O
Café
vem hoje para falar de uma das pessoas mais importantes da música nacional. Se
você for uma pessoa que quer pagar de cult e descoladona deve estar
pensando em Caetano, Cartola, Nara Leão, ou em qualquer um desses dinossauros
da MPB que você jura pros seus amigos que gosta, mas no fundo só conhece o best
of que sua mãe escutava enquanto você pensava: “porra, que musica chata,
cadê o nirvana?”.
Por outro lado, se você for um fã
desse bloguinho já deve ter pensado em figuras muito mais icônicas e
importantes pra música como o sr. João Francisco Benedan, vulgo João Gordo.
Então coloque o disco do Ratos na vitrola, pegue sua refeição vegana, bote o
som no ultimo e... Take it J. G.
“Sou um sobrevivente.
Sobrevivi à obesidade mórbida, sobrevivi ao pó, sobrevivi a punks e carecas que
queriam me matar, sobrevivi à policia, sobrevivi ao sistema de um país injusto
e corrupto e, principalmente, sobrevivi ao meu pai, superando todas as nossas
diferenças. Lógico que, se não fosse ele, minha vida teria tomado outro rumo,
talvez hoje eu fosse um operário infeliz na Vila Gustavo ou, quem sabe, até um
PM. A opressão me fez mergulhar de cabeça no mundo do rock. Fui pra onde o
vento me levou...”
Título original: Viva la vida tosca
Autor: João Gordo & André Barcinski
Ano: 2016
Editora: Darkside books
Páginas: 320
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Agressão/Repressão
Escrito
em primeira pessoa, João Gordo conta um pouco de sua vida de uma maneira leve,
divertida e, às vezes, emocionada. Seguindo uma ordem cronológica dos
acontecimentos, começando de sua infância e da sua origem, passando por seu
início e crescimento na música, os seus anos de MTV, até o seu presente — pai, marido, vegano, youtuber,
apresentador, radialista, dj e, claro, vocalista do Ratos de Porão.
Nas
primeiras páginas vamos conhecer um pouco sobre a estrutura familiar do Gordo,
quem são seus pais e avós, como era tanto sua situação financeira quanto social, em qual contexto
ele nasceu, etc. Depois de fazer um panorama geral pré nascimento, ele segue
contando como foi sua infância, e é aqui que vamos compreendendo as bases que ele
teve na vida e quais foram os fatores que o levaram a seguir a vida como ele
seguiu.
Não
me cabe ficar contando a história do Gordo, afinal o livro está ai pra ser
lido, então vou pontuar algumas partes que considero importantes, que eu creio
que possam aumentar sua curiosidade e te convencer a ir atrás dele.
A
infância e adolescência de João Gordo foi bem conturbada. Seu pai era da
polícia militar e possuía alguns outros problemas pessoais que escondia da
família, resumindo, era uma pessoa bem rígida. Já o Gordo era uma pessoa que
não se dava muito bem na escola e também não era do tipo que seguia a risca as
convenções sociais, o que fazia com que as brigas com seu pai fossem
constantes, como ele mesmo diz. Quanto maior a repressão mais ele fazia coisa errada.
Esse constante conflito vai levar a diversos episódios que ele contará na
biografia, incluindo uma mudança de cidade.
Em
meio a tanto problema, ele só conseguiu encontrar refúgio em um único lugar.
Crucificados pelo sistema
Conforme
vemos na biografia, a música teve uma grande importância na vida do Gordo,
mesmo antes dele começar a se envolver com o movimento punk no início dos anos
80. No livro ele vai contar um pouco sobre como ele teve o primeiro contato com
o rock, a importância que o Queen teve na vida dele, como ele fazia pra escutar
e conhecer coisas novas naquela época, etc.
Essa
aproximação com a música fez com que ele ficasse cada vez mais interessado e,
consequentemente, pesquisasse não apenas bandas novas, mas tudo aquilo que
englobasse esse universo. Sua vida começa a sofrer uma maior mudança quando
descobre os Ramones e passa a ter contato com o Punk, sendo que a música deixa
de ser um entretenimento e uma fuga e passa a ser um estilo de vida, sobretudo
porque rolava uma identificação com as temáticas tratadas no estilo e seu
próprio dia a dia.
Como
você pode imaginar: um adolescente com problemas familiares, sem muito gosto
pela escola e que acaba abraçando o punk como uma forma de escapar de todos os
problemas (apesar de causar muitos outros) e de buscar sua própria identidade.
Por isso, é bem bacana ver o Gordo falando de como ele mudou sua forma de se
vestir, rasgando as roupas e colocando vários acessórios em uma época em que
esse estilo era totalmente desconhecido e diferente do padrão.
