terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Literatura: O sorriso da hiena (Gustavo Ávila)


            O Café com Tripas retorna com uma resenha literária para prender os leitores na cadeira e fazê-los presenciar assassinatos brutais diante de seus olhos. Esqueça monstros do armário, objetos assassinos e os unicórnios zumbis, hoje o monstro se esconde dentro de pessoas reais.
Será que você conseguirá decifrar a origem da maldade humana após ficar cara a cara com o sorriso da hiena?


                  "O problema das pessoas é que elas só constroem muros do lado de fora. O mal consegue atravessar o concreto."


Titulo original: O sorriso da hiena
Autor: Gustavo Ávila
Ano: 2015
Editora: Independente
Paginas: 304

David, uma criança de 8 anos, está amarrado na cadeira observando seus pais presos na mesma situação. Um homem se aproxima de seu pai, com um alicate segura sua língua e a corta com uma faca. Enquanto seu pai engasga com o próprio sangue, o assassino se aproxima e dá um tiro na cabeça de sua mãe.
Anos mais tarde, David ainda perturbado pelos acontecimentos da infância decide repetir o mesmo que aconteceu com ele em outras crianças e assim tentar compreender os processos do trauma. Mas para isso ele precisará convencer o renomeado psicólogo William a ajudá-lo a desenvolver seu estudo sobre a maldade humana e, ao mesmo tempo, não deixar que o detetive Artur se aproxime das pistas.

O psicopata, o psicólogo e o detetive

É sempre um prazer o Café recomendar coisas de qualidade (ou coisas sem qualidade que são boas) para os leitores desse bloguinho sujo e mequetrefe, mas é muito melhor quando compartilhamos obras de qualidade produzidas aqui mesmo em terras tupiniquins, que mostram cada vez mais que, apesar dos pesares, temos pessoas fazendo trabalhos incríveis por aqui. Sim, eu sei que geralmente essas obras ficam meio escondidas e longe dos best-sellers, porém é justamente por isso que temos esse espaço, para recomendar tudo aquilo que não aparece no programa do Gugu para aqueles leitores desvirtuados que nos acompanham.
O sorriso da hiena é um romance policial que parte de uma premissa diferente da grande maioria. Desde o inicio sabemos quem é o assassino e suas motivações, contudo, em nenhum momento isso se torna um empecilho para a trama – pelo contrario: a cada capítulo ficamos ainda mais curiosos quanto ao desenrolar da história dos três personagens. Outra característica interessante da obra: não temos um personagem principal. A narrativa é construída de modo que o leitor acompanhe cada personagem, mostrando as perspectivas e os anseios individuais de modo que a historia flua por três visões diferentes.
Como se trata de uma obra nacional, o leitor tem certa familiaridade com as situações que acontecem no decorrer da história. Por exemplo: o local onde a trama se passa, apesar de não ser mencionado (pelo que me lembro), é muito próximo da realidade de algumas capitais brasileiras, além disso, também a ambientação, a rotina, a reação de alguns personagens, ou mesmo certas questões sociais e políticas apresentadas ali, produzem no leitor a mesma sensação de familiaridade.

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O grande mérito do livro talvez seja não se limitar à historia, e sim explorar mesmo que nas entrelinhas questões importantes que deixam o romance ainda mais rico. Sim, é um romance policial e tudo gira em torno da investigação de um assassino que reproduz com crianças aquilo que ele sofreu quando tinha a mesma idade, mas, apesar de ser isso que está na sinopse da parte de trás do livro, o real assunto do livro é a moral. Não apenas aquela do psicólogo, mas também a dos outros personagens da história. A linha que divide o bem e o mau, certo e o errado, justo e injusto está sendo borrada em cada entrelinha do livro.
William diversas vezes se justifica dizendo que está usando o mal pra fazer o bem e convencendo de que é apenas uma vitima da situação e que a faca não está em suas mãos. Mas até que ponto isso é verdade? O que diferencia o psicólogo do assassino sendo que ambos, apesar dos pesares, acreditam que os assassinatos trarão frutos positivos e ambos utilizam disso para uma realização própria?
Tanto essas quanto outras questões vão permear a história, entretanto, O sorriso da hiena é um daqueles livros que é melhor não falar muito para não estragar a experiência.

Edição

O sorriso da hiena foi lançado independentemente, sem o suporte de nenhuma editora. Portanto, não é possível encontrar o livro físico nas livrarias (apenas formato digital), caso você se interesse, é possível conseguir uma copia no site oficial da obra, onde o próprio autor divulga e vende por conta própria.
Por não ter nenhuma editora por trás, é possível perceber uma certa simplicidade no livro. Apesar de não ser perfeita, ela é uma edição justa, com qualidade e com características superiores a livros de muitas editoras grandes. A começar pela capa que apesar de simples é muito bonita e chamativa (no bom sentido), e com apenas três cores e duas imagens consegue representar o espírito e a ideia central do livro.
A diagramação e a formatação do texto é bem feita e ajuda a leitura e o papel possui uma tonalidade meio creme que evita o reflexo da luz, melhorando a leitura.
No geral, o livro físico é honesto, melhor do que o esperado para um livro independente. Aquilo que poderia ser melhor não passa de detalhe e não interfere no texto em si. Por exemplo: a parte traseira poderia ser melhor trabalhada, e também seria interessante um breve resumo sobre autor no final do livro.

Obs: O livro que comprei no site veio com uma dedicatória do próprio autor, algo que achei bem legal, demonstrando um carinho de olhar quem comprou e agradecer, e não simplesmente embalar e enviar como uma loja qualquer.

Devo ajudar Artur a ir atrás do assassino?

Sim, O sorriso da hiena é um livro bem escrito e fluído, que consegue se manter consistente do inicio ao fim e mantém o leitor mais interessado a cada capitulo que passa. Além da premissa, a obra também aborda temas interessantes que levantam discussão sobre a moralidade dos atos e sempre representa os seus personagens de forma humana, sem apelar pros estereótipos de bem e mal.
Apesar de eu ter um sentimento conflituoso quanto ao final, por ser algo totalmente diferente do que eu esperava, é um desfecho coerente e que surpreende. Não entrarei em mais detalhes para não estragar as surpresas e a leitura.
Assim, a obra de Gustavo Ávila é uma ótima recomendação pra quem se interessa não apenas por romances policiais e histórias sobre serial killer, mas também por discussões morais e psicológicas sobre a “construção do mal”. É o tipo de leitura que você se sente feliz por saber que foi produzida por um autor nacional e que, ao ler, você está, de certa forma, contribuindo para que novas obras e autores brasileiros ganhem espaço em um ambiente tão dominado por best-selleres de qualidade duvidosa.


Caso tenha interesse em saber mais sobre o livro ou comprá-lo: www.osorrisodahiena.com.br

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