Hoje o Café sai um pouco do
universo trash, aquele cheio de sangue, sexo e coisas nojentas e parte pra um
lugar um pouco mais juvenil. Calma, foi apenas um lapso, no próximo post já
voltamos com programação normal. Mas enquanto estamos guardando o balde de
sangue pro próximo post, porque não dá uma conferida nessas criancinhas
bizarras que apareceram por aqui?
"Há peculiares em todo o mundo - disse ela -, apesar de nosso contingente ser muito menor hoje do que já foi. Os que restaram vivem escondidos, como nós. - Ela baixou o tom para uma voz doce e entristecida. - Houve tempo em que podíamos nos misturar abertamente com as pessoas comuns. Em alguns lugares do mundo éramos vistos como xamãs e místicos, e nos consultavam em momentos difíceis. Algumas culturas mantêm ralações harmoniosas com nossa gente, apesar de isso ocorrer apenas em lugares onde nem o mundo moderno nem as grandes religiões conseguiram penetrar, como a ilha da magia negra de Ambrym, nas novas Hébridas. Mas a maior parte do mundo há muito tempo virou-se contra nós. Os muçulmanos nos expulsaram. Os judeus nunca nos entenderam. Os cristãos nos queimaram como bruxos. Até os pagãos de Gales e da Irlanda acabaram chegando à conclusão de que éramos todos fadas e fantasmas, formas mutantes do mal."
Título
original: Miss Peregrine's
Home for Peculiar Children
Autor: Ransom Riggs
Ano: 2011
Editora: Leya
Páginas: 336
|
Jacob é um
garoto de 16 anos que durante toda a infância se encantou com as histórias
fantásticas que seu avô contava sobre o orfanato em que viveu depois da guerra
e as crianças peculiares com quem tinha amizade. Conforme foi crescendo, as
histórias foram perdendo a magia e ele já não acreditava mais nelas, tratando
todas como contos de fadas. As fotos mostradas por seu avô agora pareciam
montagem e as suas histórias irreais.
Após presenciar
o assassinato de seu avô por um estranho ser, Jacob começa a perceber que pode
existir algo de verdadeiro por trás de todas aquelas histórias surreais de sua
infância. Com isso, ele parte numa jornada à uma remota ilha no País de Gales
para encontrar o orfanato e desvendar os mistérios sobre seu avô. As histórias
eram reais ou ele estava louco?
Orfanateen
Antes de tudo,
mesmo parecendo evidente, convém ressaltar O orfanato é um livro juvenil
em todos os sentidos: o protagonista, os dilemas, a trama, a narrativa. Sendo
assim, é necessário pensá-lo dentro desse parâmetro, pois mesmo tendo elementos
fantásticos e flertar (bem de leve) com o horror, esse é um livro para
pré-adolescentes/adolescentes, algo que não o impede de ter suas qualidades e
poder agradar outros públicos que buscam uma leitura mais leve.
O herói da
história segue os moldes daqueles personagens conhecidos do gênero (Harry
Potter, Percy Jackson…): Jacob é um garoto comum, que tem poucos amigos, passa
seus dias trabalhando na loja do tio e segue sua vidinha banal como grande
parte dos jovens de sua idade. Mas ao longo do livro ele irá descobrir que
existe um mundo novo, assim como fará novas amizades, e que mesmo sendo um
“loser” no colégio ele carrega algo que o diferencia das pessoas normais,
mostrando que ele é mais importante do que imagina.
Traumas
No decorrer da
narrativa Jacob lida com os diversos dilemas, tanto aqueles relativos à sua
idade como, também, o contato com a morte de um ente querido, por exemplo.
Depois da morte de seu avô, Jacob acaba passando por um momento muito confuso,
já que todas as suas dúvidas e inseguranças acabam o atingindo de uma única
vez. Apesar dele já não ter o mesmo contato com seu avô como tinha quando
criança, ele sempre manteve uma relação diferenciada com ele, pois via algo em
seu vô que o resto da família não enxergava. Não acreditava que aquele homem que
ele sempre admirou tivesse algum defeito, apesar de suas peculiaridades.
Sendo assim, o
leitor acaba lidando com um personagem que está psicologicamente abalado, o que
pode levar a diversas interpretações e, também, à duvidarmos da veracidade da
história e dos acontecimentos.
Independente de
a aventura ser real ou não, é nela que o personagem vai se deparar com as
situações que o levarão a pensar tanto em si próprio quanto nas coisas que o
cercam. Além da morte de seu avô, ele também tem que lidar com a própria
família, que apesar de aparentar uma normalidade, tem seus conflitos internos.
Já que, ao visitar o orfanato, ele está de certa forma entrando num mundo
paralelo, o protagonista passa a atuar em duas realidades diferentes, tendo que
assumir uma vida dupla para lidar tanto com o presente quanto com os conflitos
do orfanato.
Isso é
interessante porque durante o período na ilha com seu pai, Jacob vai descobrir
a entrada para o orfanato, mas irá guardar o segredo a respeito dela, o que o
leva a inventar desculpas para seu sumiço, de modo que seu pai não desconfie de
nada e ele não precise revelar a existência dos peculiares. O protagonista está
assim dividido entre dois mundos e não sabe como administrar sua vida, posto
que lidar com os dois lados parece cada vez mais difícil e ele não consegue
decidir entre ser o jovem sem graça mas estável, ou ser o herói em um lugar
totalmente desconhecido.
Algo que eu
acho importante ressaltar é que o seu avô foi para o orfanato no período da
segunda guerra, em que passou por diversas perdas, inclusive a perda dos pais,
sendo que assim como Jacob ele também encontra o orfanato logo após uma perda.
