domingo, 11 de agosto de 2013

Resenha: Heavy metal do horror (Trick or treat)

 
Se você achava que só de “Roberto Carlos em ritmo de aventura” e “Carrossel de emoções” vivem os filmes de rock, prepare-se para algo mais pesado, com mais terror, mais metal!





Título original: Trick or treat
Lançamento: 1986 (EUA)
Duração: 98 minutos
Direção: Charles M. Smith




Sendo franco, “Trick or treat” é apenas outro clichê: ele expressa as influências de sua época e gênero sem acrescentar elementos novos ao período ou ao cinema. Não que isso o torne uma obra ruim, claro, no entanto, significa que se o espectador não aprecia as referências nas quais ele está colocado, provavelmente não vai apreciar o filme também.
Quais referências são essas? Eis uma questão importante. A resposta é simples: a cena dos subúrbios estadunidenses dos anos oitenta, em que os jovens usavam jens e jaquetas de couro vindo de filmes como Grease, por exemplo, incorporados agora por uma turma mais pretensamente mais transgressora, os metaleiros. Assim, o filme só faz sentido se pensado no âmbito de uma juventude que se expressava em solos de guitarra, comprando discos do Iron maiden, brandindo símbolos de rebeldia – camisetas de banda, instrumentos elétricos, fitas cassetes – contra o mundo velho e desgastado que encontraram. We will rock you, baby!

Where we go now?

Eddie (não aquele Eddie), um adolescente looser fã de heavy metal, só encontra impedimentos na escola: ninguém entende seu amor pelo rock, nenhuma garota se joga aos seus pés e um monte de mauricinhos imbecis insistem em humilhá-lo. Quando recebe de presente um disco amaldiçoado de seu ídolo, Sammi Cur, no entanto, Eddie encontra a chance de dar o troco na vida.


Adolescência e rock'n roll

Ok, acho que vocês já notaram: “Trick or treat” é outro filme direcionados para adolescentes. Ele retrata jovens em busca de individualidade e orientação num mundo hostil, que não sabem bem como se relacionar com o sexo oposto mesmo fervendo em hormônios, e que desejam ser reconhecidos mesmo sem saber direito quem são. Todos nós passamos por isso e não quero, de nenhuma maneira, sugerir que o filme seja ruim por ter um público-alvo de pouca idade. A Pixar está aí para provar que um filme “infantil” não precisa excluir outros públicos. O que quero dizer, no entanto, é que “Trick or treat” é um filme voltado para jovens e que, sem considerarmos isso, não poderemos compreendê-lo bem. Se deixamos esse aspecto incompreendido, iremos nos perder nos muitos problemas de roteiro e reviravoltas sem sentido que ele tem, chegando ao fim sem entender o que assistimos.
Na história Eddie ganha um vinil contendo o último trabalho de Sammy Cur, seu ídolo, que quando garoto estudara no mesmo colégio que ele e jamais conseguiu voltar para tocar lá, sendo considerado um mau exemplo para a juventude. Quem nunca ouviu que rock é coisa do capeta que atire a primeira pedra: trata-se do velho preconceito que coloca o estilo como nocivo às pessoas por seu caráter subversivo. “Trick or treat” tenta zombar disso elencado Ozzy para o papel de um pastor, por exemplo, mas também faz isso através de uma grande sacada: representando o rock como se ele fosse mesmo coisa do capeta. Ao girar o disco de Cur ao contrário, Eddie descobre uma voz que fala pelos falantes e lhe ensina como se vingar de seus inimigos. A partir daí a confusão está dada. As questões mais importantes do filme, porém, giram menos em torno dos desdobramentos disso que da ligação de Eddie com Cur e sua motivação para recorrer ao disco encapetado. São esses dois aspectos que unem o fim e o começo da obra. Vamos considerá-los de perto.

Por que adolescentes querem se matar?





A história de Eddie nos remete bastante ao contexto cultural dos EUA e aos problemas característicos de lá. Se o filme fosse realista, teríamos outra história de um menino que ao ser constantemente humilhado por seus colegas, um dia descobre uma arma que pode ser usada contra eles. Já vimos isso muitas vezes (inclusive na vida real) e, em certa medida, o filme é isso mesmo: outra história de bullyng. Há nele, porém, mais que uma mensagem simples do tipo: “procure um psicólogo quando sentir o desejo de usar uma automática para matar seus coleguinhas”, bem dizendo, o filme permite que Eddie leve adiante sua vingança impunemente durante algum tempo como uma forma de fazer com que o personagem perceba as consequências de suas ações e, enfim, se responsabilize por elas ao notar ao que elas levam. Creio que o filme como um todo pode ser pensado como uma narrativa do desenvolvimento do personagem.
Como já disse, Eddie é um clichê: outro rapaz branco dos subúrbios americanos, que encontra sua identidade no rock e busca reconhecimento, garotas, autoestima e coisas assim. Além disso, não possui grandes elos com os demais, mantendo uma amizade morna com um colega de escola, a mãe e nada mais; ele é solitário, autocentrado e infantil, como qualquer adolescente. Com efeito, não consegue satisfazer seus desejos e carrega um drama que é só seu, frustrando-se cada vez mais. Ocorre então que Eddie se encanta com Sammy Cur, um cara talentoso, forte, com acesso à grana, garotas e que, além disso, passou pelo mesmo percurso ele, mas com sucesso. O protagonista, no auge de sua cafonice depressiva, chega a escrever cartas para a morte - um tipo de monólogo suicida - enquanto contempla a imagem de seu ídolo. (Aliás, eis uma coisa que daria uma boa monografia – não, eu não tenho paciência para tanto. Algumas pessoas já tiveram. Para fins dessa resenha, contudo, basta dizer que a morte é um conceito para algo que está fora do espaço e do tempo, digamos assim, ela existe sempre e não é afetada por nada, não apanha dos mais fortes como Eddie, não é afogada numa piscina, pega geral e tal. Consequentemente, a depressão suicida do personagem faz com que ele associe a morte à Cur, antropormofizando a morte na forma de uma pessoa que, com isso, deixa de ser uma pessoa e se torna um tipo de entidade. Entendeu? Tudo bem, não faz sentido mesmo. Trata-se de uma loucura vinda da mente perturbada do rapaz. Quem não teve seus pensamentos enlouquecidos alguma vez na vida que atire a segunda pedra. Ai!).

