quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

HQs: Wytches (Scott Snyder)


Talvez você seja um serzinho cético como eu e não acredite em coisas sobrenaturais, mas se tem uma coisa que é fato é que muitas pessoas acreditam e juram de pé junto que presenciaram certos fenômenos. Assim, por mais que você fique aí, no auge da sua prepotência, julgando como bobinhos os mortais que acreditam em seres extraterrenos, é bom ficar esperto, pois nunca saberemos o quão forte é a jura de uma bruxa.




“Independente disso, a Sailor acredita que foi uma mordida da menina. A Annie. Ela acha que a... a coisa da floresta mandou a menina de volta, atrás dela. Ou sei lá, achava até a gente explicar pra ela que isso é loucura.
Mas agora ela tá com o caroço, e aí---
Peraí. Caroço?
A gente levou ela num especialista e ninguém sabe o que é o negócio. Se é linfoma, se é reação alérgica à ferida ou outra coisa. Tamos esperando o resultado da biópsia. Mas a gente... a gente não sabe nada.”


Titulo original: Wytches
Autor: Scott Snyder
Ano: 2015
Editora: Darkside books
Paginas: 192
Após passar por alguns problemas na cidade em que morava, a adolescente Sailor Rooks e seus pais vão pra Litchfield com o objetivo de escapar dos traumas do passado e reconstruir a vida. Mas existe algo na floresta que está observando sua chegada e não deixará a jovem em paz.

A jura das bruxas

Como você já deve ter deduzido pelo título da HQ, aqui teremos uma história sobre bruxas, entretanto, esqueça suas referências sobre o tema; aqui elas se manifestam e comportam de um jeito bem diferente daquele que conhecemos. Não teremos varinhas, vassouras, mulheres peladas dançando na floresta, pacto com demônios, bodes, magias ou coisas do tipo.
Na historia de Scott Snyder, as bruxas são seres que vivem na floresta e possuem uma fisionomia não humana, com o corpo alongado e “monstruoso”. Não dá pra saber exatamente o que elas são ou como surgiram, a informação que temos, e que será relevante na história, é que elas se alimentam de pessoas instáveis emocionalmente, como é o caso da protagonista que falaremos mais adiante, e, principalmente, pessoas juradas.
A jura é uma espécie de maldição/sacrifício. Uma pessoa jura a outra como barganha para receber favores das bruxas, que pode ser desde coisas simples até “imortalidade”. Ou seja, se você jura alguém, essa pessoa passa ser um alvo das bruxas enquanto você acaba recebendo aquilo que você deseja.
Dito isso, voltamos ao núcleo central.


Jogando os Rooks no caldeirão

A HQ começa no ano de 1919, dando uma pequena introdução do que será visto no decorrer do quadrinho e assim despertar a curiosidade no leitor. Nas 4 primeiras paginas vemos uma mulher presa dentro de uma árvore gritando por ajuda, seu filho se aproxima com uma grande pedra nas mãos, dando a entender que ele ira ajudar a mãe, mas ele faz exatamente o oposto, usando a pedra para matá-la e dizendo: “Jura é jura”.
 Criando esse clima tenso e estranho para chocar o leitor logo de cara, a história já corta para os dias atuais apresentando a família Rooks. Após Sailor ter um problema com uma colega da escola, seus pais acreditam que seriam uma boa mudar da cidade e tentar recomeçar em um lugar novo onde ninguém sabe sobre o assunto. A principio, dá pra perceber que ela tem uma relação bem interessante e próxima com seu pai Charlie, que é o autor de uma serie de livros infantis sobre um garoto preso em um parque de diversão; já Lucy, a mãe, é uma enfermeira (?) que devido a um acidente de carro acabou ficando em uma cadeira de rodas.
Apesar dos problemas e do emocional abalado da família, as coisas parecem estar melhorando e a nova cidade parece ser o lugar perfeito pra esse recomeço. Entretanto, logo Sailor vai perceber que tem algo errado ali, existe algo naquela cidade, e principalmente na floresta, que está te perseguindo.
Alguns fantasmas do passado sempre retornam.


Fragmentos

Algo que eu gostei bastante em Wytches é a maneira como a história é conduzida. Do inicio ao fim, a narrativa é toda fragmentada, apesar da história dos Rooks na nova cidade ser a principal linha temporal, a todo momento ela vai sendo cortada com flashbacks do passado, cenas de outra localidade ou até mesmo trechos do livro que Charlie está escrevendo. Então a todo momento o leitor se pega confuso e sem saber exatamente onde está, como se o autor nunca permitisse que você colocasse os pés no chão e pudesse parar pra compreender a história, por estar sempre nesse vórtice cheio de informações que vão sendo jogadas ao poucos, mas que no final se completam. Então as vezes você está no meio de uma passagem super tensa, e quando vira a pagina está no lançamento de um livro de Charlie.
Para desenvolver melhor a resenha, eu preciso falar sobre alguns detalhes sobre a trama, não vou dar spoilers sobre o fim, mas caso você não tenha lido e não queira saber nada além da sinopse, eu recomendo pular pro próximo tópico. Nas primeiras paginas sobre os Rooks, temos a impressão que a família é super unida e, apesar dos problemas recentes, eles sempre tiveram uma relação harmoniosa e coesa, mas essas rupturas narrativas servem exatamente para mostrar questões sobre a família que não são perceptíveis a primeira vista.
Se no presente vemos uma relação bem bacana entre pai e filha, no passado não era exatamente assim, afinal Charlie teve problemas com a bebida por bastante tempo, o que gerou uma instabilidade familiar; do mesmo modo, podemos ver o acidente de Lucy, que foi algo que mudou a família como um todo, afinal eles tiveram que se adaptar a nova situação da mãe. E agora, no momento em que a historia se passa, é a filha que está passando por problemas. Então durante a leitura ficamos com a impressão é que sempre há uma adversidade rodeando aquelas pessoas, e sempre que as coisas parecem se acalmar e melhorar, algo acontece e as joga novamente em algum tipo de crise.
Apesar de ser uma historia curta que dá pra ler em uma sentada, é interessante como ele consegue trabalhar a complexidade dos personagens mesmo sem focar diretamente nessa questão. É claro que não há desenvolvimento como um romance, mas dentro desse formato enxuto o autor consegue dar vida para as personagens.


