Se você está nesse blog pouco convidativo para as
pessoas de bem, é porque você já participou de muitas festinhas e praticou atos,
como eu posso dizer, inadequados, que Cristo não aprovaria. Sendo assim, se
você ainda não se converteu a alguma religião na esperança de apagar a sujeira
do seu passado, você é como nós do Café
e já aceitou sua passagem pro inferno e continua usufruindo dos prazeres
mundanos enquanto o chifrudo não chega. Não é mesmo?
Apesar dos pecados mortais serem bem divertidos,
ouvimos falar por aí que existe uma caixinha capaz de proporcionar uma experiência
singular, uma tal de “Caixa de Lemarchand”. Mas calma, isso não é um merchan de Sex Shop, não
é nenhum brinquedinho que está à venda. É um objeto que está por ai no mundo e
apenas alguns encontram, e por acaso recebemos ela em nossa caixa postal essa
semana. E como somos pessoas legais, vamos compartilhar essa experiência com
nossos leitores.
Então esqueça tudo que você conhece sobre dor e prazer, e
venha abrir a caixa com a gente, hoje iremos muito além dos limites da carne.
““Você contou
a ele onde estavam seus manuscritos? ” Poltash inquiriu.
“Com um
gancho e uma corrente subindo pelo meu cu e puxando o estômago até as
entranhas, sim, Arnold, contei. Eu guinchei como um rato numa armadilha. Então,
ele me deixou lá, com a corrente lentamente me estripando, até que tivesse ido
à minha casa e trazido de volta tudo o que escondi. Àquela altura eu queria
tanto morrer que recordo-me de ter literalmente implorado que ele me matasse.
Dei informações que ele nem precisou perguntar. Tudo o que eu queria era a
morte. O que, enfim, consegui. E nunca fui tão grato por algo na vida. ””
Título original: The Scarlet gospels
Autor: Clive Barker
Ano: 2015
Editora: Darkside books
Páginas: 317
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Harry D’Amour é um detetive que passou a
trabalhar em casos sobrenaturais devido ao seu histórico com demônios e
criaturas do além. Quem costuma lhe passar os casos é Norma Paine, uma senhora
cega capaz de ver e conversar com os mortos, que vão até ela para buscar ajuda
e tentar resolver assuntos que ficaram pendentes no mundo dos vivos. É num
desses casos que Harry acaba encontrando a “Caixa de Lemarchand” e abrindo o
portal para que Pinhead viesse ao mundo dos mortais.
O que queremos? Gore
Quanto queremos? Muito
Vamos ter? ...
Antes da história principal se
iniciar, há um prólogo que desenvolve assuntos que serão importantes ao longo
da narrativa. Nessa introdução, um grupo de magos se reúne em frente ao tumulo
de um antigo membro para realizar um ritual com o intuito de ressuscitá-lo.
Quando o ritual é finalizado, é revelado ao ex-morto que eles buscam ajuda,
pois aquele grupo é formado pelos últimos magos que restaram, sendo que todos
os outros foram mortos por um demônio que estava caçando um por um em busca de
seus segredos, magias e artefatos. E eles são os próximos da lista até não
sobrar mais nenhum.
Após um tempo de conversa, o tão
temível demônio (o já conhecido Pinhead de Hellraiser) aparece e se aproveita
da situação para dar fim a todos os restantes de uma vez só, mostrando para o
grupo que depois de encontrá-lo o único desejo que alguém pode ter é a morte,
mas não será algo simples de se alcançar. O sofrimento, a dor e o desespero vão
perdurar até o ultimo sinal vital.
Se você tem problemas, como nós do
blog, e adora ver cenas de gore com muito sangue, sexo e escatologias, o
prólogo do livro vai te animar bastante. Logo no início do livro ele já te joga
um balde de sangue e Tripas na cara ao mostrar o Cenobita
em ação, com suas correntes e seu sadismo peculiar, matando um por um das
formas mais dolorosas possíveis.
Mas, infelizmente (pelo menos pra
mim), o livro não mantém essa mesma pegada gore do prólogo ao longo da história.
Ainda vamos ter bastante sangue e situações bizarras durante a narrativa, no
entanto a crueldade vai se apresentar diluída em meio a outros elementos. Ela
não será servida pura, como gostamos, mas continua sendo uma iguaria
interessante.
O inferno é logo ali
Se o livro começa com um prólogo de terror,
a história de fato se inicia como um thriller sobrenatural e acaba
virando uma fantasia, mas falaremos disso mais pra frente.