O que importa aqui é que roqueiro não é somente um personagem, mas um símbolo com o qual Eddie dialoga no decorrer do filme. Ele é a representação de tudo o que o rapaz deseja ser e não é: tem coragem, faz gestos obscenos para um mundo conservador, toca heavy metal e representa a força que Eddie não possui para tornar sua vida uma verdadeira obra de arte, por isso, aponta não somente para a força, mas para a fraqueza existente no protagonista que não tendo seus desejos satisfeitos, os reorganiza na figura idealizada do roqueiro. Sendo mais direto, creio que Sammy Cur seja o espelho quebrado de Eddie, o retrato de seu ressentimento com a vida refletido de uma maneira distorcida. Ambos personagens são, de certo modo, consequência um do outro, de tal maneira que, adiante na trama, Eddie só consegue evitar que as consequências malignas do disco conforme se distancia da imagem de Cur e começa a criar a sua própria, isto é, amadurece. “Trick or treat” alude a esse processo de mudança do adolescente ressentido para o adulto que assume para si a responsabilidade de suas ações e é capaz, inclusive, de se arriscar para vencer os problemas que ele mesmo causou. Danem-se os seus sentimentos, o mundo não liga, agora engula o choro, rasgue essas cartinhas idiotas e vá à luta. Se há uma mensagem a ser passado pela obra, ela consistem em dizer que sim, há um modo de se enfrentar as agruras da vida, mas não é pelo ressentimento, nem pela mera violência.

O caminho do ressentimento


Se a partir de certo momento Eddie começa a tomar juízo e a pensar por si mesmo, percebendo que as mensagens do disco tem objetivos próprios, durante boa parte da trama ele não se dá conta disso e realiza várias ações orientadas pela voz de Cur - uma espécie de diabinho sobre o ombro -, crendo que está atingindo seus objetivos quando, na verdade, está meramente servindo de peão para o capiroto. Eu poderia dizer que isso é uma crítica pela maneira pela qual os roqueiros idolatram cegamente seus heróis ao ponto da loucura, mas como gosto muito de rock vou ficar quietinho antes que alguém critique o Humberto Gessinger dizendo que ele é um pseudo-intelectual pedante, pois aí vou ter que furar seus olhos, arrancar sua língua e te fazer comer e depois vou...
Independentemente de ser iludido ou não, o fato é que obter algum sucesso na vida dá forças à Eddie e, com o passar do tempo, ele fica mais ousado conforme o disco lhe dá, ao mesmo tempo, ordens mais cruéis. Ambos se reforçam no que tem de pior. A partir disso, seria possível até imaginar um desenvolvimento diferente para a história no qual Eddie continuasse a servir Cur e só piorasse. O filme sugere que isso é possível, isto é, seguir o caminho do ressentido, daquele que estando insatisfeito com o mundo, digere mal seus próprios sentimentos e vai à vida armada de ilusões e com um espírito fracassado. Mais que isso, penso que “Trick or treat” sugere que esse caminho pode ser trilhado por qualquer um e em qualquer tempo. A exemplo disso, na trama, os adultos lamentam que seus gostos e costumes estejam ficando para trás, e que a juventude de hoje não dê a mínima para isso, consequentemente, tentam barrar um show de Sammy Cur na escola com o argumento de que o músico traz a degeneração moral das pessoas. Deixam, portanto, de perceber que isso não vai impedir os jovens de tê-lo como um referencial mais importante que eles próprios e seus valores caquéticos, mas igualmente que o mundo que defendem está degenerado e pessoas como Eddie sobrevivem a essa degeneração por causa do rock e não apesar dele.

Devo dar umas guitarradas nervosas?

Com certeza, mas não precisa fazer isso pelo “Trick or treat”. Sendo franco, o filme se perde bastante no meio da história e toma muitos rumos desnecessários e entediantes. Ele tem diversos méritos interessantes (inclusive alguns que não abordei, como a trilha sonora), mas não merece uma indicação do Café com Tripas, apesar de ser bem reconhecido por aí (não, nós não babamos para todos os filmes que resenhamos). Se você curtir mesmo a parada, a época, achar que usar jeans é algo revolucionário e for muito fã do Gene Simmons e do Ozzy, aí sim, só neste caso, creio que vale a pena ligar o cubo, ajustar os volumes e curtir o heavy metal do terror.


Trailer


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