É
a partir disso que ele começa a fazer amizades com pessoas com gostos
semelhantes e vê a cena punk começar a surgir em SP, participando ativamente
dela. Ainda mais quando entra para o Ratos.
Anarkophobia
Algo
que pode incomodar alguns mas que achei bom no livro é que ele é
definitivamente uma biografia do Gordo e não do Ratos de Porão, como alguns
devem imaginar. Claro que vamos ter muita menção e muitas histórias do Ratos,
porque é boa parte da vida dele, mas em todo momento sabemos que ele está
contando aquela história pra falar sobre ele e não sobre a banda em si, algo
que é de certo modo desnecessário porque temos dois ótimos documentários sobre
o Ratos: o “Guidable – A verdadeira história do Ratos de Porão” e o
“Crucificados pelo sistema: 30 anos”. Fortemente recomendado se você gosta do
Ratos ou se interessa pelo movimento punk de SP.
Entretanto,
mesmo que seja uma biografia focada na vida do Gordo, isso não impede que
tenhamos uma amostra de todo o universo externo a sua pessoa porque,
independentemente de qualquer coisa, ele é uma figura icônica da música, da TV
e do cenário midiático do Brasil dos anos 90 até hoje. Mesmo as pessoas que não
estão no meio do punk e do metal, conhecem sua pessoa de alguma maneira.
Sendo
assim, essa visibilidade que ele teve no cenário midiático permitiu que ele
estivesse não apenas dentro do cenário de música extrema, mas também no mainstream,
conversando e interagindo com pessoas totalmente diferente dele e rendendo
diversas histórias que estão presentes no livro.
A
capacidade do Gordo dialogar tanto com o seu meio quanto com pessoas tão
diferentes dele é o que torna ele uma pessoa tão interessante.
Mad society
Ok,
já sabemos que o Gordo se dá bem com (quase) todo mundo, mas... e os rock?
Mesmo
a biografia sendo interessante mesmo pra quem só goste da sua figura, pode ter
certeza que é muito mais proveitosa pra quem acompanha a banda e o cenário no
qual ela está inserida, porque aqui vamos ter histórias que envolvem várias
bandas e artistas que são muito mais legais se você tem uma base sobre elas e
sobre alguns eventos.
Durante
o livro vamos sentir a emoção do Gordo em conhecer alguns dos seus ídolos da
adolescência até mesmo a amizade que ele fez com bandas brasileiras e gringas.
No geral vamos ter apenas alguns relatos breves, mas existem algumas histórias
que ele se preocupa em contar com mais detalhes.
Uma
banda que vai ter grande presença nas páginas da biografia é o Sepultura, o
Gordo fez amizade com a banda logo no início da formação, antes mesmo de
lançarem o primeiro álbum (se não me engano), sendo assim foram duas bandas que
cresceram juntas e se “internacionalizaram” na mesma época. Então é bem
interessante ver essa relação entre eles, desde o convite pra tocarem juntos,
as reuniões na casa da mãe dos Cavalera, até a saída e briga com o Max.
Além
disso vamos ter a historias com os Ramones, como foram as primeiras turnês
internacionais, a vinda do Nirvana pro Brasil e como o João Gordo se
responsabiliza pelo péssimo show que eles fizeram por aqui, etc.
Escravo da TV
Além
da música, como já foi mencionado, ele teve uma grande importância na TV
brasileira. O Gordo vai nos contar desde a sua estreia na MTV até a decadência
da emissora, fazendo com que ele acabasse indo para a Record.
A
parte em que ele fala sobre a sua vida na MTV vemos um misto de nostalgia com
revolta, porque sentimos que ali na emissora ele teve momentos importantíssimos
pra sua vida e pra sua carreira. Durante um bom tempo ele tinha liberdade pra
fazer tudo que queria, sem todos os limites que as emissoras tracionais pregam,
mas com o tempo ele foi percebendo que ele não era valorizado, por mais que
tivesse uma das maiores audiências, o que o faz falar de todos os problemas que
teve ali dentro sem porém deixar de lado as coisas boas.
Mesmo
o livro sendo narrado em primeira pessoa, algumas partes são narradas por
pessoas próximas a ele, e isso é interessante por apresentar um visão externa
ao ponto de vista do Gordo. E nessa parte sobre a TV é bem interessante porque
vemos como o Gordo quebrou todos os padrões quando foi contratado pela MTV, até
então não tinha ninguém no Brasil que fazia aquilo que ele fazia. Mas mesmo
saindo totalmente do esperado, ele conseguiu atrair bastante audiência pro seu
jeito foda-se de ser. Ou você acha que é qualquer pessoa xinga uma garota de 12
anos de “fascista, filha da puta” em um programa ao vivo?
