Então você deseja um apocalipse zumbi? Uma enorme hecatombe na
qual os fracos morressem e os fortes tivessem sua virtude testada? E você
certamente vai estar entre os fortes, não é? Mas o que aconteceria depois da
catástrofe - quando fosse possível sobreviver de modo razoavelmente seguro, com
alimentação regular e até algum conforto -, o que você faria sem shoppings,
internet ou família? Reconstruiria a civilização? Para quê? Para haver
novamente miseráveis a quem explorar? Para sentarmos frente a televisão e rirmos
de nossa própria burrice? Instalaria um sistema político que seus descendentes
iriam deturpar e transformar em tirania? Ou desistiria? Tentaria apenas viver decentemente?
Seja qual for sua resposta, leitor, em “O dia dos mortos”,
depois de muitos ataques zumbis, tiros e mortes, a esperança já escorreu pelo
ralo. Restando somente algumas poucas pessoas e suas pretensões quanto ao
futuro. Imediatamente lhes aparece a questão: afinal, o que fazer com a vida
que nos resta?
Esta resenha faz parte de uma trilogia na qual comentamos os
três filmes clássicos da “Dead series” do diretor George Romero, sendo eles:
“Night of the living dead”, “Dawn of dead” e, agora, “Day of the dead”. Portanto,
se quiser ler o restante basta clicar aqui (“A noite dos mortos vivos”) ou aqui (“O despertar dos mortos").
“O dia dos mortos”
Viver num mundo despedaçado
Num
mundo pós-apocalipse zumbi, Sarah é a única mulher num complexo laboratorial
onde são realizadas pesquisas com mortos-vivos. Após a morte do último líder
militar do recinto, o substituto passa a questionar as razões de se manter o
local e os resultados das pesquisas feitas até então. No meio disso a
protagonista tem que lidar com seu namorado surtado, cada vez mais fora da
realidade, com um cientista obcecado por seus experimentos e com o fato de ser
subestimada constantemente por seu sexo. Conforme o avançar do filme as
relações entre os personagens (que já eram complicadas) vão se tornando ainda
mais tensas.
Que rumo toma a coisa?
O
filme - contrariando boa parte do cinema que veio depois - não é centrado na
ação, nas balas atravessando corpos, nos golpes abrindo crânios, no suco de
tomate e ketchup jorrando veias a fora, ou em personagens e temas heróicos.
Romero está mais interessado nos vivos que nos mortos. A trama se volta para o
comportamento das pessoas em vista da situação desesperadora que experimentam e,
não menos importante, para o questionamento do tempo, do sentido dado a ele. Não
por acaso, a primeira cena mostra a personagem se confrontando com seu próprio
tempo, materializado nas folhas riscadas de um calendário.
Por
um lado vemos personagens sobre intensa pressão, seja porque há zumbis famintos
querendo devorá-los ou porque eles mesmos anseiam matar seus colegas; por
outro, os próprios sobreviventes estão incomodados pela falta de perspectiva e
de sentido na existência que dispõe. Afinal, se o mundo acabou o que devemos
fazer com nossas vidas? Tentar reverter tudo ou simplesmente desistir? Se não
há coação por parte do mundo - não precisamos de trabalho, bens, planos,
impostos e podemos fazer o que quiser - a liberdade faz com que pese sobre o
indivíduo as escolhas infinitas de que dispõe... E a o fardo desse peso ninguém
está pronto para suportar. Indo ainda mais longe: se todas as coisas que “dão
sentido a vida” foram embora, qual será a razão de vivermos daqui por diante? O
que motivará nossas ações? Quem nos dirá que fazemos o certo ou o errado?
Legal,
não é? Então corra para assistir, bobão...
Efeitos e trilha sonora
Os
efeitos parecem hoje bastante engraçados, soando no melhor estilo do cinema trash; o que não chega tornar o filme
alternativo, mas também não deixa de agradar essa rapaziada sedenta de sangue
inserindo cenas bregas de beijos e amor (ugh...).
A
trilha sonora é meio estranha, baseada nas baladinhas eletrônicas dos anos
oitenta e efeitinhos sofríveis retirados de algum teclado Cássio velho. Em
certos momentos ela não faz o menor sentido, nem para reforçar nem para
ironizar as cenas, parecendo estar descolada da ação do filme. Porém, dado que
Romero é provavelmente mais inteligente que eu (e você – afinal ele ficou rico
não é?), ficamos em dúvida se a trilha é mesmo ruim ou se somos nós que não a
entendemos...
O bom: a cena de
abertura do filme é genial e mostra logo de cara porque esse não é mais um
“filme de zumbi”.
O mal: o final de Rhodes
é uma concessão desnecessária a obra.
O feio: Bub, o bizarro
zumbi de estimação que virou um símbolo do mundo zumbi.
Vale à pena assistir?
Sim,
o filme pode parecer superado porque foi tão copiado que sua originalidade parece
ofuscada. Não é a obra máxima do diretor e, no geral, é apenas um filme
razoável. No entanto vale à pena conhecer onde tudo começou. Nem que seja para
notar que “The Walking Dead” não é assim tão inovador...
PSII: como se já não bastasse a
porcaria de 2005, a obra original ganhou um remake em 2008 pelas mãos do
diretor Steve Miner. O filme é péssimo, com zumbis que saltam mais de três
metros e que se esquivam de balas (juro pela santa-senhora-minha-mãe-que-está-no-céu).
Mantenha distância.
PSIII: existe uma adaptação da obra
para os quadrinhos (desculpem, mas não sei de que ano é) com o título em português
de “Zumbi O despertar dos mortos”. Se você for um fã ardoroso, talvez queira conferir,
mas aviso já: não é grande coisa...
Trailer:
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