuguesa e Platão pela filosofia: estabeleceu a maioria dos clichês e parâmetros os quais aqueles que vieram em seguida só precisaram aceitar ou negar. Analogias à parte, o fato é que o filme abriu caminho para todo um gênero que se construiu (bem ou mal) em cima dele. Entretanto, assisti-lo nos remete a um mundo deveras distante. A história soa estranha a nossa época e modo de pensar... Sua fotografia, seu roteiro e personagens parecem ter sido feitos para outro tipo de pessoas, de tal maneira que ao vê-lo não o acolhemos como parte de nossa cultura e imaginário, mas nos percebemos excluídos do que ocorre; como crianças debruçadas na janela vendo o mundo ao longe...
Afinal, pessoas, o que mudou de lá para cá?

Um conto de terror

O filme narra a história de Barbara e Ben, dois estranhos que após terem sido atacados por mortos vivos, refugiam-se numa casa antiga. No decorrer dos acontecimentos, outros personagens se unem a eles enquanto os mortos apertam o cerco em torno do local.
 
Um mundo sem heróis

Contrariando certa tendência do cinema americano “A noite dos mortos vivos” é interpretado por personagens e não por arquétipos. Seus atores não representam sentimentos, signos, nações ou qualquer ideologia ambulante travestida de gente, mas pessoas de carne, ossos e angústias¹.  Isso é o bastante para que o filme seja repelente às gerações pós anos 70, criadas num mundo tomado pela propaganda, onde o mínimo gesto é sempre a máxima expressão de artificialidade. O filme nos empurra para fora do universo sintético de música eletrônica e relações cibernéticas em que vivemos, fazendo com que recordemos um tempo mais “ingênuo”, onde um simples rosto maquiado podia assustar. Ao que parece, o marketing e os filmes não estavam tão unidos a ponto de não conseguirmos diferenciar uma obra de arte de uma peça publicitária.

Cinema orgânico


De um modo geral as cenas em si não tem muita pretensão, sendo feitas por atores que ainda carregam a dramaticidade característica de um cinema muito próximo do teatro. Não há os estímulos constantes dos efeitos especiais, do rock pesado, das frases de impacto e da erotização das mulheres. Nenhuma serra elétrica. Tudo é monótono e precioso, como se ao ignorarmos o menor gesto, também deixássemos escapar o sentido da trama. E tal como os personagens que falam uns aos outros e não se entendem - cada qual preso no seu próprio desespero - não conseguimos nos relacionar com o filme sem ter a plena consciência de nossa distância e diferenças inconciliáveis. Não importa o que ele nos diga, pois não seremos capazes de compreender. “A noite dos mortos vivos” é uma pintura desbotada no fundo do armário, um retrato de um mundo que se foi. É nosso paradis perdu. Ele soa hoje como a suprema agressão aos agredidos: ao assisti-lo não nos revoltamos com o que foi feito de nós dados os vícios que a sociedade do espetáculo nos submeteu. Não. Em verdade, imploramos por vulgaridade: queremos balas, carros, cigarros, sangue e sexo. Somos fúteis. Amém.
Não é possível fazer as pazes com o primogênito de Romero: ele cospe no telespectador a cada cena. É quase como se dissesse: toda crítica e esperança morreram, a nulidade triunfou. Sobraram vocês, os monstros.

Aspectos técnicos

            A escolha pelo cinema preto e branco privilegia o clima de gravidade e loucura que permeia o filme, além tornar a fotografia bem bonita. O que o marca, porém, é a freqüente impressão se assistir algo único e diferenciado. Somos atraídos para dentro da lógica estranha do filme. Inclusive, mesmo quando os efeitos se mostram fracos - as vísceras são claramente pedaços de carne e a maquiagem é bem bobinha - já estamos por demais acostumados com aquele mundo estranho e escuro para acharmos ridículo o que vemos.

