Dando
prosseguimento ao desafio literário #12MesesDePoe
o Café
traz de volta o Sr. Edgar Allan Poe para discutir a maldade humana. Será
a maldade uma predisposição biológica assim como muitos de nossos instintos ou
será que existe um pequeno diabo ao lado de nosso ouvido tentando nos corromper
a todo instante? Porque, mesmo sabendo das conseqüências de nossas ações,
continuamos a nos auto-sabotar diariamente?
O Sr. Bigodinho
irá responder, mas fique atento querido leitor, até mesmo os clássicos escondem
o verdadeiro significado de seus discursos.
“Estamos
à borda dum precipício. Perscrutamos o abismo e nos vem a náusea e a vertigem.
Nosso primeiro impulso é fugir ao perigo. Inexplicavelmente, porém, ficamos.
Pouco a pouco, a nossa náusea, a nossa vertigem, o nosso horror confundem-se
numa nuvem de sensações indefiníveis. Gradativamente, e de maneira mais
imperceptível, essa nuvem toma forma, como a fumaça da garrafa donde surgiu o
gênio nas Mil e uma Noites. Mas fora dessa nossa nuvem à borda do precipício,
uma forma se torna palpável, bem mais terrível que qualquer gênio ou qualquer
demônio de fábulas. Contudo não é senão um pensamento, embora terrível, e um
pensamento que nos gela até a medula dos ossos com a feroz volúpia do seu
horror. É , simplesmente, a ideia do que seriam nossas sensações durante o
mergulho precipitado duma queda de tal altura.”
Titulo original: The imp of the perverse
Autor: Edgar Allan Poe
Ano: 1845
Lido em: Online (baixe aqui)
Paginas: 4
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Após ler
sobre o caso em que uma pessoa morreu devido a uma vela envenenada, um homem se
vê tentado a cometer o crime perfeito utilizando o mesmo método. Ao colocar em
pratica o seu plano, ele tem grande sucesso. O protagonista mata a pessoa
pretendida, herda seus bens e se vê livre de qualquer suspeita. Entretanto, com
o tempo, algo começa a assombrá-lo.
Perversidade biológica x
Perversidade demoníaca
O
demônio da perversidade pode ser dividido em duas
partes. Na primeira, o protagonista faz um ensaio sobre a maldade humana e
tenta compreender os motivos que levam o homem a cometer certos atos. Já a
segunda parte tem como objetivo contar brevemente a história do narrador. Toda
a história do conto em si pode ser explicada em um único paragrafo, tanto que
Poe nem se preocupa em dar muitos detalhes. A discussão gerada pelo
protagonista é muito mais importante do que a história de fato.
Sem antes
mesmo se apresentar ou dar qualquer informação sobre sua vida, o narrador já
começa o conto desenvolvendo uma pequena tese sobre os impulsos humanos e os
motivos que levam o homem a fazer o mal. Para dar validade ao seu argumento,
ele expõe e explica o funcionamento da ciência que tentou determinar as ações
humanas e, logo após, irá desconstruir a mesma para mostrar sua posição. A
princípio, ele irá discutir sobre a frenologia, uma teoria que acreditava ser
possível determinar características e traços de personalidade a partir do
formato do crânio, contudo, de acordo com o narrador, a teoria peca em ter suas
explicações planejadas a priori, ou seja, ela não tenta explicar a
característica por si só, mas sim procura algum modelo padrão em que ela seja
aplicável, no qual o comportamento se submete a biologia. Por exemplo: a fome e
a sensação de frio são impulsos do cérebro para a autopreservação, logo, a
maldade também é um impulso que funciona da mesma maneira e se desenvolve em
indivíduos que tenham determinado formato de cranio.
Contradizendo
essa teoria, o autor diz que a maldade (e alguns outros impulsos) partem de um
principio inato e primitivo, chamado de perversidade, que não envolve
características biológicas determinantes. A perversidade contraria os outros
comportamentos humanos, pois, enquanto alguns seguem predisposições biológicas
e são uteis para a sobrevivência, esse tem um impeto destrutivo e, muitas
vezes, destituído de razão. Assim, a perversidade age como uma especie de
demônio, ela surge como um simples pensamento mas, com o tempo, ela começa
ficar cada vez mais frequente e poderosa, levando o homem a determinados atos.
