quinta-feira, 2 de março de 2017

Literatura: Viva la vida tosca (João Gordo & André Barcinski)

                
O Café vem hoje para falar de uma das pessoas mais importantes da música nacional. Se você for uma pessoa que quer pagar de cult e descoladona deve estar pensando em Caetano, Cartola, Nara Leão, ou em qualquer um desses dinossauros da MPB que você jura pros seus amigos que gosta, mas no fundo só conhece o best of que sua mãe escutava enquanto você pensava: “porra, que musica chata, cadê o nirvana?”.
            Por outro lado, se você for um fã desse bloguinho já deve ter pensado em figuras muito mais icônicas e importantes pra música como o sr. João Francisco Benedan, vulgo João Gordo. Então coloque o disco do Ratos na vitrola, pegue sua refeição vegana, bote o som no ultimo e... Take it J. G.


            

“Sou um sobrevivente. Sobrevivi à obesidade mórbida, sobrevivi ao pó, sobrevivi a punks e carecas que queriam me matar, sobrevivi à policia, sobrevivi ao sistema de um país injusto e corrupto e, principalmente, sobrevivi ao meu pai, superando todas as nossas diferenças. Lógico que, se não fosse ele, minha vida teria tomado outro rumo, talvez hoje eu fosse um operário infeliz na Vila Gustavo ou, quem sabe, até um PM. A opressão me fez mergulhar de cabeça no mundo do rock. Fui pra onde o vento me levou...”


Título original: Viva la vida tosca
Autor: João Gordo & André Barcinski
Ano: 2016
Editora: Darkside books
Páginas: 320
Com mais de 30 anos de carreira na música, o polêmico e carismático vocalista da icônica banda punk Ratos de Porão, relata um pouco de sua trajetória de vida, passando pelos diversos fatos que transformaram o jovem João Francisco Benedan na figura nacionalmente conhecida como João Gordo. Repleto de lembranças hora divertidas, hora tristes João conta não apenas um pouco de sua própria história, como também ajuda a elucidar todo aquele cenário em que viveu: o início do movimento punk, a repressão da ditadura militar, o cenário televisivo dos anos 90/2000, a cena musical, as drogas, etc.

Agressão/Repressão

Escrito em primeira pessoa, João Gordo conta um pouco de sua vida de uma maneira leve, divertida e, às vezes, emocionada. Seguindo uma ordem cronológica dos acontecimentos, começando de sua infância e da sua origem, passando por seu início e crescimento na música, os seus anos de MTV, até o seu presente pai, marido, vegano, youtuber, apresentador, radialista, dj e, claro, vocalista do Ratos de Porão.
Nas primeiras páginas vamos conhecer um pouco sobre a estrutura familiar do Gordo, quem são seus pais e avós, como era tanto sua situação  financeira quanto social, em qual contexto ele nasceu, etc. Depois de fazer um panorama geral pré nascimento, ele segue contando como foi sua infância, e é aqui que vamos compreendendo as bases que ele teve na vida e quais foram os fatores que o levaram a seguir a vida como ele seguiu.
Não me cabe ficar contando a história do Gordo, afinal o livro está ai pra ser lido, então vou pontuar algumas partes que considero importantes, que eu creio que possam aumentar sua curiosidade e te convencer a ir atrás dele.
A infância e adolescência de João Gordo foi bem conturbada. Seu pai era da polícia militar e possuía alguns outros problemas pessoais que escondia da família, resumindo, era uma pessoa bem rígida. Já o Gordo era uma pessoa que não se dava muito bem na escola e também não era do tipo que seguia a risca as convenções sociais, o que fazia com que as brigas com seu pai fossem constantes, como ele mesmo diz. Quanto maior a repressão mais ele fazia coisa errada. Esse constante conflito vai levar a diversos episódios que ele contará na biografia, incluindo uma mudança de cidade.
Em meio a tanto problema, ele só conseguiu encontrar refúgio em um único lugar.