Protagonistas, uma saga

            Um aspecto interessante revelado pelo filme é a criatividade do diretor quanto à escolha de seus protagonistas. Esse será um dos pontos fortes de toda a filmografia de Romero. Em “A noite dos mortos vivos” temos um negro tomando decisões difíceis e agindo como líder, protagonizando um longa-metragem de grande circulação só treze anos depois que Rosa Parks decidiu não levantar o bumbum para dar lugar a um branquelo nojento. Em “Dawn of the dead”, o filme seguinte, temos uma mulher atípica (para o cinema até então) no papel principal: forte, decidida, e que em nenhum momento da trama é usada como símbolo sexual ou será resgatada pelo príncipe encantado americano. No seu interior, no entanto, ela é mostrada como pessoa ferida e perto do descontrole, em suma: humana. Excelente.
A mesma tendência a exibir personagens com nuances, não modelares, se manterá por toda a filmografia de Romero, tornando-se um dos triunfos de seu cinema.

10 banalidades sobre o filme

1. Como todos sabem os “filmes de zumbi” do Romero se valem dos monstros para tratar de pessoas e não o oposto.
2. “The night of living dead” não é o primeiro filme que retrata zumbis, mas aquele que definiu o gênero.
3. Há metáforas à alienação e sociedade de consumo representadas nos zumbis e na maneira como os vivos lidam com eles.
4. Apesar dos efeitos parecerem bobos atualmente, a película foi considerada chocante na ocasião de seu lançamento.
5. O termo “zumbi” nunca é pronunciado para designar os monstros.
6. Todo o mundo sabe o final da história. Para quem não conhece só direi que é interessante.
7. Há quatro continuações oficiais para esse filme, algumas de valor duvidoso.
8. O filme é rodado em preto-e-branco quando o cinema já era colorido.
9. Apesar disso, existe também a versão colorida do filme original.
10. A biblioteca do congresso dos estados unidos considerou o filme como “historicamente, culturalmente ou esteticamente importante”, inserindo-o no seu registro de filmes.


A regravação de 1990

            Como bom clássico que é, “A noite dos mortos vivos” gerou muitos frutos e, até o presente, duas regravações. A primeira é de 1990, realizada pelas mesmas cabeças geniais que criaram o primeiro filme (incluindo o diretor). Ela segue de um modo mais livre o argumento do primogênito, narrando à história de Ben, Barbara, Cooper e outros que tentam sobreviver à invasão zumbi se isolando dentro de uma velha casa.
Um detalhe interessante de mencionar é o fato de que, ao lançar o filme original, Romero assegurou que não tinha qualquer pretensão política posicionando um negro como protagonista, mas que contratara o ator por sua habilidade de atuação. Supondo que essa afirmação fosse verdadeira o ator que interpretasse Ben na regravação não precisaria ser (necessariamente) negro. Entretanto, ele é.
- Ah, não se preocupe, Romero, seu segredo está bem guardado.

 *

O filme tem o mérito de remendar alguns furos existentes no roteiro original (como o fato de que o filme ocorre à noite enquanto na TV é sempre dia) e acrescer elementos novos sem desrespeitar a série. Uma das novidades mais interessantes é a maior participação dada às mulheres, que no filme anterior pouco influenciavam a resolução da trama. Isso renova o interesse do telespectador pelo filme, fazendo-o mais contemporâneo, além de torná-lo imprevisível mesmo para quem viu o primeiro.
Sinto que essa é uma das melhores refilmagens que já vi. Definitivamente, merece ser assistida, nem que seja para saber se acontece “aquilo com aquele personagem”...

A regravação de 2006 - A volta dos mortos 3D


            Mais trash que seus antecessores, a versão de 2006 é uma bomba nomeada a partir de um clássico. Baseado livremente no original, “3D” é desprezível o suficiente para que eu acabe esta resenha em 5, 4, 3, 2, 1... Pronto, acabou.


 Trailer: 



¹ Confesso que a última vez que vi algo mais ou menos assim foi com o longa brasileiro: “Os famosos e os duendes da morte”.

2 comentários:

  1. Excelente resenha e escolha de filme, amigos. Tenho esse guardado num local de honra da minha DVDoteca, e é um clássico completo.

    Parabéns pelo conteúdo. :)

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  2. Ah, valeu, cara, Romero é clássico né? Íamos abordá-lo cedo ou tarde. Tentaremos a partir de agora trazer pelo menos um clássico todos os meses, para não ficar só nos filmes "menores". Um abraço.

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