A verdadeira bruxaria

Uma coisa que não está explicitamente na obra, mas que acho bastante relevante pra aprofundar a discussão sobre a HQ, é a força da “jura” nesse contexto em que a história se passa. Bom, aqui também poderá ter uma coisa ou outra de spoiler.
Durante a leitura não vamos ter muitos detalhes a respeito disso, o que sabemos é que você joga a jura sobre alguém, e essa pessoa serve de sacrifício para que as bruxas realizem algo que você deseja. Se pararmos pra pensar sobre isso, já podemos chegar a algumas conclusões e entrar em questões que estão na HQ, mas que em que em nenhum momento são diretamente enunciadas. A principal delas é a importância da sociedade nesse sistema de juras.
As bruxas têm muita força e isso é indiscutível, tanto que elas conseguem fazer um morto voltar a vida, por exemplo. A todo momento no entanto fica o sentimento de que elas só desfrutam desse poder porque aquela sociedade permite, logo, caso houvesse uma resistência das pessoas em jogar juras sobre as outras, será que essas bruxas continuariam relevantes naquele cenário?
A primeira vista as bruxas são as vilãs da HQ, mas elas só agem com o aval das pessoas que jogaram maldições umas sobre as outras, e muitas vezes as próprias pessoas cometem o crime sobre o pretexto de que é a vontade da bruxa. Acho que você, jovem leitor, já deve ter entendido onde eu quero chegar.
As bruxas são más? Provavelmente, não tem jeito de um bichinho feio desses ser bonzinho, mas após a leitura parece que elas são apenas um instrumento do verdadeiro mal, que é a o egoísmo e a ganância humana, afinal um desejo seu vale muito mais do que a vida do outro. Então Wytches não deixa de ser uma metáfora pra varias coisas que vemos por aí é muito fácil cometer crimes que te beneficiam e jogar a culpa em outro ser. “O problema não sou eu que jurei você de morte pra ganhar dinheiros, o problema é da bruxa que realiza os meus desejos”.
Entendeu o problema, né?


Quem você irá jurar?

Bom, apesar de ter gostado de Wytches, eu não achei a obra muito criativa ou surpreendente. Embora ela até tenha um plot twist, não é nada que você ja não tenha visto antes. Continua valendo a pena, mas dificilmente (acho eu) será um quadrinho que você levara pra vida toda. Logo que terminei eu fiquei na dúvida se tinha gostado ou não, mas quando acaba a HQ tem uns extras que me fizeram passar a ver a obra com outros olhos e simpatizar mais com ela. Algo que é bem interessante, porque a partir do momento em que você conhece aquele contexto, a obra passa a ter um significado diferente e se torna mais atrativa.
A edição conta com alguns textos do autor falando sobre seu processo criativo, de onde veio a ideia, algumas curiosidades sobre ele e sobre a HQ, e tal, além de rascunhos iniciais da arte e do processo de coloração. Eu achei esse conteúdo adicional tão bacana quanto o quadrinho em si, pois eles se complementam bem, é bem provável que sem esses extras eu tivesse gostado menos de Wytches.
Eu sou bem leigo nesse assunto, mas a arte de Wytches é incrível: ela combina perfeitamente com o texto, tendo um estilo bem sombrio com uma espécie de aquarela que deixa tudo muito bonito. Esse estilo valoriza ainda mais o tema principal da HQ que são as bruxas, pois consegue manter o clima de estranhamento o tempo todo. Em nenhum momento vemos com clareza a aparência das bruxas, elas sempre são apresentadas nas sombras, ou com close em algum parte do corpo, o que é legal porque em impede ainda mais de sabermos exatamente o que elas são, como já falamos anteriormente.

Resumindo, Wytches, que foi mandado aqui para o QG do Café graças à nossa parceria com a Darkside, é uma HQ muito bonita e com uma história bem interessante, que tem extras quase tão interessantes quanto o conteúdo principal. Apesar de ser bem curta, ela cumpre seu objetivo e consegue entregar aquilo que buscamos no terror: sangue, gore e criaturas amendrontadoras. Assim, caso você goste de terror e se interesse pelo tema, fica a recomendação, mas caso sua referencia de bruxa seja Harry Potter, acho melhor evitar.

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