Crucificados pelo sistema

Conforme vemos na biografia, a música teve uma grande importância na vida do Gordo, mesmo antes dele começar a se envolver com o movimento punk no início dos anos 80. No livro ele vai contar um pouco sobre como ele teve o primeiro contato com o rock, a importância que o Queen teve na vida dele, como ele fazia pra escutar e conhecer coisas novas naquela época, etc.
Essa aproximação com a música fez com que ele ficasse cada vez mais interessado e, consequentemente, pesquisasse não apenas bandas novas, mas tudo aquilo que englobasse esse universo. Sua vida começa a sofrer uma maior mudança quando descobre os Ramones e passa a ter contato com o Punk, sendo que a música deixa de ser um entretenimento e uma fuga e passa a ser um estilo de vida, sobretudo porque rolava uma identificação com as temáticas tratadas no estilo e seu próprio dia a dia.
Como você pode imaginar: um adolescente com problemas familiares, sem muito gosto pela escola e que acaba abraçando o punk como uma forma de escapar de todos os problemas (apesar de causar muitos outros) e de buscar sua própria identidade. Por isso, é bem bacana ver o Gordo falando de como ele mudou sua forma de se vestir, rasgando as roupas e colocando vários acessórios em uma época em que esse estilo era totalmente desconhecido e diferente do padrão.
É a partir disso que ele começa a fazer amizades com pessoas com gostos semelhantes e vê a cena punk começar a surgir em SP, participando ativamente dela. Ainda mais quando entra para o Ratos.




Anarkophobia

Algo que pode incomodar alguns mas que achei bom no livro é que ele é definitivamente uma biografia do Gordo e não do Ratos de Porão, como alguns devem imaginar. Claro que vamos ter muita menção e muitas histórias do Ratos, porque é boa parte da vida dele, mas em todo momento sabemos que ele está contando aquela história pra falar sobre ele e não sobre a banda em si, algo que é de certo modo desnecessário porque temos dois ótimos documentários sobre o Ratos: o “Guidable – A verdadeira história do Ratos de Porão” e o “Crucificados pelo sistema: 30 anos”. Fortemente recomendado se você gosta do Ratos ou se interessa pelo movimento punk de SP.
Entretanto, mesmo que seja uma biografia focada na vida do Gordo, isso não impede que tenhamos uma amostra de todo o universo externo a sua pessoa porque, independentemente de qualquer coisa, ele é uma figura icônica da música, da TV e do cenário midiático do Brasil dos anos 90 até hoje. Mesmo as pessoas que não estão no meio do punk e do metal, conhecem sua pessoa de alguma maneira.
Sendo assim, essa visibilidade que ele teve no cenário midiático permitiu que ele estivesse não apenas dentro do cenário de música extrema, mas também no mainstream, conversando e interagindo com pessoas totalmente diferente dele e rendendo diversas histórias que estão presentes no livro.
A capacidade do Gordo dialogar tanto com o seu meio quanto com pessoas tão diferentes dele é o que torna ele uma pessoa tão interessante.


Mad society

Ok, já sabemos que o Gordo se dá bem com (quase) todo mundo, mas... e os rock?
Mesmo a biografia sendo interessante mesmo pra quem só goste da sua figura, pode ter certeza que é muito mais proveitosa pra quem acompanha a banda e o cenário no qual ela está inserida, porque aqui vamos ter histórias que envolvem várias bandas e artistas que são muito mais legais se você tem uma base sobre elas e sobre alguns eventos.
Durante o livro vamos sentir a emoção do Gordo em conhecer alguns dos seus ídolos da adolescência até mesmo a amizade que ele fez com bandas brasileiras e gringas. No geral vamos ter apenas alguns relatos breves, mas existem algumas histórias que ele se preocupa em contar com mais detalhes.
Uma banda que vai ter grande presença nas páginas da biografia é o Sepultura, o Gordo fez amizade com a banda logo no início da formação, antes mesmo de lançarem o primeiro álbum (se não me engano), sendo assim foram duas bandas que cresceram juntas e se “internacionalizaram” na mesma época. Então é bem interessante ver essa relação entre eles, desde o convite pra tocarem juntos, as reuniões na casa da mãe dos Cavalera, até a saída e briga com o Max.
Além disso vamos ter a historias com os Ramones, como foram as primeiras turnês internacionais, a vinda do Nirvana pro Brasil e como o João Gordo se responsabiliza pelo péssimo show que eles fizeram por aqui, etc.



Escravo da TV

Além da música, como já foi mencionado, ele teve uma grande importância na TV brasileira. O Gordo vai nos contar desde a sua estreia na MTV até a decadência da emissora, fazendo com que ele acabasse indo para a Record.
A parte em que ele fala sobre a sua vida na MTV vemos um misto de nostalgia com revolta, porque sentimos que ali na emissora ele teve momentos importantíssimos pra sua vida e pra sua carreira. Durante um bom tempo ele tinha liberdade pra fazer tudo que queria, sem todos os limites que as emissoras tracionais pregam, mas com o tempo ele foi percebendo que ele não era valorizado, por mais que tivesse uma das maiores audiências, o que o faz falar de todos os problemas que teve ali dentro sem porém deixar de lado as coisas boas.
Mesmo o livro sendo narrado em primeira pessoa, algumas partes são narradas por pessoas próximas a ele, e isso é interessante por apresentar um visão externa ao ponto de vista do Gordo. E nessa parte sobre a TV é bem interessante porque vemos como o Gordo quebrou todos os padrões quando foi contratado pela MTV, até então não tinha ninguém no Brasil que fazia aquilo que ele fazia. Mas mesmo saindo totalmente do esperado, ele conseguiu atrair bastante audiência pro seu jeito foda-se de ser. Ou você acha que é qualquer pessoa xinga uma garota de 12 anos de “fascista, filha da puta” em um programa ao vivo?




