quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Resenha: Um lobisomem americano em Londres (An american werewolf in London)


            Você gosta de viajar? Conhecer lugares e culturas diferentes? Então, pra você que disse sim, eu tenho uma dica. Aproveite o máximo da viagem, mas cuidado, sempre preste atenção nas lendas locais... Afinal, acho que você não vai querer dar de cara com um lobisomem no meio de sua jornada.


Um lobisomem americano em Londres
Criando os monstros que nos vigiam





Título original: An american werewolf in London
Lançamento: 1981 (EUA e UK)
Duração: 93 minutos
Direção: John Landis





Viajando na lua cheia


            Dois amigos norte-americanos (Jack e David) viajam pela Europa e, ao chegar numa cidadezinha no interior da Inglaterra, são atacados por um desconhecido animal. David acorda em um hospital em Londres e descobre que Jack está morto, entretanto, isso não o impede de receber visitas do cadáver do seu amigo, que diz para que ele se mate antes que se transforme em um lobisomem.

Só uma mordidinha

O filme pode ser divido em dois momentos, o primeiro que é o desenvolvimento da história e o questionamento do herói sobre sua sanidade, enquanto a segunda seria o momento em que de fato se transforma em lobisomem (algo que só ocorre nos 30 minutos finais). 

            Ao som de “Blue Moon” o filme começa com os protagonistas descendo de um caminhão de ovelhas em algum vilarejo do interior da Inglaterra.  Como está anoitecendo, os jovens decidem procurar algum lugar para passar a noite e seguir viagem no dia seguinte. Eles encontram uma taverna – cordeiro estraçalhado – um tanto quanto estranha: na fachada dele tem o desenho de uma cabeça de um lobo decepada e dentro um pentagrama desenhado na parede, além disso, não são muito bem tratados pelos locais, sendo praticamente expulsos. Com isso, os rapazes decidem ir embora (mas antes de sair são alertados a ficar na estrada e não entrar no pântano) e, enquanto seguem viagem, começam a escutar barulhos estranhos, sendo mais tarde atacados por alguma espécie de lobo gigante, que mata um e fere o outro.

Segredos...

            Logo que os garotos saem da taverna, uma das moradoras diz que não deveriam ter deixado os garotos saírem. Afinal, era lua cheia. Outro local responde que se tivessem falado alguma coisa, pensariam que eles são loucos. Ou seja, melhor deixar os dois americanos morrerem do que eles pensarem que somos loucos, não?

            Sendo assim, tal segredo dos moradores é responsável por todas as merdas que acontecem no filme todo. Essa necessidade de preservar a imagem de pessoas comuns para não pensarem que são loucas fez com que o problema chegasse até uma das principais cidades do mundo. Portanto lembre-se: não fique com essa putarias de segredo a menos que você queira um lobisomem solto por aí matando todo mundo.
Além disso, o lobisomem pode ser visto, também, como a representação dos problemas da vila que o “abriga”. Não entendeu? Vamos lá.
            Todos os moradores sabem do problema com os licantropos, entretanto, eles não deixam que ninguém de fora ajude, ou sequer saiba (o filme da a entender que nem eles mesmos tentam resolver). Em outras palavras, por mais que, por um lado, os moradores temam o monstro, por outro parece que eles querem “cultiva-lo”, como se fosse algo cultural daquele lugar. Deste modo, podemos deixar de pensar no lobo como animal e começar a pensá-lo como um tipo de conservadorismo típico de algumas cidades do interior (bastante representado em filmes, como Elvira, Hard rock zombies...).

            Do mesmo modo que o medo do lobisomem faz com que os moradores locais fiquem presos dentro de suas casas em toda noite de lua cheia, o conservadorismo impede com que as pessoas da vila saiam do comum. Por mais que as pessoas tenham armas e vejam a possibilidade de quebrar as barreiras, elas preferem manter aquela vidinha, pois estão em sua zona de conforto, portanto, o lobisomem chega a ser de certo modo atrativo por que dá a eles uma desculpa para não mudarem.

Enfrentando os lobisomens interiores


            Essa ideia de criar um monstro que te impeça de sair do caminho desejado se aplica não apenas para os moradores da vila do filme, mas também para diversos fatores sociais: religião, politica, cultura, trabalho entre outras coisas. A questão é: todos nós, vez ou outra (algumas pessoas sempre) conservamos e/ou produzimos monstros para que justificar nossas vidas. Algumas religiões criam demônios para controlar atitudes e fazer com que as pessoas pensem que são boas. Pessoas criticam o diferente por não admitir que eles possam ser “melhores”. Enfim, justificamos escolhas que não nos agradam porque são “pro nosso bem”, trabalhamos em coisas que “dão dinheiro” por que aquela que gostamos de verdade é pra vagabundo. Etc. Etc. Etc.
            Todos nós criamos nossos próprios lobisomens pra justificar nosso medo de nos arriscarmos.
            Deixando a divagação de lado e voltando para o filme. Após o ataque David acorda semanas depois em um hospital em Londres. Depois disso, boa parte do filme é focada na questão do “psicológico” do personagem, em que ele começa a ver o amigo morto que o avisa que ele foi atacado por um lobisomem e que em alguns dias ele também irá se transformar em um. Por isso, David começa a questionar sua sanidade, ainda mais porque se lembra de ser atacado por um “lobo” e o relatório médico registra que ele foi atacado por um louco que tinha escapado do hospício. Ainda assim, ele se sente bem.
            Mesmo David sendo um turista, ele acabou “enfrentando” (não por vontade própria, é claro) aquilo que aterrorizou e definiu o estilo da vida da vila por anos. Claro que o filme não tem objetivo de abrir discussão nenhuma e só quer entreter, no entanto ele acaba representando bem como se dão as quebras de “ideologias”. Quando alguém de fora aparece e vai contra os comportamentos pré-definidos, algumas das pessoas da própria vila começam a se questionar. Primeiro, a taberneira fala que deveriam ter contado a verdade pros garotos, mesmo que isso quebre o segredo deles. Quando escutam gritos dos turistas mesmo alguns fingindo que não escutam outros decidem ir atrás e enfrentar o monstro. Melhor dizendo, logo que alguém de fora entra naquele microcosmo e acaba rompendo algum padrão (mesmo sem querer), muitos se manterão fechados, mas outros acabam sendo influenciados. Tanto que mais pra frente no filme, quando o médico volta pra vila pra tentar descobrir a verdade, um dos moradores acaba revelando o segredo.