Harry D’Amour é o típico detetive
canastrão — tem problema com bebidas, é assombrado por assuntos do
passado, não mede suas palavras, não se importa em fazer coisas ilegais ou
encobrir parceiros corruptos, etc. — que passa seus dias (ou noites) em bares,
remoendo assuntos mal resolvidos, ou lidando com os casos que surgem para ele.
Por isso, quando lhe é solicitado, por um recém morto, que vá a sua casa e se
livre de coisas estranhas que ele costumava ter e não queria que a família
descobrisse, ele aceita o caso rapidamente, tanto pela facilidade e quanto pela
recompensa.
Num primeiro momento ele acredita
que está lidando apenas com um pervertido interessado em orgias e fetichismos,
mas quando encontra um quarto secreto cheio de artefatos, objetos para magia
negra e uma caixa de Lemarchand, ele percebe que o trabalho não seria tão
simples quanto o previsto. Atraído pela caixa, ele acaba abrindo o portal para
o inferno, trazendo para nosso mundo o cenobita Pinhead, com quem irá travar
uma “batalha”, tanto na terra quanto no inferno, literalmente.
A partir desse ponto o livro vai
assumindo ares de fantasia que vão permanecer por todo o restante da história.
Isso se dá porque o sobrenatural não se resume à espíritos e demônios, como nas
produções de horror, mas também inclui magias, objetos mágicos, pessoas com
dons, além disso, o protagonista e alguns amigos/conhecidos irão partir em uma
jornada extraterrena — no caso, até a morada do capiroto — em busca
de algo que não preciso dar spoiler. Se eu forçar um pouquinho da até pra falar
que é uma mistura de Hellraiser com Senhor dos anéis, mas é preciso de um pouco
de imaginação pra aceitar a comparação.
Se por um lado o “herói” e seus
amigos partem em uma aventura pelo inferno, o nosso querido vilão tem planos
mais complexos que envolvem toda a estrutura e a hierarquia do inferno.
Prego na cabeça dos outros é refresco
A narrativa de Evangelho
segue por dois caminhos distintos que irão cruzar em determinados momentos. Se
por um lado a história tem como foco Harry e seu grupo, por outro vamos
acompanhar o próprio vilão, intercalando entre capítulos do detetive e
capítulos do Pinhead, algo que, na minha humilde opinião, é uma das coisas mais
interessantes do livro.
Logo nas primeiras páginas, no
prólogo, vamos descobrir que Pinhead está caçando os magos, um a um, para
roubar seus segredos e se tornar mais poderoso. A partir disso, no desenrolar,
o leitor começa a compreender tanto o motivo dele buscar poder, quanto o
papel de Harry na história.
Acompanhar o vilão é particularmente
interessante porque passamos a vê-lo não apenas como um demônio sedento de
sangue (ou qualquer coisa do tipo), mas como um ser que também tem sentimentos,
mesmo que eles sejam cruéis. Agindo de maneira calculista e não apenas por
impulso. Com isso o leitor vai partilhando de toda a conspiração desenvolvida
por ele para colocar seu plano em pratica.
A trama do cenobita, em um primeiro
momento, vai parecer estranha e não fará muito sentido, mas aos poucos vamos
conhecendo os detalhes e compreendendo aonde o autor que chegar. Esses
capítulos destinados a ele sempre causam certo estranhamento, porque para
entender o que se passa é necessário não apenas conhecer as intenções do vilão,
mas também toda a organização do lugar em que ele está inserido, o inferno.
Então conforme vamos conhecendo melhor o personagem e, também, a posição que
ele ocupa naquela hierarquia infernal, seus planos começam a fazer mais sentido
e como tudo aquilo vai relacionar as tramas e o prólogo.
Welcome to Hell
Outro ponto que merece ser
destacado, que no meu ponto de vista é um dos grandes trunfos do livro, é o
inferno criado pelo Clive Barker, pois ele não é apenas o local onde irá se
passar boa parte do livro, ele é construído de forma que ele tenha uma vida
própria. A partir das descrições vamos compreendendo o que é o inferno, e ele
não é apenas aquele lugar quente cheio de gente ruim como muitas obras acabam
descrevendo, isso é apenas um elemento em meio a tantos outros que vão sendo
descobertos pelo leitor.
Para criar esse inferno Barker vai
misturar tanto a mitologia de sua obra, criada em torno dos cenobitas, como
também vai se apropriar de diversos elementos do inferno bíblico, tanto que é
possível ver algumas referências ao longo da trama, como, por exemplo, um
personagem que irá aparecer.