A
perversidade, ao longo do conto, vai estar relacionada a maldade, tanto que o
autor vai se utilizar dela para falar sobre o seu crime, mas o mesmo conceito
pode ser aplicado em diversos outros contextos. Segundo o raciocínio
desenvolvido pelo narrador, a perversidade é um sentimento que surge sem uma
razão aparente e que, aos poucos, vai devorando a vitima a ponto dela não
aguentar e se submeter a tentação. Esse impeto, por mais que contrarie a razão,
muitas vezes se torna forte o suficiente para que o indivíduo se auto sabote,
mesmo tendo total consciência dos problemas que aquilo pode gerar.
Não é culpa minha, foram as
vozes
Ao fim do
seu desenvolvimento teórico sobre a perversidade, o narrador irá contar
rapidamente ao leitor sobre o crime que cometeu e o que ocorreu após. A curta
história será essencial para exemplificar e dar vida a tudo que foi
desenvolvido anteriormente, mas ela também serve para levantar algumas questões
que são ainda mais importantes. O protagonista em nenhum momento fala seu nome
ou quem ele é, sendo que, tirando o caso que ele conta, não temos qualquer
informação sobre ele. Do inicio ao fim, portanto, somos conduzido por um
personagem que está escondido por trás de palavras e que levanta suspeitas
tanto da veracidade do que é narrado quanto de suas intenções. A única coisa
que é possível concluir é que ele parece ser alguém estudado, pois ele consegue
desenvolver um tema nem um pouco simples que envolve assuntos como filosofia e
psicologia. Sendo assim, não fica muito claro a sua motivação com o texto
escrito.
Sim, ele
pode estar apenas contando a sua historia, mas ele também pode estar usando
isso como uma forma de justificar seu crime ou justificar sua tese.
Poerversidade
Em seu
conto, Poe consegue fazer com que cada leitor acabe tendo sua própria
interpretação. Ao mesmo tempo que ele conduz a leitura para um caminho, ele
deixa outros abertos para quem quiser explorar, mas nenhum tem uma conclusão e
nenhum trás a verdade, porque independentemente da explicação, a perversidade
está além da compreensão. O demônio da perversidade é um conto de apenas
quatro paginas, entretanto, apesar de curto, ele tem uma leitura bem densa e,
de certa forma, complicada, obrigando o leitor a voltar e reler diversas vezes.
Apesar da leitura “difícil”, é um conto que recompensa ao levantar diversas
hipóteses e continuar conversando com o leitor mesmo ao término da narrativa.
Esse é um dos meus contos favoritos até agora, Victor! Passei dias e dias pensando nas teorias que o Poe fala no começo do conto. Também tive essa impressão que o falatório podia ser um cover up pro crime dele, mas ao mesmo tempo ele mesmo diz que a verborragia é uma forma de perversidade. Achei genial!
ResponderExcluirComo sempre, resenha maravilhosa. Obrigada por participar!
Meu blog
Desafio de leitura #12mesesdepoe
Brigado Anna ;)
Excluireu curti bastante o conto também, é interessante como ele desenvolve a narrativa. Ele começa como se tivesse discutindo o tema sem muita pretensão e no final vai la e apresenta o crime, como se ele estivesse criando uma anestesia para que o leitor pegue mais leve e tente compreender as suas ações.
É intrigante o quanto o tema da "perversidade" é frequente nos contos de Poe. Em O Gato Preto, por exemplo, o personagem transgressor que igualmente não tem seu nome revelado, discorre sobre a natureza desse denominado espírito: “A própria filosofia não estudou este espírito. E todavia, assim como tenho certeza de possuir uma alma vivente, é minha convicção que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano - uma das faculdades primárias e indivisíveis, um dos sentimentos que dão origem e orientam o caráter do Homem. Quem já não se flagrou uma centena de vezes a cometer uma ação vil ou meramente tola por nenhuma razão exceto sentir que não devia? Não temos todos nós uma inclinação perpétua e contrária a nosso melhor julgamento para violar as Leis, simplesmente porque compreendemos que são obrigatórias?”. É como se o próprio autor, valendo-se de seus personagens, propusesse um apelo direto ao leitor sobre a devida atenção à complexidade dos fatores por trás de uma mente criminosa e o quanto os elementos precípuos de tal mentalidade são mais ordinários do que imaginamos. Tal ideia conversa muito com o conceito de depravação agostiniano.
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