O início
da vida adulta é um momento complicado pra muitas pessoas, e provavelmente é,
foi, ou será pra você também. É aquele momento em que diversas incertezas e
cobranças começam a aparecer, você se pergunta se escolheu bem o curso da
faculdade, passa a perceber o real valor das coisas quando precisa pagar por
elas, os boletos se acumulam e, mesmo trabalhando não tem perspectiva de uma
independência financeira, os amigos estão casando e você acha que vai morrer
sozinho/a, a idade avança e você continua sem saber o que fazer da vida, busca
empregos temporários que acaba durando mais do que deveria, etc. Enfim, cada um
vai ter suas próprias crises e incertezas, mas podemos deixar tudo isso um
pouco mais leve, seja cantando death metal em um karaokê ou assistindo Aggretsuko
pra compartilharmos nossas frustrações com a pandinha vermelha mais humana que
você vai encontrar.
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Nome: Aggretsuko
Gênero: Animação
Emissora: Netflix
Ano de estreia: 2016
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Retsuko é
uma panda vermelha, solteira de vinte e poucos anos que trabalha no
departamento de contabilidade de uma empresa japonesa. Lidando diariamente com
as frustrações da vida adulta e com os abusos de seus superiores, apesar da
infelicidade, a jovem se vê sem muitas opções de mudança diante da situação em
que se encontra. O único lugar onde ela encontra um pouco de conforto é no
karaokê de sua cidade, onde ela canta death metal para extravasar toda a
negatividade do seu dia a dia.
A
antropomorfização
Se não me
engano essa vai ser a primeira vez que falamos de uma série aqui no blog,
apesar de nós dois assistirmos muitas coisas, séries sempre foram um tipo de
obra um pouco mais difícil de resenhar por diversos motivos, mas,
principalmente por terem diversas temporadas e, geralmente, lidar com diversas
histórias em paralelo. Particularmente, acho estranho resenhar uma obra que
ainda está incompleta e que só irá ter continuação daqui a um ou dois anos.
Mas, ao assistir Aggretsuko, eu pensei que a obra merecia de alguma
forma aparecer aqui na página. Então, essa
e as futuras séries que aparecerem aqui não vão ser exatamente
resenhadas, mas sim indicadas pra quem não conhece ou quer saber um pouco sobre
nossa perspectiva em relação a obra.
Aggretsuko
é um desenho baseado em uma personagem criada pela mesma empresa da Hello
Kitty. Mas bem diferente da gata sem boca, Retsuko é uma personagem bem mais
complexa, que dialoga muito mais com os jovens adultos do que com as crianças
(talvez seja uma forma da empresa manter aquele publico que conquistou nos anos
90 com a sua mascote mais famosa. Mas enfim, apenas conspirando). A história
acompanha essa panda vermelha antropomórfica que esta infeliz com seu trabalho
no escritório, tanto pela constante repetição e monotonia da função quanto pelo
ambiente de trabalho: os chefes são abusivos, existe um clima predatório entre
os colegas e não há perspectiva de crescimento. Esse descontentamento com o
emprego se estende para sua vida pessoal, pois Retsuko não tem muito tempo pra si e os abusos sofridos
no trabalho repercutem em suas outras atividades. Ela acaba tendo dificuldade
de conhecer novas pessoas, vive em uma contante pressão, afinal ela já tem 25
anos e ainda não está rica e nem casada, os amigos estão sempre felizes e
plenos nas redes sociais, etc. Ou seja, Retusko é um escarro fofinho de nossa
geração.
O que mais
gosto na série é justamente como ela trata de assuntos tão sérios de uma
forma leve e sutil. Ao mesmo tempo em
que você tá encantado pelos personagens fofinhos de desenho infantil, dando uma
risadinha ou outra devido a uma piada ou situação, no fundo, você vai
sentir um constante desconforto, porque
apesar de ser ficção e ter uma estética fofa, toda a narrativa é muito
concreta. É como se você pegasse a vida de alguém e transformasse em desenho. Aggretsuko
é de certa forma uma deturpação dos desenhos infantis, ele não quer te levar
pra um mundo mágico ou dar uma moral pra história, mas sim usar esses
personagens animados pra que as pessoas possam rir, chorar e refletir a própria
situação e a sociedade em que vivem.