Durante a trama, sejam as principais
ou as paralelas, o leitor vai fazer um passeio pelo inferno junto com os
personagens, conhecendo tanto seu aspecto físico e estrutural quanto a
sociedade infernal e as histórias que circulam por ali. O inferno construído
pelo autor tem uma estrutura bem semelhante à nossa própria sociedade, o que
acaba constituindo uma ironia bem curiosa já que o inferno tem problemas
semelhantes aos nossos e, tomando as devidas proporções, é possível comparar os
demônios aos homens em diversos aspectos.
Assim como nesse mundinho bizarro
que vivemos, o inferno também partilha da organização social e das injustiças causadas
por ela (não que sejamos organizados na pratica, mas na teoria a sociedade se
diz organizada). No inferno os demônios, assim como os humanos, são divididos
por classes e posições sociais, de modo que exista a burguesia, como o próprio
Pinhead, que é um sacerdote – os cenobitas são a ordem religiosa do inferno –
ou até mesmo os membros do comitê de justiça que irão aparecer em certo
momento, e também há os demônios que não fazem parte da “alta cúpula infernal”
e são submetidos a morar em favelas ou até mesmo aqueles que são discriminados
socialmente por outros demônios e obrigados a viver afastados das cidades
(Qualquer semelhança é mera coincidência).
O desenvolvimento da história nesse
ambiente faz com que o leitor fique cada vez mais curioso para compreender
melhor seus mecanismos e seus atores, que em muitos aspectos é mais
interessante que a narrativa em si.
Pinhead, sangue, inferno, sexo, gore...
Tem como dar errado?
Gostaria muito de dizer que não,
mas, infelizmente, pode. Não me entendam mal, não estou dizendo que o livro é
ruim, mas ele está bem longe de ser tudo aquilo que poderia ser.
Não sei se vocês já assistiram os
filmes de Hellraiser, mas se já viram é possível que concordem comigo
(se não concordar pode me xingar ai nos comentários). O primeiro filme da
franquia é uma das obras primas do terror — tudo
nele funciona: a historia é fechada, temos um vilão cruel e enigmático que
desperta curiosidade, temos violência e sangue na dose certa, a trama é simples
e interessante, e muitas outras coisas. Devido a isso, logo que acaba de
assistir você já sai correndo atrás das continuações, pois o filme apresenta os
cenobitas, desperta duvidas e você quer saber mais sobre esses seres sado
masoquistas tão legais. Só que quando você dá play nas continuações,
acaba percebendo que aquilo não é a mesma coisa que o primeiro filme, por mais
que elas tenham mortes legais, algumas explicações e novas tramas envolvendo os
vilões. No fim das contas, não é aquilo que você espera. Sempre falta algo.
Ao
ler Evangelho de Sangue eu senti algo semelhante, assim como as
continuações cinematográficas, ele é divertido, entretém, você continua
interessado na franquia, mas ainda não é a continuação a altura do original que
todos esperamos. É perceptível a grandiosidade da mitologia, mas fica claro que
sempre que tentam explorá-la, acabam se perdendo em algum momento, quer dizer,
assim como os filmes, o autor tenta ser algo além do que consegue, ao mesmo
tempo em que deixa de lado muito daquilo que o consagrou.
Eu
tenho a sensação que o universo de Hellraiser é algo que está além das
mãos humanas, apesar de ter sido criada por elas. A mitologia foi crescendo de
modo que se tornou maior do que ela é de fato, assumindo um papel singular na
cabeça de cada um que se interessa pela franquia, permitindo diversas
possibilidades e interpretações, com isso, sempre que tentam dar uma
continuidade, inclusive seu próprio criador, a produção se torna caótica e sem
a consistência necessária para estabelecer seu nome ao lado do original.
Cabe
a nós mantermos a esperança de que um dia entreguem uma obra a altura dessa
mitologia tão amada por nós, fãs do sangue, sexo e escatologias.
“Pregando” o evangelho...
Independentemente
de Evangelho de sangue não atingir minhas expectativas, afinal, quando
se trata de Hellraiser eu sempre acabo esperando mais do que deveria, esse é um
livro que merece ser lido por todos aqueles que gostam desse universo e/ou
se interessam por terror/gore. Meu maior “problema” com o livro em si foi algo
pessoal e não um defeito de fato, que é a questão da fantasia. Apesar de gostar
de uma coisa ou outra, fantasia não é um gênero que me agrada, essa questão do
herói com seus amiguinhos, viajando por um lugar mágico com criaturas
fantásticas e derivados, eu, particularmente, tenho um pouco de preguiça, mas
sei que muita gente gosta. Evangelho não é de fato uma fantasia, mas tem
muito elementos, pelo menos nos capítulos focado no Harry, sem contar que a
trama é previsível em alguns pontos.