Contando os mortos
Apesar
de diversas histórias interessantes sobre música e televisão, uma boa parte da
biografia não é tão bacana assim, apesar de ser importante, que é a parte
relativa ao problema que o Gordo teve com
drogas.
Por
todo o livro é perceptível o espectro das drogas rondando o Gordo, e isso é o
mais curioso, pois nos primeiros momentos tendemos a levar tudo como
brincadeira ou como uma história divertida. Diversas vezes no livro você vai se
pegar rindo de situações que envolvem drogas, entretanto conforme vamos
acompanhando sua vida, vamos percebendo que isso vai ficando mais e mais
pesado, desencadeando diversos problemas.
A
biografia permite ver direitinho a diversão rebelde de usar drogas, progredindo
pra dependência, fazendo com que, por um bom tempo da sua vida, ele vivesse e
trabalhasse só para sustentar o vício, esquecendo de todo o resto até quase
morrer.
Por
mais piegas que seja, podemos dizer que o amor salvou a vida do Gordo, mas
vamos parar por aqui.
Aids, pop, repressão
O que é que eu fiz pra
merecer isso?
O
João Gordo é um daqueles artistas que lembro de acompanhar desde a infância.
Apesar de eu começar a escutar rock e seus derivados ainda quando criança, eu
só fui começar a ter uma relação maior com o Ratos de Porão a alguns anos
atrás, enquanto toda a figura do Gordo, pra mim, foi criada a partir da MTV.
Claro que eu sabia da existência da banda, mas seu lado apresentador falava
mais alto naquela época.
A
primeira vez que lembro de ter visto o Gordo, foi no programa “Garganta e
Torcicolo” na MTV, nos longínquos anos de 1997, e desde essa época eu venho
acompanhando seu trabalho até chegar no seu atual “Panelaço” que ele faz no
youtube. E algo que sempre gostei na sua figura, que é perceptível em quase
todos os seus trabalhos, é a seu jeito foda-se aliado ao amor por fazer aquilo
que gosta, por mais conflituoso que isso possa parecer. Então foi um dos livros
que mais esperei no ano passado desde que foi anunciado pela Darkside, não só
por querer ler mais sobre a vida do Gordo mas, também, porque conhecia a
competência da editora ao publicar biografias como a do Sabbath e a do Zé do
Caixão.
Dito
isso, e sabendo que não sou parcial, voltamos ao livro em si, que foi cedido em
parceria com a editora. Viva lá vida
tosca é um livro pra qualquer pessoa que tenha interesse pra saber um pouco
mais do Gordo, independente de gostar da sua música ou não, mas é claro que
pessoas que já acompanham seu trabalho vão acabar extraindo mais coisas dali.
Algo que gostei bastante é que o livro tem a cara do Gordo: a maneira como é
escrito, informal e sem muitas travas, faz parecer que estamos em um bar
conversando sobre sua vida. E intercalando toda essa conversa, temos opiniões
de pessoas que estiveram próximas a ele pra complementar ainda mais aquilo que
ele está nos contando.
O
único ponto negativo que eu vejo no livro é o fato de ser curto. Claro que é
impossível resumir sua vida em algumas páginas, mas diversas vezes durante a
leitura você sente que falta algo e que poderia haver mais informações e
histórias. Então, de certo modo, o livro parece que é uma introdução à sua
pessoa e ao seu trabalho, e caso você queira ir além disso basta assistir ao
seu programa no youtube em que diversas outras histórias surgem em suas
entrevistas.
Por
fim, não menos importante, a edição da Darkside está incrível. É perceptível
todo o carinho que a editora teve em fazer o livro. Além do capa lindona e do
marcador de páginas em formato de martelo, o livro tem quase tanta imagem
quanto texto, o que torna o livro bem rico, porque as imagens complementam a
história ao mesmo tempo em que permite o leitor a ter uma visão mais concreta
de tudo aquilo.
Enfim,
pega seu livrinho, dá um play nos Ratos e Viva la vida tosca!
Dá o play na desgraceira!
Pra
quem conhece a figura do Gordo apresentador, mas não conhece muito do seu lado
musico, eu fiz uma playlist no spotify com algumas músicas. A playlist não tem critério
nenhum, são apenas algumas músicas do Ratos que eu gosto. Muita coisa ficou de
fora porque o Spotify só tem alguns cds disponíveis, mas enfim... Dá o play
logo, Porra!
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