No mundo
do desenho não existem humanos, todos os personagens são animais
antropomórficos e cada um desses animais acabam representando, de certa forma,
um tipo de personalidade, como se a figura dos animais fossem alegorias para o
comportamento de cada indivíduo (algumas obvias, outras nem tanto). Por
exemplo, o chefe de Retsuko é um porco que explora os empregados e só quer
saber de si próprio, assim como a outra superior que é uma cobra e vive
sobrecarregando os funcionários. Por outro lado, as mulheres que ela admira
dentro da empresa são representadas por uma gorila e uma pássaro, como se
fossem exemplos de força e beleza. As vezes parece que estamos vendo o desenho
pelos olhos de Retsuko, e os animais são como a panda, inocente, solitária e
sonhadora, acaba enxergando os outros de acordo com a personalidade de cada um.
Crescer é
traumático
Uma coisa
bem curiosa é que ao assistir o desenho vamos percebendo que, embora ele seja
muito baseado na cultura japonesa, nem por isso se torna menos relevante para
nossa cultura ocidental. É claro que em alguns pontos podem não fazer muito
sentido pra nosso estilo de vida, mas como um todo os dramas dos jovens adultos
acabam sendo bem semelhantes tanto no Japão quanto aqui.
Toda a
trama gira em torno de Retsuko e seus constantes conflitos com a vida adulta.
No início, vamos conhecer um pouco da sua rotina, da sua vida no trabalho e da
importância do karaokê como amenizador de suas pressões. Conforme a trama
avança vamos vendo pequenas atitudes da protagonista para buscar uma mudança,
porém, é interessante perceber o cuidado do roteiro em mostrar as coisas de uma
perspectiva bem pé no chão e não forçar situações felizes só pra que tudo dê
certo, afinal todas as ações acabam tendo reações, e nem sempre são positivas.
Assim, muito de Aggretsuko está baseado em expectativas, porque apesar estarmos
sempre torcendo pela personagem, nós sabemos que o sistema é foda e as coisas
nunca são simples. Nós torcemos pra que ela tome uma atitude em relação a uma
questão ao mesmo tempo em que sabemos que aquela ação pode tornar as coisas
piores, apesar de ser necessária. E assim por diante. Por trás do desenho
fofinhos e um humor peculiar, existe um conteúdo bem interessante, que consegue
ser melhor do que muitas outras produções que tratam do mesmo tema de uma
maneira “mais séria”.
Apesar de
diversos assuntos permearem a história do início ao fim, vamos perceber que a
cada capítulo a série enfoca um tema diferente. Dentre os tópicos trabalhados,
vamos ver alguns como abuso dos superiores no ambiente de trabalho, machismo, o
diferente tratamento que mulheres e homens recebem, a falta de cooperação entre
colegas de trabalho e a constante guerra em que um tenta se dar melhor que o
outro, a dificuldade em reportar abusos e as consequências disso, etc. Fora do
ambiente corporativo também existirão questões envolvendo relacionamento, como
a pressão para casar (principalmente no que diz respeito a mulher), a falsa
realidade das redes sociais onde todo mundo é feliz, dando a constante sensação
de que você está atrás dos seus amigos no quesito felicidade, padrões de beleza
e a constante busca pelo corpo ideal (afinal ninguém vai te querer se você não
for igual as pessoas da revista/internet). Além desses, outros temas vão surgir
pra mostrar pro expectador que as coisas não estão fáceis nem pros animais.
Enfim,
apesar de Aggretusko tratar de temas densos e complexos, ele passa tudo
de uma maneira bem leve, divertida e sem precisar ser muito autoexplicativo,
entretanto mesmo sendo um bom entretenimento, ele ainda te deixa com aquele
gostinho amargo na boca. Você se diverte assistindo, mas nem por isso fica
indiferente com aquilo que a série quer passar.
E ai,
bora pro karaokê?
Aggretsuko foi uma
dessas produções que acabei encontrando sem querer enquanto passeava pelo
Netflix. Eu não tinha noção nenhuma do desenho quando comecei a ver, a única
coisa que eu sabia era que se tratava de um bichinho fofinho que cantava death
metal, uma descrição suficiente pra me chamar atenção. Quando comecei a
assistir, porém, logo percebi que era mais interessante que isso, afinal o death
metal é apenas um detalhe divertido no meio de tantas discussões
importantes.
Uma coisa
bastante curiosa na série é que, apesar de ser um desenho pro publico adulto,
em nenhum momento ele esconde as influências “infantis” dele, algo muito
diferente dos desenhos feitos especificamente pro público mais velho, que
acabam apelando pra violência, sexo e narrativas mais pesadas. Eu acredito que
seja um desenho que possa ser visto por todas as idades, apesar de dialogar
muito melhor com um público específico. Acho que pessoas mais novas (e mais
velhas) também conseguem extrair algo sem parecer direcionado exclusivamente
para um único publico.
Enfim,
assistam Aggretsuko e depois venham conversar com a gente sobre esse
desenho que discute nossa miséria de um
jeito fofo.
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