Contando os mortos

Apesar de diversas histórias interessantes sobre música e televisão, uma boa parte da biografia não é tão bacana assim, apesar de ser importante, que é a parte relativa ao problema que o Gordo teve com  drogas.
Por todo o livro é perceptível o espectro das drogas rondando o Gordo, e isso é o mais curioso, pois nos primeiros momentos tendemos a levar tudo como brincadeira ou como uma história divertida. Diversas vezes no livro você vai se pegar rindo de situações que envolvem drogas, entretanto conforme vamos acompanhando sua vida, vamos percebendo que isso vai ficando mais e mais pesado, desencadeando diversos problemas.
A biografia permite ver direitinho a diversão rebelde de usar drogas, progredindo pra dependência, fazendo com que, por um bom tempo da sua vida, ele vivesse e trabalhasse só para sustentar o vício, esquecendo de todo o resto até quase morrer.
Por mais piegas que seja, podemos dizer que o amor salvou a vida do Gordo, mas vamos parar por aqui.




Aids, pop, repressão
O que é que eu fiz pra merecer isso?

O João Gordo é um daqueles artistas que lembro de acompanhar desde a infância. Apesar de eu começar a escutar rock e seus derivados ainda quando criança, eu só fui começar a ter uma relação maior com o Ratos de Porão a alguns anos atrás, enquanto toda a figura do Gordo, pra mim, foi criada a partir da MTV. Claro que eu sabia da existência da banda, mas seu lado apresentador falava mais alto naquela época.
A primeira vez que lembro de ter visto o Gordo, foi no programa “Garganta e Torcicolo” na MTV, nos longínquos anos de 1997, e desde essa época eu venho acompanhando seu trabalho até chegar no seu atual “Panelaço” que ele faz no youtube. E algo que sempre gostei na sua figura, que é perceptível em quase todos os seus trabalhos, é a seu jeito foda-se aliado ao amor por fazer aquilo que gosta, por mais conflituoso que isso possa parecer. Então foi um dos livros que mais esperei no ano passado desde que foi anunciado pela Darkside, não só por querer ler mais sobre a vida do Gordo mas, também, porque conhecia a competência da editora ao publicar biografias como a do Sabbath e a do Zé do Caixão.
Dito isso, e sabendo que não sou parcial, voltamos ao livro em si, que foi cedido em parceria com a editora. Viva lá vida tosca é um livro pra qualquer pessoa que tenha interesse pra saber um pouco mais do Gordo, independente de gostar da sua música ou não, mas é claro que pessoas que já acompanham seu trabalho vão acabar extraindo mais coisas dali. Algo que gostei bastante é que o livro tem a cara do Gordo: a maneira como é escrito, informal e sem muitas travas, faz parecer que estamos em um bar conversando sobre sua vida. E intercalando toda essa conversa, temos opiniões de pessoas que estiveram próximas a ele pra complementar ainda mais aquilo que ele está nos contando.
O único ponto negativo que eu vejo no livro é o fato de ser curto. Claro que é impossível resumir sua vida em algumas páginas, mas diversas vezes durante a leitura você sente que falta algo e que poderia haver mais informações e histórias. Então, de certo modo, o livro parece que é uma introdução à sua pessoa e ao seu trabalho, e caso você queira ir além disso basta assistir ao seu programa no youtube em que diversas outras histórias surgem em suas entrevistas.
Por fim, não menos importante, a edição da Darkside está incrível. É perceptível todo o carinho que a editora teve em fazer o livro. Além do capa lindona e do marcador de páginas em formato de martelo, o livro tem quase tanta imagem quanto texto, o que torna o livro bem rico, porque as imagens complementam a história ao mesmo tempo em que permite o leitor a ter uma visão mais concreta de tudo aquilo.
Enfim, pega seu livrinho, dá um play nos Ratos e Viva la vida tosca!

Dá o play na desgraceira!

Pra quem conhece a figura do Gordo apresentador, mas não conhece muito do seu lado musico, eu fiz uma playlist no spotify com algumas músicas. A playlist não tem critério nenhum, são apenas algumas músicas do Ratos que eu gosto. Muita coisa ficou de fora porque o Spotify só tem alguns cds disponíveis, mas enfim... Dá o play logo, Porra!

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