Se pensarmos por um lado mais psicológico e menos fantasioso na interpretação
do livro, isso tem grande relevância, de modo que ao longo da historia o leitor
vai se questionar: será que o orfanato existe de fato ou a morte do seu avô fez
com que ele retomasse todas as histórias de sua infância e se prendesse nesse
mundo como forma de superar a dor?
É… vamos relevar
Apesar da capa
e das fotos no livro darem a impressão de ser O orfanato um livro de
horror, mesmo que adolescente, ele não é. Pode ter uma coisa ou outra, mas são
detalhes, no geral, ele é um livro de aventura em todos os aspectos. Não vou
adentrar nos detalhes da história, mas a questão é que, mesmo tendo um universo
próprio, sua trama principal não tem nada de inovadora. O autor só aplicou um
fórmula pronta num sistema diferente.
Isso poderia até não ser um problema se o
universo fosse todo coeso e o desenvolvimento colaborasse com a situação, mas
há diversos pontos que incomodam e que poderiam ser melhor desenvolvidos. Em
primeiro lugar, a viagem do protagonista pra ilha não convence, pois ele tem 15
anos e do nada fala: “Ah, vou pra uma ilha no cu do mundo que não tem nem
energia elétrica direito” e os pai “Ah, tudo bem. Vou também pra tirar uma
fotos”. Assim como a realidade paralela é confusa e não é bem desenvolvida,
você até aceita, mas não compra a ideia. Por fim, os vilões são bem mais do
mesmo, com as mesmas motivações banais de qualquer vilão que o autor tem
preguiça de desenvolver algo consistente.
Devo me matricular?
O orfanato é um livro com problemas, mas que pode entreter por boas horas
caso você tenha consciência de que é um livro juvenil e que você terá que
relevar certas situações. Além disso, é bem interessante o uso que o autor faz
das imagens, parecendo que ele desenvolveu a narrativa a partir das imagens que
ele tinha e não o oposto. Essas fotos (que parecem ser reais) trazem um clima
de bizarrice bem legal pra história.
O livro faz
parte de uma trilogia, então, por ser o primeiro da serie, ele dá a sensação
que serve mais para introduzir o leitor naquele universo que pra entregar uma
história fechada. Sim, ele tem a trama dele, mas nada muito relevante, pois
quando você sente que a história vai começar de fato, ele acaba. Sendo assim,
alguns dos problemas apontados podem ser reparados nas continuações (assim
espero).
Caso você
busque um livro bobinho que traga elementos fantásticos (ou você esteja órfão
de Harry Potter e derivados) é uma boa pedida.
Crianças peculiares na telinha
(Um adendo por conta do filme)
Antes da
estreia do filme (apenas com o trailer), eu tive a impressão de que, se bem
aproveitado, o filme poderia ser melhor que o livro, uma vez que o livro não
tem muita profundidade nem conflitos internos difíceis de serem transmitidos na
tela, além de ser bem visual. Durante toda a leitura você fica tentando recriar
o cenário e as crianças na sua cabeça. Entretanto, depois de ver o filme, vi
que não é assim; o livro continua sendo melhor que o filme, mesmo esse primeiro
não sendo muito bom.
Apesar de ter
um aspecto visual bem interessante (ainda que nada fora do esperado), o
desenvolvimento do filme peca em vários pontos. A primeira metade da historia é
corrida e tem pouco desenvolvimento, o que pode causar estranhamento pra quem
não leu o livro. Claro que entendo o motivo disso, o publico primário do filme
quer ação e momentos fantásticos e não conflitos de um adolescente que perdeu o
avô, no entanto, tudo passa tão rápido pra chegar na trama principal que a
linha narrativa se perde e você não consegue se aproximar do personagem e nem
mesmo sentir sua perda. Outro ponto que favorece isso é a apatia do personagem:
falta-lhe carisma, faltam expressões, falta vida, falta tudo – ele atravessa um
portal, volta pro passado, conhece pessoas com poderes e ele não esboça espanto
nenhum, como se fosse mais um dia qualquer.
A segunda
parte, a partir do momento em que ele encontra o orfanato, assume um ritmo bom
e se assemelha bastante com o que vemos no livro, com algumas ligeiras
modificações. Mas se faltam explicações no livro, no filme faltam mais ainda. A
trama, apesar de fazer sentido, não é muito bem explicada e você sente necessidade
de entender melhor como funciona o portal, quem são os etéreos, etc., tudo é
muito superficial.
Mesmo corrido,
com menos desenvolvimento e com algumas mudanças, o filme é relativamente fiel
ao livro, até chegar no final...
Quando se
aproxima da ultima parte da história, o filme vai para um lado completamente
diferente, que dará voltas e mais voltas pra chegar quase no mesmo lugar que o
livro. Tendo em vista que a narrativa não tem muitas cenas emocionantes e nem
muitos conflitos, eles decidiram, no filme, enfiar batalhas, momentos
dramáticos, confronto com vilões e outros clichês pra ver se dava uma animada
na história. Se você gosta de situações non-sense pode até ser
divertido, mas que é completamente desnecessário é.
No geral, O
lar das crianças peculiares passa a ideia de ser um filme preguiçoso, que
teria potencial pra ser melhor que o próprio livro, mas que decidiu ir pelo
caminho mais fácil e simplesmente fazer de qualquer jeito, ainda mais se
pensarmos que é um filme do Tim Burton. Se nas outras obras do diretor
percebemos seu toque e suas características muito próprias, aqui tais coisas
passam totalmente despercebidas. Enfim, apesar de definitivamente não ser um
filme bom e ter mais pontos negativos do que positivos, não é pra se jogar completamente
fora, dá pra se entreter descompromissadamente por uma horinhas, principalmente
se você deixar de lado seu lado critico.
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