            Apesar de David ser um viajante, indiretamente, ele acaba representando a mudança de uma pessoa que sempre viveu sob os costumes de uma cidade pequena e acaba mudando-se para uma cidade grande. Pensemos em uma garota que decidiu ir contra os princípios dos pais conservadores e mudou-se para uma cidade grande, em um primeiro momento ela sofreria um grande impacto desse choque de culturas, que no filme poderíamos ver como o ataque do lobisomem, uma vez que David foi além daquilo que as pessoas da vila estavam acostumadas. Num segundo momento a garota se sentiria perdida e começaria a questionar se realmente fez a coisa certa, assim como David durante boa parte do filme sente-se perdido e começa a questionar-se sobre sua sanidade, entretanto por outro lado, ele sente-se bem. E por fim, a garota acaba tornando-se parte da cidade grande, virando aquilo que seus pais sempre julgaram e em um primeiro momento ela passa a ver ela mesma como um monstro, afinal ela se tornou aquilo que seus pais sempre disseram que era errado, do mesmo modo que David tornou-se um lobisomem, aquilo que amedrontava a cidade.
Sendo assim, a transformação em lobisomem de David representa também, aquilo que foi construído socialmente naquele ambiente. O medo que as pessoas passavam. O pentagrama na parede e todo o resto o fizeram acreditar que havia um lobisomem naquela estrada. O fato de que quando é atacado e sobrevive ele acredita que também está possuído. Do mesmo jeito que uma garota que sai da sua vilazinha, chega na cidade e começa a se identificar com o resto, ela acha que há algo errado com ela, pois sempre aprendeu que pessoas da cidade são piores (há também um momento do filme em que David tira barato dos punks no metro por serem diferentes, uma forma de mostrar-se superior ao diferente).

Lobisomens não existem

Assistindo o filme pela segunda vez, comecei a me perguntar se David realmente se tornou um lobisomem, pois ao mesmo tempo em que o filme da a entender que sim em alguns momentos, em outros ele abre algumas brechas. Boa parte do filme se dá pela visão do protagonista e diversas vezes ele se questiona sobre sua sanidade mental e começa a falar com seu amigo que está morto (isso me parece um sinal de loucura, só parece). No inicio do filme acreditamos que exista mais de um lobisomem, mas assim que seu amigo morto faz a primeira visita ele o diz que a único modo de acabar com a maldição seria matar o ultimo lobisomem, que seria ele (já que aquele que o atacou foi morto logo após o ataque). Se existisse apenas um lobisomem seria provável que a vila já o tivesse caçado, não? Afinal, com apenas alguns tiros eles já mataram o suposto monstro que aterrorizou a vila por séculos.
Outro ponto que podemos destacar é que nos relatórios policiais, dizem que os amigos foram atacados por um louco, será que não poderia ser o real agressor? Quando o médico tenta investigar melhor a historia e conversa com as pessoas da vila, ele percebe que há algo errado, entretanto não é por isso que ele acredita na história de lobisomens, mas justifica como uma “neurose em massa” que começou com as pessoas da vila e acabou traumatizando David, influenciando-o a acreditar na história de lobisomens e, consequentemente, a crer que está possuído. O médico até diz: ”David sofreu um trauma sério. (...) Se todos acreditam que Jack foi morto por um lobisomem por que não David? E dizem que ele sobreviveu a um ataque de lobisomem, ele não se tornaria um na próxima lua cheia? Não digo que vá cair de quatro e uivar para a lua, mas em estado demente, ele pode ferir pessoas.”
Sendo assim, David passou a ser aquilo que ele (e os moradores na vila) acreditavam que aconteceria se ele sobrevivesse. Com isso, podemos voltar aquilo que já abordamos sobre sermos influenciados por aquilo que as pessoas dizem, embora não conheçamos.
            Não temos duvidas que a vila esconde algo sobre a morte de Jack, entretanto será que foi mesmo um lobisomem? Será que não poderia ter sido algo feito pelos próprios moradores da vila para protegerem o folclore local? Ou até mesmo um ataque qualquer de animal? Pois é, não saberemos.

Devo procurar um lobisomem pra me jogar na parede e me chamar de auau?


Depende de como você entendeu essa frase, se for pra procurar alguém alto, peludo e selvagem isso é com você, mas em relação a assistir o filme é a resposta é: Claro!
            “Um lobisomem americano em Londres” é um clássico do terror/trash
, os anos 80 estão estampados em sua cara, mas nem por isso ele deixa de ser um bom filme pra se ver ainda hoje, apesar de datado continua divertidíssimo. Tudo nele funciona muito bem e acaba entregando um ótimo trabalho, a trilha sonora simples mas bem bacana cheia de rock e blues, a maquiagem é algo que impressiona pra época, e não podemos deixar de citar a clássica cena da transformação, que é referencia ainda para os dias de hoje. Então levante essa bunda peluda do sofá e vá agora baixar alugar o filme na locadora mais próxima, mas lembre-se... Não saia em noite de lua cheia.


Trailer

2 comentários: