Você
lembra do seu último sonho? Qual foi a situação constrangedora ou amedrontadora
vivenciada? Você estava correndo pelado pela escola enquanto um monstro vestido
de Peter Pan te perseguia com uma panela na mão enquanto tocava Belchior? Sim,
sonhos são capazes de nos levar pras situações mais bizarras possíveis, mas o
que você faria se você começasse a sonhar com assassinatos que se concretizam
na realidade? Tentaria descobrir que bruxaria é essa ou simplesmente voltaria a
dormir, afinal a vida é muito curta pra desperdiçar horas de sono com crimes?
“Pookie
Chang vira muitas coisas repulsivas na sua carreira. Cadáveres não eram
novidade para ele. Quando morava em Chicago, seu segundo caso de homicídio
envolveu um homem que matara a mãe, depois tentara se livrar o corpo cortando-o
em pedaços pequenos o bastante para caberem no triturador de lixo da pia da
cozinha. Você nunca mais é o mesmo depois de ver uma coisa assim – isso muda a
pessoa. Ele lidara com casos que demonstraram como os seres humanos podem ser
malignos, casos que o fizeram duvidar da sua fé. Afinal, como um Deus bondoso
podia permitir que tais coisas acontecessem? Sim, ele duvidara de Deus,
duvidara da sua própria capacidade para o trabalho e, em mais de uma ocasião,
duvidara do sistema judiciário em si – mas, durante os seis anos de parceria,
nunca duvidara de Bryan Clauser.”
Título
original: Nocturnal
Autor: Scott Sigler
Ano: 2007
Editora: Darkside books
Páginas: 499
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Está na hora de acordar!!!
A narrativa de Noturno
acompanha diversos personagens, desenvolvendo a história a partir de diversas
perspectivas diferentes, mas o protagonista e quem vamos acompanhar por mais
tempo é Bryan Clauser. Clauser que, assim como a maioria dos policiais da
literatura e do cinema, é uma pessoa fechada, solitária e de poucos amigos, mas
bastante comprometido com o trabalho. Apesar de ser respeitado e ser um dos
melhores no seu departamento, ele é conhecido por alguns como “exterminador”,
devido ao seu histórico, apelido nem um pouco apreciado pelo mesmo.
Um de seus único
amigo é seu parceiro Pookie Chang, um policial que é o oposto de Clauser,
simpático, brincalhão, mulherengo e que tem o sonho de escrever um seriado
policial para a TV. Os dois trabalham principalmente durante a noite
investigando crimes, gangues, etc., sendo que a rotina dos dois é quebrada
quando um padre acusado de pedofilia é encontrado morto brutalmente. Apesar de
ser um caso que deveria ser investigado por Clauser e Chang, quem acaba
assumindo a investigação é Rich Verde, um dos policiais mais antigos do
departamento. Além de serem afastados da investigação, eles sentem que existe
algo de estranho naquela morte: o legista chefe está envolvido, sendo que ele
não saia do necrotério há muito tempo, a delegada está fazendo de tudo para
manter os dois afastados e muitas informações estão sendo abafadas.
Se a situação já não
estava estranha o suficiente, durante a noite Clauser começa a sonhar que está
dentro do corpo de um outro ser, caçando e matando outras pessoas junto com um
grupo composto por criaturas bizarras, humanoides com feições animalescas e
habilidades impossíveis para um humano comum. Quando, no dia seguinte, ele
descobre que o assassinato de seu sonho aconteceu de verdade. Daí, as coisas se
complicam ainda mais, Clauser começa a duvidar da sanidade, seu parceiro começa
a duvidar das suas ações e as investigações da policia ficam cada vez mais
duvidosas. E nesse turbilhão de acontecimentos o protagonista precisa entender
o que está acontecendo, mesmo não tendo pistas e o seu departamento encobrindo
todas as informações que possam ser úteis.
Além disso, também
vamos acompanhar personagens como Rex e Aggie que no inicio parecem perdidos na
história mas aos poucos as ligações começam a ocorrer. Rex é um garoto solitário
que vive com a mãe abusiva e que diariamente sofre nas mãos dos valentões do
colégio e, assim como Clauser, também tem sonhos estranhos com pessoas
assassinadas. Já Aggie é um morador de rua que foi sequestrado por pessoas
mascaradas e levado para um cativeiro onde fica acorrentado com com outras
vitimas, sem poder fugir, ele passa dia após dia vendo os mascarados levando
seus companheiros de cativeiro e trazendo novos.
No meio de todo esse
caos, a historia de Noturno segue adiante.
Luz
sobre a noite
Falar sobre Noturno
sem revelar coisas da história é praticamente impossível, porque além de ser um
livro com investigações, em que cada pista conta e revela algo da trama, o mais
legal de todo o livro é você, junto com Clauser e Chang, ir tentando entender
qual é a treta que ta acontecendo ali. Será que o policial é um sonâmbulo e ta
matando as pessoas enquanto dorme? Será que ele está no corpo de outra pessoa?
Existe algo sobrenatural? Porque os seres do sonho parecem animais? Quem são os
mascarados mantendo o Aggie no cativeiro? Será que Rex vai conseguir se livrar
do valentões? O que a policia está escondendo? Como tudo isso está interligado?
Enfim, são diversas
questões que vão se resolvendo e intensificando durante a leitura, e não
pretendo estragar isso aqui. Então pra tentar despertar seu interesse (ou não)
pelo livro, vou pincelar alguns temas relevantes da narrativa, mas sem entrar
na história de fato, permitindo que você saiba mais ou menos a temática, mas
sem revelar o contexto ou os caminhos escolhidos pelo autor.
Um ponto que será
bastante trabalhado e desenvolvido pelo autor é a questão da responsabilidade e
da tênue linha entre o certo e o errado. Em diversos momentos vamos ver Clauser
tendo que lidar com situações que fogem do seu controle e que questionem seu
compromisso com a profissão. É melhor seguir as leis mesmo que isso possa
trazer grandes problemas ou é melhor agir contra a sua ética e seu juramento
sabendo que isso vai evitar problemas não só pra você, mas pro bem comum? Claro
que a situação é muito mais complexa, mas esse dilema moral que está presente
por quase toda a trama ajuda a criar um dialogo com o leitor, pois mesmo você
estando do lado fora, é muito complicado responder essas questões enfrentadas
pelo protagonista. Isso é bem bacana porque faz com que nós questionemos nossos
próprios valores. Nós temos opiniões fortes, acreditamos em nossas ideologias e
nos consideramos íntegros, mas isso tudo funciona nos momentos em que estamos
em meio a tranquilidade, quando a merda bate no ventilador e isso é colocado a
prova tudo se torna muito mais complicado. Será que as vezes a ignorância não
seria melhor que a verdade?
Outra discussão que
permeia boa parte do livro, mas que não está muito clara e o autor também não
demonstra muito interesse em trabalhar, fora uma pincelada ou outra, é a
questão da minoria e do papel do seu papel em se estabelecer socialmente. É
claro que as justificativas estão ali e que conforme você avança na história as
coisas se encaixam, mas em muitos momentos, antes de entender o que estava
acontecendo de fato, era algo que eu me pegava pensando. Não entrarei em
detalhes, mas no livro existe um grupo de pessoas que vivem escondidas, evitando
o contato com a sociedade, e mesmo as
pessoas que sabem da existência desse grupo acabam abafando e os mantendo no
anonimato. E a todo momento eu fiquei pensando no que aconteceria se elas se
posicionassem e se mostrassem pro mundo, será que teriam aceitação? Será que
era melhor manterem o anonimato? Será que haveria conflito? Será que seria
possível chegar em um acordo? É algo meio louco de pensar, porque muitas vezes
o vilão não é necessariamente um vilão, mas sim alguém que é resultado daquilo a
que foi submetido por toda a vida. É claro que não podemos culpar só um lado, seja
a sociedade ou um indivíduo, e que pessoas com concepções e estilos fora do
comum sempre vão receber desconfiança, mas esse grupo também não será aceito
caso não tente mostrar seu lado.
É bem provável que
você tenha uma leitura completamente diferente a esse respeito, mas em boa
parte do livro eu tive a sensação de que muitas coisas poderiam ser diferentes,
e que a dualidade de bem e mal estava bem borrada, tanto pra um lado quanto
para o outro, algo que é bem engraçado, já que o livro de certo modo faz você
torcer pra um lado, mas é o tipo de torcida que você faz com um certo tipo de
vergonha.
Essas duas temáticas
estão entrelaçadas nessa historia que envolve pesadelos, cultos e
investigações. Cabe a você tirar as próprias conclusões sobre a situação e
decidir de que lado você está... ou ser como eu e sair problematizando livros
que não tem intenção nenhuma de levantar discussões.
E
ai, você também tem sonhos estranhos?
Noturno, que foi enviado aqui pro Café
em parceria com a Darkside, é um livro estranho: no início parece um thriller
que flerta com o fantástico, mas conforme a história avança as coisas começam a
ficar mais bizarras. Vamos ter sangue, cenas grotescas, situações que você
nunca deve ter imaginado e tal, entretanto, é difícil classificar ele como um
livro de terror. Acho que ele é muito mais um livro policial com diversas influências
do terror, o que acaba sendo uma narrativa um tanto curiosa e criativa. Sua
história é dividida em duas partes: a primeira é bem focada nessa parte de
tentar entender tudo aquilo que está acontecendo, a segunda já é bem diferente,
com as coisas mais ou menos estabelecidas a narrativa se torna mais ativa,
escancarando aquilo que até então estava no subjetivo, assumindo um ritmo
diferente e abraçando o bizarro, algo
que pode incomodar alguns, mas que eu particularmente achei bem interessante.
Apesar de não ser um
livro que eu tenha amado e que levarei pra vida, é uma leitura bem agradável e
interessante, principalmente se você gostar de thrillers e de coisas esquisitas
e novas. No que se propõe, Noturno é bem legal. Apesar de ter uma coisa
ou outra que eu não tenha gostado, como a atitude de alguns personagens ou
sentir falta de um melhor desenvolvimento do mundo, no final o saldo é
positivo. Mesmo tratando de temas pesados, como assassinatos brutais, o livro
tem certa leveza porque ele trabalha bem os alívios cômicos, geralmente
proporcionados pelo Pookie Chang, que, inclusive, é um personagem bem bacana.
Uma coisa que
melhorou bastante a experiência do livro pra mim foi não ter lido nada sobre
ele antes, então eu não sabia exatamente o que esperar. Eu tentei escrever essa
resenha revelando o mínimo possível, mas todas as outras resenhas que eu vi
acabaram revelando algo que eu acho que tira boa parte da graça, já que uma das
coisas mais legais é a duvida que fica presente durante a historia e, por mais
que as coisas comecem a se revelar e as perguntas sejam respondidas, você fica
pensado: “será?”.
Enfim, Noturno
é recomendado pra todo mundo que está procurando um thriller com algo a
mais, e não apenas um policial desvendando um caso. O autor flerta com o
terror, suspense, fantasia, gore, humor e, até mesmo, uma pitada de romance.
Talvez não vá entrar na sua lista de favoritos, mas vale dar uma chance pra
essa curiosa experiência.
A curiosidade é o começo da sabedoria
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