Lançado lá
nos anos noventa em algum lugar qualquer da Alemanha, Camisinha assassina é
um dos grandes nomes do trash, uma verdadeira pérola cinematográfica muito
melhor que a discografia do Pink Floyd e a filmografia do Hitchcock juntas.
Juro. Se vocês não conheciam essa maravilha ou se ao menos ficaram curiosos,
cliquem aí no link para descobrir o que estavam perdendo.
Título original: Kondom des
grauens
Lançamento: 1996
Duração: 103 minutos
Direção: Martin Walz
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O detetive
Luigi Mackeroni decide investigar uma série de casos envolvendo prostitutas que
teriam decepado o pênis de seus clientes, porém, no meio da investigação, ele
mesmo é atacado e ferido por algo que parece ser uma camisinha devoradora de
pintos.
“Olha só quem chegou: o
senhor Mackeroni!”
Junto com O vingador tóxico, O massacre do micro-ondas e alguns outros,
considero Camisinha assassina um dos melhores “trashs para quem nunca
viu um trash”. Para além do fato de que se trata de um filme fácil de achar e
que está no Youtube, ele também apresenta doses baixas de violência, uma trama
interessante, pouca nudez, poucas bizarrices e um clima hilário que o torna
bastante agradável. Apesar de seu título magnífico e instigante, Camisinha
assassina não é um daqueles filmes que machucam nosso senso estético.
Dentro de alguns limites, ele até pode ser visto na companhia da família (bem,
talvez não com a vovó).
O mais
surpreendente a seu respeito, no entanto, talvez seja que essa é uma obra com
uma proposta: os cenários são bem escolhidos, a trama da camisinha devoradora
de pintos tem um sentido, o protagonista está em busca de algo que visa
modificá-lo, os personagens trazem questões interessantes e coisas assim, sendo
que depois de várias risadas com o ridículo da obra, ficamos com aquela sensação
de que até aprendemos alguma coisa aí e pegamos qualquer coisa da moral da
história.
Particularmente,
esse é um dos meus trashs favoritos e desde o começo deste blogue estamos
devendo uma resenha sua, então é com muito gosto que o apresento a vocês.
“Essa cidade não passa de
uma latrina fétida, cheia de gente pervertida. Depois de um tempo, até as
meninas educadas em Oklahoma arrancam os pênis dos homens com os dentes”
Camisinha
assassina é uma paródia daqueles filmes noir de antigamente:
Mackeroni é um detetive experiente e sisudo, marcado pela decadência do lugar
em que está e das coisas horríveis que já viu como policial, contudo, seu
estereótipo de detetive para aí, pois além de ser esse machão de filmes de
décadas passadas, ele é também um gay muito bem resolvido que está se abrindo
para o amor agora na maturidade e que, em vez de ter uma femme fatale a
mexer com seu coração, tem um jovem michê como seu interesse romântico. O
próprio submundo aonde o personagem adentrará para resolver o caso não envolve
máfia ou grandes conchavos empresariais, mas as boates gays (masculinas) dos
subúrbios de Nova Iorque e suas figuras folclóricas vestidas em couro. Acerca
disso, a ambientação do filme contribui bastante para ressaltar essa subversão,
com seus bares sujos, repletos de gente feia e perdida, suas ruas imundas, os
tons de cores vermelhas que dão aquela sensação de puteiro barato e, ao mesmo
tempo, remetem ao sangue e à violência sempre presentes nesse lugar.
Creio que há
poucos momentos que o filme nos faz realmente gargalhar, porém essa subversão
da expectativa o torna constantemente hilário, visto que há sempre algo
estranho onde esperamos o comum e mesmo quando o filme substitui um estereótipo
por outro (quando o “viadinho” está no lugar da “femme fatale”, por
exemplo), esses estereótipos tendem a se complexificar com o tempo e a deixarem
de ser estereótipos. Até os personagens mais escandalosamente estereotípicos do
filme vão ganhando mais contornos e se mostrando sua humanidade.
“O que aconteceu com as
putas, Luigi? Decepando o pinto dos clientes? Os pintos são o ganha pão delas,
não são?”
Existe uma
tema que atravessa toda a obra desde a primeira cena, que é a ideia de pureza
moral e perda da inocência: há alguma pureza, alguma bondade, nas pessoas ou
todos já nos tornamos uns pervertidos? Camisinha assassina tem uma trama
baseada em mutilações e, mais ainda, uma trama que parece indicar que qualquer
um pode vir a se tornar um maníaco, por conta disso, o tema da pureza moral faz
parte da obra no sentido de levantar a dúvida do motivo pelo qual lutamos para
agir moralmente bem. Afinal, se todos são impuros, se todos são como monstros,
então por que caçamos monstros? Não somos todos iguaizinhos e não deveríamos
dividir a mesma mesa no café da manhã? De um lado, a trama tende para essa
ideia de que ninguém vale nada mesmo e, de outro, para a esperança de que
exista algo bom nas pessoas e que a coisa não seja assim tão bagunçada que se
possam jogar todos num mesmo saco.
No que diz
respeito ao protagonista, essa questão da pureza moral aparece quando os
sentimentos dele estão em questão: Mackeroni está envolvido até o pescoço com a
sujeira de Nova York, contudo, ainda assim anseia por algo diferente desse
mundo de sacanagem e desespero, talvez algum amor real...
Soltando
agora um spoiler do final da trama (pule para o próximo parágrafo se não
quiser saber), mesmo quando a trama maluca da camisinha é desvendada,
descobrimos que os responsáveis pelos conjunto de mutilações também tem um
ideal de pureza, mas que esse ideal passa pela ideia de uma erradicação daquilo
que eles consideram sujo: gays, prostitutas, pessoas que fazem sexo fora do
casamento e todas essas besteiras moralistas que conhecemos bem.
