segunda-feira, 26 de junho de 2017

Resenha: Camisinha assassina (Kondom des grauens)


            Lançado lá nos anos noventa em algum lugar qualquer da Alemanha, Camisinha assassina é um dos grandes nomes do trash, uma verdadeira pérola cinematográfica muito melhor que a discografia do Pink Floyd e a filmografia do Hitchcock juntas. Juro. Se vocês não conheciam essa maravilha ou se ao menos ficaram curiosos, cliquem aí no link para descobrir o que estavam perdendo.



Título original: Kondom des 
grauens
Lançamento: 1996
Duração: 103 minutos
Direção: Martin Walz
            O detetive Luigi Mackeroni decide investigar uma série de casos envolvendo prostitutas que teriam decepado o pênis de seus clientes, porém, no meio da investigação, ele mesmo é atacado e ferido por algo que parece ser uma camisinha devoradora de pintos.

Olha só quem chegou: o senhor Mackeroni!”

            Junto com O vingador tóxico, O massacre do micro-ondas e alguns outros, considero Camisinha assassina um dos melhores “trashs para quem nunca viu um trash”. Para além do fato de que se trata de um filme fácil de achar e que está no Youtube, ele também apresenta doses baixas de violência, uma trama interessante, pouca nudez, poucas bizarrices e um clima hilário que o torna bastante agradável. Apesar de seu título magnífico e instigante, Camisinha assassina não é um daqueles filmes que machucam nosso senso estético. Dentro de alguns limites, ele até pode ser visto na companhia da família (bem, talvez não com a vovó).
            O mais surpreendente a seu respeito, no entanto, talvez seja que essa é uma obra com uma proposta: os cenários são bem escolhidos, a trama da camisinha devoradora de pintos tem um sentido, o protagonista está em busca de algo que visa modificá-lo, os personagens trazem questões interessantes e coisas assim, sendo que depois de várias risadas com o ridículo da obra, ficamos com aquela sensação de que até aprendemos alguma coisa aí e pegamos qualquer coisa da moral da história.
            Particularmente, esse é um dos meus trashs favoritos e desde o começo deste blogue estamos devendo uma resenha sua, então é com muito gosto que o apresento a vocês.

Essa cidade não passa de uma latrina fétida, cheia de gente pervertida. Depois de um tempo, até as meninas educadas em Oklahoma arrancam os pênis dos homens com os dentes”


            Camisinha assassina é uma paródia daqueles filmes noir de antigamente: Mackeroni é um detetive experiente e sisudo, marcado pela decadência do lugar em que está e das coisas horríveis que já viu como policial, contudo, seu estereótipo de detetive para aí, pois além de ser esse machão de filmes de décadas passadas, ele é também um gay muito bem resolvido que está se abrindo para o amor agora na maturidade e que, em vez de ter uma femme fatale a mexer com seu coração, tem um jovem michê como seu interesse romântico. O próprio submundo aonde o personagem adentrará para resolver o caso não envolve máfia ou grandes conchavos empresariais, mas as boates gays (masculinas) dos subúrbios de Nova Iorque e suas figuras folclóricas vestidas em couro. Acerca disso, a ambientação do filme contribui bastante para ressaltar essa subversão, com seus bares sujos, repletos de gente feia e perdida, suas ruas imundas, os tons de cores vermelhas que dão aquela sensação de puteiro barato e, ao mesmo tempo, remetem ao sangue e à violência sempre presentes nesse lugar.
            Creio que há poucos momentos que o filme nos faz realmente gargalhar, porém essa subversão da expectativa o torna constantemente hilário, visto que há sempre algo estranho onde esperamos o comum e mesmo quando o filme substitui um estereótipo por outro (quando o “viadinho” está no lugar da “femme fatale”, por exemplo), esses estereótipos tendem a se complexificar com o tempo e a deixarem de ser estereótipos. Até os personagens mais escandalosamente estereotípicos do filme vão ganhando mais contornos e se mostrando sua humanidade.

O que aconteceu com as putas, Luigi? Decepando o pinto dos clientes? Os pintos são o ganha pão delas, não são?”