Quando
os capítulos focam em Pinhead, no entanto, o livro ganha sua singularidade.
Cliver Barker nos conduz pela mente maquiavélica do vilão, acompanhando os
processos e ações do plano que ele arquiteta durante a narrativa. Então quando
o livro acabou eu fiquei pensando que o autor poderia ter facilmente descartado
a história principal, que é legal mas nada surreal, e ter focado somente na
trama do Pinhead desenvolvendo melhor tanto o personagem quanto o próprio
inferno, que é composto por diversas estruturas e criaturas que mereciam uma
maior atenção.
Evangelho é um livro frenético. Com pouco mais de
300 páginas, sempre está acontecendo alguma coisa e sempre há alguma trama
paralela acontecendo, sem contar que, muitas vezes, o capítulo acaba no clímax
e você não quer parar de ler pra saber logo o que acontece. Esses dois
elementos fazem com que a leitura seja bem fluida e gostosa (se você gostar de
umas gotas de sangue na cara), e nunca se torne cansativa. Apesar de pertencer
ao mesmo universo de Hellraiser (também publicado pela Darkside)
não e necessário ter lido e/ou assistido antes, contudo eu recomendo a leitura
ainda assim. Antes ou depois, não importa, mas leia.
Feita
a análise do conteúdo, vamos falar de outro ponto muito importante do livro, a
edição. O livro foi recebido de parceria com a Darkside, e quando chegou em
casa fiquei impressionado (sem contar que os parceiros recebem a edição
enrolada em uma corrente), ouso dizer que é minha capa favorita da editora: há
mistura entre o universo de Hellraiser com o universo bíblico, fazendo
uma capa profana cheia de detalhes e significados que dialoga perfeitamente com
o conteúdo. Internamente o livro mantém a mesma qualidade que sempre esperamos:
bom tamanho de letra, boa formatação e muitos detalhes.
Enfim,
mesmo com defeitos ainda é uma obra de Baker que entretém e causa repulsa,
cheia de cenas que só poderiam sair da cabeça criativa e doentia do autor. E, independentemente
de qualquer coisa, é sempre bom acompanhar as maldades de Pinhead, ainda mais
quando ele é um dos protagonistas. Mas lembre-se, por mais legais que os
cenobitas sejam, nunca, em nenhuma hipótese, procure pela Caixa de Lemarchand.
AMARRADO EM NOME DE PINHEAD. Ótima resenha, adorei os pontos que vcs levantaram. E concordo, a capa é uma das melhores, amarra várias questões e ainda provoca todo mundo. :P
ResponderExcluirNão kkkk, eu não aceitei minha passagem para o Inferno, sou cristã, gosto de Jesus, apesar dele ter uns fãs que olhaaa... Deus me livre hahah Mas, estou aqui!!! kkk
ResponderExcluirAchei essa ideia da Caixa de Lemarchand interessante, afinal tenho fascinil por caixas fechadas e o que elas guardam, não por acaso utilizo a quase 10 ano o codinome Pandora para circular pelos descaminhos da internet. Não sou uma grande fã de caixas fechadas, o fecho é só um prenuncio do que virá porque nenhuma fechadura dura eternamente então é melhor abrir logo, vê o que há para ser visto e bem... quem conseguir seguir segue... quem não... bem um homem tem que morrer néh?!?! Eu não sou uma grande fã de crueldade crua servida com o sangue ainda escorrendo, gosto dela ao ponto para mais sabe então apressiei essa ideia do livro caminhar mais para uma fantasia, me fez ter vontade de ler ele, coisa que olhando apenas a capa não tive.
Gosto de livros que abordam e problematizam a realidade na qual vivemos, gosto de ser convidada a pensar sobre essas coisas. Então inusitadamente sua resenha me fez ter vontade de ler o livro, me convidou a da uma chance a ele.
E não, não vou procurar pela Caixa de Lemarchand, como sou uma pessoa de fé acrescento até que vou pedir a Deus para deixa-la longe de mim, mas acho que esse tipo de coisa para achar ninguém precisa procurar... elas simplesmente acontecem quanto tem que acontecer e ai é respirar fundo...
Pandora
O que tem na nossa estante