Particularmente, penso que o mais interessante acerca disso é que se trata
mesmo de uma contraposição de ideais representados em personagens, pois
enquanto os vilões pensam a pureza por meio da erradicação das pessoas que
carregam impureza (o que leva, é claro, a uma divisão entre pessoas puras e
impuras), o ideal do protagonista envolve encontrar pureza no interior desse
mundo sujinho, quer dizer, pureza não é erradicação mas um outro tipo
envolvimento o qual é possível a qualquer um. Vale lembrar que o boy do
protagonista é um michê, alguém que em tese está completamente comprometido
pela imundice do mundo, contudo, o ideal do protagonista é que mesmo alguém
como ele poderá encontrar uma forma de envolvimento com as pessoas que envolva
um sentimento profundo e verdadeiro, uma relação íntima e pura que não seja do
mesmo tipo que ele mantém com seus clientes.
A partir daí,
o filme dá um passo muito bonito no sentido de defender que, por detrás de
qualquer máscara (ou uniforme policial, ou cinta liga, ou roupa de couro, sei
lá) que as pessoas vistam, elas nunca deixam ser essencialmente isso: pessoas.
Embora sejam meio feinhas, esquisitinhas, tenham um mamilo mais alto que o
outro, durmam com o cachorro do lado, tenham um apetite esquisito por filmes
trashs, sofram de mal hálito pela manhã, ou qualquer coisa dessas, elas são
apenas gente que tenta gozar a vida e sobreviver à solidão. Apesar do caos do
mundo e das coisas desagradáveis mas necessárias para sobreviver a ele, as
pessoas anseiam por se ligar umas às outras de formas mais puras, com
sentimentos maiores que a mediocridade do dia a dia as permite viver.
A própria
repulsa que os heterossexuais do filme apresentam contra os gays cumpre uma
função nessa mensagem, servindo não só para expor o preconceito existente
contra aquela safra de personagens e a tensão com a qual Mackeroni tem que
lidar diariamente por ser gay, como também para lhe dar a chance de desfazer
esses preconceitos em ótimas cenas. Ao mesmo tempo em que a suruba do submundo
novaiorquino é jogada na nossa cara como sendo ridícula e meio repulsiva, com
aquele monte de gente barbada trajando roupas ridículas e mantendo todo tipo de
trejeito afetado, Mackeroni surge como um porta voz da humanidade de tais
sujeitos para defender que, no fim das contas, gente vestida de Vilage People,
gays enrustidos, festivos, ou quem quer que seja, estão apenas buscando
diversão inofensiva e que elas precisem, às vezes, vestir máscaras que
contrariam as expectativas das pessoas para fazer essa busca, eis aí um detalhe
que em nada as diminui, afinal, quem de nós não faz isso? Não jogamos jogos em
que somos outro, pulamos carnaval com fantasias de personagens, vemos filmes
para sermos outros? Não somos também outro a cada grupo de amigos que
frequentamos? Não nos masturbamos sendo outro, desejando outros e outras que nunca
teremos sendo nós mesmos? Que problema há em não seguir a identidade social pré
estabelecida de homem macho heterossexual e escolher ser outra coisa? A repulsa
contra os gays os desumaniza e faz deles sujeitos com uma identidade
socialmente inaceitável, contudo, ela depende profundamente da ignorância para
esconder que, exceto no fato de que os gays são gays, eles não tem mais nenhuma
diferença daqueles que os abominam. Repelir o gay é sobrevalorizar uma ínfima
diferença que separa pessoas profundamente iguais.
Devo usar camisinha sem medo?
Atenção
pessoas sexualmente ativas deste blogue (se é que vocês existem): taxa de
natalidade é uma coisa séria e DST também, então usem camisinha sem medo porque
existem ameaças muito mais reais que
latex dentado.
No mais,
Camisinha assassina é tão legal quanto um filme trash pode ser e se trata,
com certeza, de um dos melhores representantes do gênero. Se este bloguinho
lançasse um Best of trash, Camisinha assassina certamente estaria no
lado A (se é que vocês entendem isso): ele tem um clima hilário e gostoso de
acompanhar, não ofende gratuitamente o espectador (caso você não goste disso) e
bem antes dessa explosão toda de discussões sobre minorias e tal, já colocava
várias discussões interessantes a respeito do assunto com a vantagem de não ser
enviesado e chato como são essas coisas hoje em dia. Para dar uma ideia da
coisa, vale citar que quase toda a trama da camisinha não é levada a sério pelo
poder público a não ser quando começa a atingir gente rica e com grande
visibilidade, pois antes disso ela é tida apenas como um “assunto de gays e
prostitutas” o qual, por mais que tenha feito várias vítimas, nunca recebe
grande atenção. Agora tente pensar numa mazela que mate pessoas
indiscriminadamente mas que, por ser associada a gays e prostitutas, seja
encarada com relutância pela sociedade e só considerada com atenção na medida
em que começa a atingir “gente de bem”. Se você conseguir imaginar algo assim,
sei que vai entender o espírito desse filme.
Exceto na
brincadeira, de maneira alguma nós do Café com Tripas
vamos mentir para você e dizer que se trata de uma obra prima que deveria ser
passada nas aulas de educação sexual, pois o filme tem seus problemas, como um
roteiro meio frouxo em que as ações do personagem não levam necessariamente a
trama adiante, entretanto, trata-se de uma película divertida que, de uma forma
leve e engraçada, revira tudo o que pode despertar homofobia dentro do
espectador e traz uma boa resposta para nossos preconceitos toscos. Juntem xs
amiguxs e se divirtam.
Trailer
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