            Existe uma tema que atravessa toda a obra desde a primeira cena, que é a ideia de pureza moral e perda da inocência: há alguma pureza, alguma bondade, nas pessoas ou todos já nos tornamos uns pervertidos? Camisinha assassina tem uma trama baseada em mutilações e, mais ainda, uma trama que parece indicar que qualquer um pode vir a se tornar um maníaco, por conta disso, o tema da pureza moral faz parte da obra no sentido de levantar a dúvida do motivo pelo qual lutamos para agir moralmente bem. Afinal, se todos são impuros, se todos são como monstros, então por que caçamos monstros? Não somos todos iguaizinhos e não deveríamos dividir a mesma mesa no café da manhã? De um lado, a trama tende para essa ideia de que ninguém vale nada mesmo e, de outro, para a esperança de que exista algo bom nas pessoas e que a coisa não seja assim tão bagunçada que se possam jogar todos num mesmo saco.
            No que diz respeito ao protagonista, essa questão da pureza moral aparece quando os sentimentos dele estão em questão: Mackeroni está envolvido até o pescoço com a sujeira de Nova York, contudo, ainda assim anseia por algo diferente desse mundo de sacanagem e desespero, talvez algum amor real...
            Soltando agora um spoiler do final da trama (pule para o próximo parágrafo se não quiser saber), mesmo quando a trama maluca da camisinha é desvendada, descobrimos que os responsáveis pelos conjunto de mutilações também tem um ideal de pureza, mas que esse ideal passa pela ideia de uma erradicação daquilo que eles consideram sujo: gays, prostitutas, pessoas que fazem sexo fora do casamento e todas essas besteiras moralistas que conhecemos bem. Particularmente, penso que o mais interessante acerca disso é que se trata mesmo de uma contraposição de ideais representados em personagens, pois enquanto os vilões pensam a pureza por meio da erradicação das pessoas que carregam impureza (o que leva, é claro, a uma divisão entre pessoas puras e impuras), o ideal do protagonista envolve encontrar pureza no interior desse mundo sujinho, quer dizer, pureza não é erradicação mas um outro tipo envolvimento o qual é possível a qualquer um. Vale lembrar que o boy do protagonista é um michê, alguém que em tese está completamente comprometido pela imundice do mundo, contudo, o ideal do protagonista é que mesmo alguém como ele poderá encontrar uma forma de envolvimento com as pessoas que envolva um sentimento profundo e verdadeiro, uma relação íntima e pura que não seja do mesmo tipo que ele mantém com seus clientes.
            A partir daí, o filme dá um passo muito bonito no sentido de defender que, por detrás de qualquer máscara (ou uniforme policial, ou cinta liga, ou roupa de couro, sei lá) que as pessoas vistam, elas nunca deixam ser essencialmente isso: pessoas. Embora sejam meio feinhas, esquisitinhas, tenham um mamilo mais alto que o outro, durmam com o cachorro do lado, tenham um apetite esquisito por filmes trashs, sofram de mal hálito pela manhã, ou qualquer coisa dessas, elas são apenas gente que tenta gozar a vida e sobreviver à solidão. Apesar do caos do mundo e das coisas desagradáveis mas necessárias para sobreviver a ele, as pessoas anseiam por se ligar umas às outras de formas mais puras, com sentimentos maiores que a mediocridade do dia a dia as permite viver.
            A própria repulsa que os heterossexuais do filme apresentam contra os gays cumpre uma função nessa mensagem, servindo não só para expor o preconceito existente contra aquela safra de personagens e a tensão com a qual Mackeroni tem que lidar diariamente por ser gay, como também para lhe dar a chance de desfazer esses preconceitos em ótimas cenas. Ao mesmo tempo em que a suruba do submundo novaiorquino é jogada na nossa cara como sendo ridícula e meio repulsiva, com aquele monte de gente barbada trajando roupas ridículas e mantendo todo tipo de trejeito afetado, Mackeroni surge como um porta voz da humanidade de tais sujeitos para defender que, no fim das contas, gente vestida de Vilage People, gays enrustidos, festivos, ou quem quer que seja, estão apenas buscando diversão inofensiva e que elas precisem, às vezes, vestir máscaras que contrariam as expectativas das pessoas para fazer essa busca, eis aí um detalhe que em nada as diminui, afinal, quem de nós não faz isso? Não jogamos jogos em que somos outro, pulamos carnaval com fantasias de personagens, vemos filmes para sermos outros? Não somos também outro a cada grupo de amigos que frequentamos? Não nos masturbamos sendo outro, desejando outros e outras que nunca teremos sendo nós mesmos? Que problema há em não seguir a identidade social pré estabelecida de homem macho heterossexual e escolher ser outra coisa? A repulsa contra os gays os desumaniza e faz deles sujeitos com uma identidade socialmente inaceitável, contudo, ela depende profundamente da ignorância para esconder que, exceto no fato de que os gays são gays, eles não tem mais nenhuma diferença daqueles que os abominam. Repelir o gay é sobrevalorizar uma ínfima diferença que separa pessoas profundamente iguais.

Devo usar camisinha sem medo?

            Atenção pessoas sexualmente ativas deste blogue (se é que vocês existem): taxa de natalidade é uma coisa séria e DST também, então usem camisinha sem medo porque existem  ameaças muito mais reais que latex dentado.
            No mais, Camisinha assassina é tão legal quanto um filme trash pode ser e se trata, com certeza, de um dos melhores representantes do gênero. Se este bloguinho lançasse um Best of trash, Camisinha assassina certamente estaria no lado A (se é que vocês entendem isso): ele tem um clima hilário e gostoso de acompanhar, não ofende gratuitamente o espectador (caso você não goste disso) e bem antes dessa explosão toda de discussões sobre minorias e tal, já colocava várias discussões interessantes a respeito do assunto com a vantagem de não ser enviesado e chato como são essas coisas hoje em dia. Para dar uma ideia da coisa, vale citar que quase toda a trama da camisinha não é levada a sério pelo poder público a não ser quando começa a atingir gente rica e com grande visibilidade, pois antes disso ela é tida apenas como um “assunto de gays e prostitutas” o qual, por mais que tenha feito várias vítimas, nunca recebe grande atenção. Agora tente pensar numa mazela que mate pessoas indiscriminadamente mas que, por ser associada a gays e prostitutas, seja encarada com relutância pela sociedade e só considerada com atenção na medida em que começa a atingir “gente de bem”. Se você conseguir imaginar algo assim, sei que vai entender o espírito desse filme.
            Exceto na brincadeira, de maneira alguma nós do Café com Tripas vamos mentir para você e dizer que se trata de uma obra prima que deveria ser passada nas aulas de educação sexual, pois o filme tem seus problemas, como um roteiro meio frouxo em que as ações do personagem não levam necessariamente a trama adiante, entretanto, trata-se de uma película divertida que, de uma forma leve e engraçada, revira tudo o que pode despertar homofobia dentro do espectador e traz uma boa resposta para nossos preconceitos toscos. Juntem xs amiguxs e se divirtam. 

Trailer

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